30.1. JUSTIFICAÇÕES
Certo de que o Código Civil disciplina a resolução dos contratos dentro do Capítulo II do Título V, Livro I da Parte Especial (vinha no Capítulo II do Título IV, Livro III, da Parte Especial do Código anterior), e, assim, em seção correspondente aos contratos. A matéria, pois, não condiz com a sua posição ou colocação no assunto que desenvolve as obrigações. Há, todavia, forte pertinência entre o inadimplemento ou não cumprimento e a resolução. Normalmente, a falta de execução ou inadimplemento conduz não apenas a consequências indenizatórias, mas também à resolução, que se alça como um direito reconhecido ao contraente cuja prestação não é satisfeita. Pondera Mário Júlio de Almeida Costa: “As várias causas do não cumprimento produzem diferentes consequências jurídicas: enquanto que umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras constituem o devedor em responsabilidade indenizatória e conduzem à realização coativa da prestação; e outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do devedor, podendo até verificar-se um direito de indenização deste contra o credor”.1
Procura-se enfocar a resolução no campo das obrigações bilaterais, porquanto o Código Civil – arts. 475 e 472 – se atém aos contratos bilaterais. Ninguém desconhece que os contratos propriamente ditos vêm depois das obrigações consideradas de modo geral, mas nada mais são que obrigações definidas em categorias materializadas. O que são eles senão um feixe de direitos e obrigações setorizados em determinados campos das atividades e dos bens? De modo geral, todas as pessoas lesadas pelo inadimplemento estão autorizadas a pedir a resolução. Em face do inadimplemento das obrigações, autoriza-se o pedido da indenização por perdas e danos. Envolvendo a omissão no cumprimento uma obrigação bilateral, consubstanciada em um contrato, como de compra e venda, de entrega de mercadorias, de confecção de um produto, e depois de decorrido o prazo para o cumprimento, com a devida constituição em mora se for o caso, admite-se o simples desfazimento da avença, solução esta que não subtrai a faculdade de reclamar o competente ressarcimento pelos danos.
Ao invés, pois, de se estudar a extinção das obrigações, e destacadas as consequências do inadimplemento, procura-se delinear os caminhos para a resolução da relação obrigacional ou contratual.
O normal é o cumprimento das obrigações. Cria-se uma relação entre dois seres humanos, a qual se formaliza mediante um instrumento, onde se descrevem o objeto e os direitos e obrigações. Esta relação, chegando ao fim, e dando-se a sua plena satisfação, se extingue, eis que não tem mais razão de ser. A mesma relação está sujeita a percalços e frustrações. Submete-se à sua não realização plena. Surge um fato superveniente que a impede de atingir seu escopo último. Tem-se a resolução. Dentre vários outros fatores que derruem seu aperfeiçoamento, alguns constituem as causas que invalidam o ato, como a incapacidade do agente ou ilicitude, a impossibilidade e a indeterminabilidade do objeto, a par de outras, discriminadas nos arts. 166 e 167. O negócio fica nulo. Declarase a nulidade. Mas há aqueles que permitem a anulação, dependendo da ação da parte prejudicada. Estão aí os vícios do consentimento, discriminados no art. 171. Mas não se fica só nessas classes. Comum que a obrigação não chegue ao seu desiderato, que é o cumprimento, em razão da falta da comutatividade, da alteração das circunstâncias quando da celebração, da excessividade da prestação. Sempre se encontra um motivo para recompor-se a situação vigente antes. Frequente, outrossim, que haja o simples inadimplemento, levando às perdas e danos ou à resolução.
Centra-se o objeto do presente estudo a separar a viabilidade da resolução. Não se tem o escopo de desenvolver uma teoria de nulidades, das resoluções e das rescisões. Pois, como ensinam os doutos, vários os caminhos em torno do inadimplemento, e dentre eles está a resolução. Salienta José Mélich-Orsini: “Para evitar al acreedor que el deudor pueda privarle de la prestación, la ley le concede la acción de cumplimiento (la llamada ‘ejecución forzosa en forma específica’), y si ello no es posible, por haberse consumado ya esa privación, le concede la acción de responsabilidad civil (la denominada ‘ejecución por equivalente’). Por lo que respecta, en cambio, al daño que hemos caracterizado en último lugar, susceptible, según dijimos, de presentarse solo cuando hay un contrato bilateral..., nuestro ordenamiento positivo ha proveído con una nueva especie de acción: la acción de resolución del contrato”.2
30.2. RESOLUÇÃO E FIGURAS AFINS
Possível extinguir o vínculo contratual por motivo que apareceu depois da formação. Normalmente, tal motivo consiste no inadimplemento. Está aí a “resolução”, considerada um instituto que leva à desconstituição da obrigação, em face de fato superveniente, ou que surge depois de celebrada a mesma, e acarretando a extinção da relação bilateral. Percebe-se a nota que a distingue de outras figuras: o desfazimento do negócio, em virtude de causa superveniente à formação do vínculo.3
Não se confunde com a “rescisão”, que também compreende o desfazimento do negócio jurídico, mas por defeito anterior à sua formação. Encontra-se, aqui, um vício do objeto, antecedente ao consenso.
Há também a “resilição”, palavra utilizada para significar a desconstituição de um negócio ante permissão prevista expressamente na lei, como quando autoriza a retratação, ou a denúncia, e assim no comodato, ou na locação por prazo indeterminado. Assim denomina-se na extinção por fato natural, como a morte, ou o perecimento do objeto. A previsão está no art. 473 do Código Civil: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.
Em certas situações, quando houve razoáveis ou vultosos investimentos, apenas depois de ocorrido considerável lapso de tempo autoriza-se a resilição, conforme contempla o parágrafo único: “Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.
Já a “revogação” abrange o desfazimento do contrato mediante a declaração das partes ou do autor do contrato unilateral, tal acontecendo no testamento, na doação, no mandato.
A “nulidade” advém da falta de requisito ou elemento essencial no contrato, como do preço na compra e venda.
A “anulabilidade” pressupõe igualmente um vício anterior ao ato, ou congênito, vigorando, porém, o mesmo até que o juiz o declare, e dependente sempre da iniciativa da parte.
O “distrato” revela-se como um negócio pelo qual as partes, de comum acordo, extinguem um contrato anteriormente celebrado, consoante o art. 472.
Conhece-se, ainda, a “denúncia”, própria “nas obrigações que se desenvolvem continuamente”,4 espécie de ato em que a pessoa manifesta a alguém com o qual mantém uma relação de direitos e obrigações o desiderato de extingui-la, de não continuá-la (naquelas relações duradouras), sem depender, para a validade, do consentimento do mesmo; o “arrependimento”, previsto em cláusula autorizando que seja desfeito o negócio, como nas arras penitenciais; a “redibição”, a qual extingue o contrato de compra e venda por vício ou defeito oculto quando da celebração; a “prescrição”, que é o efeito do tempo sobre a pretensão; a “decadência”, quanto aos direitos que deixam de ser exercidos; a “renúncia”, manifestada, em geral, por um ato unilateral de vontade dirigido a abdicar do cumprimento.
30.3. RESOLUÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Há as causas “extintivas” do contrato ou da relação obrigacional contemporâneas à sua formação ou nascimento, que nascem com o germe que desencadeará a extinção, e assim, v.g., os vícios de consentimento; e as causas “supervenientes”, que aparecem no seu curso, na sua vida, desconstituindo-o, isto é, resolvendo-o. Não chega ao seu final, completando o ciclo normal de vida, que se alcançaria com o adimplemento integral da prestação. A execução corresponde à sua realização plena, com a satisfação dos direitos e deveres contemplados no seu conteúdo ou objeto. Equivale à solutio, ou ao pagamento, ficando plenamente atingida a finalidade, já que atendidas as partes nas estipulações em que convieram. Com o recebimento do valor contratado, ou da entrega do bem, da obra, passa-se a quitação, consistente no ato ou termo que atesta ou prova o cumprimento.
No caso em exame, não se opera o adimplemento. Mais propriamente, não se extingue pela execução concretizada com o pagamento. Nem se observará a sua não conclusão em face de circunstâncias ou causas anteriores ou contemporâneas à formação, verificadas na nulidade, na anulabilidade, na ineficácia por ausência de algum elemento constitutivo, como do bem na doação. Fixa-se o incumprimento em razão de fato superveniente ou posterior. Estuda-se a resolução da relação firmada por força da superveniência mais do não cumprimento da obrigação, o que leva, também, à extinção. Extinção, porém, por não satisfação dos interesses convencionados, não se afastando, porém, a decorrente da estipulação das partes.5 Embora não afetada, em sua origem, por deficiências ou vícios, a relação obrigacional se frustra, fracassa, morrendo no caminho.
A resolução por inadimplência voluntária ou involuntária da obrigação encontra fulcro no art. 475, assim redigido: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. O termo ‘rescisão’, pelas observações já feitas sobre o sentido do termo, é inapropriado, porquanto se adapta ao desfazimento do negócio em razão de vício do objeto ou do consentimento, em momento anterior ou concomitante à formação do vínculo. Como se trata da desconstituição advinda do inadimplemento, que se torna postulável a partir da declaração de vontade dos figurantes, a palavra correta é “resolução”.
Outrossim, a regra acima se restringe aos contratos bilaterais, envolvendo duas declarações volitivas. Isto mesmo quando uma vontade apenas declara ou assume obrigações (doação, comodato), mas a outra revela concordância, mantendo-se, pois, a existência de dois lados ou de uma relação. Neste tipo de contrato, cada um dos parceiros se compromete em emprestar para o outro, o qual lhe contrapresta, ou também cumpre uma obrigação. Carvalho Santos conceituava nesta espécie “aquele em que fica assegurada a reciprocidade de prestações”, diferenciando-se dos unilaterais, nos quais “não há essa reciprocidade de prestações, porque só uma das partes se obriga à prestação”.6
Na dicção do dispositivo, tem-se a inadimplência voluntária, ou não causada por uma impossibilidade material. Como decorre do art. 389, o cumprimento deve operar-se na integridade, nos termos da contratação. Daí ressaltarem-se algumas regras para verificar se ocorre na plenitude, como o modo de se cumprir, seguindo as condições, o lugar da prestação, as suas qualidades e as características, a pontualidade, ou no tempo devido, em vista do que emana também do art. 394, que atribui a mora a quem não efetua o pagamento “no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”; a integralidade, envolvendo a obrigação principal e a acessória, ou abrangendo a própria coisa e os frutos e rendimentos.
Uma vez não atendida a prestação na forma convencionada, ocorrem dois inconvenientes ao credor, segundo expõe Ruy Rosado Aguiar Júnior: “Priva-o de receber a prestação esperada, com os prejuízos daí decorrentes; expõe-no ao risco de perder a contraprestação por ele antecipada. Há a diminuição imediata de seu patrimônio e a frustração da vantagem que adviria com o cumprimento pelo devedor, o que significa sofrer dupla perda”.7
30.4. ESPÉCIES DE INCUMPRIMENTO
Podem-se classificar algumas espécies de incumprimento.
Em primeiro lugar está aquele “voluntário”, ou por culpa do devedor. Este o contemplado no art. 475, e que acarreta a indenização por perdas e danos, seja nas obrigações de dar, de fazer ou não fazer. No pertinente ao “involuntário”, também se resolve a obrigação, podendo ocorrer por vários fatores, todos alheios à vontade do devedor, como a superveniência de caso fortuito ou força maior, da impossibilidade de cumprimento em face do surgimento de uma situação imprevisível, da quebra da base objetiva existente quando da contratação, da onerosidade excessiva, dentre outros estados impeditivos. Unicamente isenta-se o devedor do ressarcimento das perdas e danos. Não se afasta a consequência de se compelir à restituição da prestação recebida. Mesmo que haja a ocorrência de um fator de impedimento de se cumprir o estipulado, não deixa de resolver-se o contrato, isto é, de desconstituir-se, retornando as partes à situação anterior, e restituindo-se aquilo que foi recebido. Mas encontrando-se o devedor em mora no cumprimento, não se isenta das perdas e danos.
Há o inadimplemento “imputável” ou “não imputável” ao devedor, que se resume no voluntário ou involuntário, mas observando-se que o primeiro advém de decisão do devedor e o segundo pode decorrer não somente de circunstâncias fáticas externas, como caso fortuito e força maior, e sim também de conduta do credor que não quer cumprir a sua parte da obrigação – aplicando-se, então, o art. 476, ou de ato de terceiro.
Costuma-se distinguir o inadimplemento “definitivo” do “não definitivo” – aquele se consuma com a falta de atendimento, e daí fica irrecuperável, tornando imprestável a prestação depois de determinada época, como a não entrega de um produto para uma data impostergável, ou o não comparecimento de um artista em uma festa para a qual se comprometera; e o segundo trazendo prejuízos ao credor, como o restrito a algumas qualidades dos produtos encomendados, ou a realização parcial de uma tarefa, possibilitando-se, ainda, a sua complementação, isto é, ressalta a possibilidade de se cumprir a parte faltante.
O inadimplemento pode ser “total” ou “parcial”. O total, que alguns denominam absoluto, e que também se confunde com o perfeito, considera-se aquele não mais recuperável, ou que diz com a essência da prestação. Avençando-se a entrega de um bem, o mesmo é destruído por culpa do vendedor. Já o parcial vem indicado pela própria palavra, pois expressa que em parte foi atendido o dever firmado. Ao invés de concluir uma pintura em uma obra, entrega-se somente uma parcela da obra já pronta. Nesta subdivisão pode-se incluir o adimplemento imperfeito, de uso frequente, e grande incidência, como quando alguém entrega até a data aventada uma parcela da mercadoria a que se comprometera. Impossível enjeitar a totalidade da obrigação.
Apontam os doutrinadores a falta de atendimento da obrigação “principal”, ou da “acessória”, conforme se relacione ao seu próprio objeto, ou a aspectos secundários, isto é, aos frutos, aos rendimentos.
Finalmente, tem-se o que se convencionou denominar “a quebra positiva do contrato”, modalidade que vem suscitada no direito ultimamente, e no Brasil desenvolvida, dentre outros (Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Clóvis do Couto e Silva) pelo juiz gaúcho Ubirajara Mach de Oliveira, em excelente trabalho publicado na Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Diz-se ‘positiva’ a quebra porque não se realiza um ato que cumpria fosse praticado.
Conceitua-se esta espécie como o descumprimento na realização de um ato, de um dever e não propriamente ante uma omissão de algo especificado na avença. Abrange atos positivos, ou que deveriam ser praticados, inerentes ao pacto, e atos de cumprimento defeituoso, causadores de danos. Tem pertinência mais ao não cumprimento de um dever legal, no sentido de que o devedor desatende algo que lhe cabia cumprir, adjetamente à obrigação principal. Suscitada a figura pelo advogado alemão Hermann Staub, traz Ubirajara Mach de Oliveira esta ideia: “Define-se a infração contratual positiva, genericamente visualizada, como uma lesão culposa da obrigação, que não tenha como fundamento a impossibilidade ou a mora. Consoante o Restatement (Second) of Contracts, a quebra positiva do contrato é o não cumprimento de um dever legal, quando exigível em face de um contrato...
Numa visão dogmática atualizada, tem-se a violação positiva do contrato como um conceito descritivo a obter pela negativa. Abarca as hipóteses de cumprimento defeituoso da prestação principal, de incumprimento ou impossibilitação de prestações secundárias e de violação de deveres acessórios. A esses casos são aplicáveis as seguintes regras: direito à indenização pelos danos, a possibilidade de recusar legalmente a prestação e a de mover a exceção do contrato não cumprido”.8
Para bem separar este campo de incumprimento comum, necessário lembrar que o dever principal é aquele objeto máximo da obrigação. Na compra e venda, certamente será o pagamento relativamente ao comprador, e a entrega da coisa de parte do vendedor. O secundário ou acessório acompanha o principal, exemplificando-se como na entrega do bem dentro das regras do bom transporte, na conservação da coisa locada, no pagamento dos juros convencionados em contrato de mútuo. Pois bem, ao lado dos deveres principais e secundários, existem os laterais, ou anexos, como os denomina Ubirajara Mach de Oliveira, também na classe dos acessórios, pois se apresentam como instrumento para que se atinja a plena satisfação dos interesses contratuais. Eis algumas espécies indicadas pelo mesmo autor: “deveres de cuidado, previdência e segurança, deveres de aviso e informação, deveres de notificação, deveres de cooperação, deveres de proteção e cuidado relativos à pessoa e ao patrimônio”. Uma outra hipótese, colhida da obra Direito das Obrigações (6ª ed., Coimbra, Almedina, 1994, p. 60) de Mário Júlio de Almeida Costa: “O dever lateral do locatário, de avisar prontamente ao locador, sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa, ou saiba de algum perigo que a ameaça ou ainda que terceiros se arroguem direitos sobre ela, quando o fato seja ignorado pelo locador; o operário, além do dever principal da perfeita realização da tarefa definida no contrato de trabalho, tem o dever lateral de velar pela boa conservação do maquinário”.9 Cuida-se sempre de algo que se tem de fazer.
Em uma cirurgia médica, a obrigação não se resume em realizar a intervenção no organismo, mas também em avisar o paciente das consequências e as probabilidades de cura. No contrato de seguro, insta que a companhia seguradora esclareça ao segurado da inutilidade em fixar um valor de seguro superior ao preço do bem garantido. Numa empreitada, embora o objeto do contrato centre-se na construção, há a inerente obrigação de conservação, de modo a não trazer prejuízos. Em um contrato de publicidade, resta subentendido que, além do painel sobre certo produto, exige-se a colocação em local adequado à sua visão e divulgação.
Esta espécie de causa, no entanto, pode incluir-se dentro do adimplemento imperfeito, assunto a ser abordado adiante.
Resta evidente que a omissão em realizar os atos, ou a efetivação de atos contrários ao pactuado, enseja a resolução, ou a indenização pelos danos resultantes.10
30.5. RESOLUÇÃO DE OBRIGAÇÕES CONTEMPLADA EM LEI
Normalmente, a resolução do contrato opera-se pelo não cumprimento voluntário. Trata-se da forma mais comum de desconstituição, em que o credor não recebe a prestação a que tinha direito. Verificando-se o incumprimento da obrigação principal, desencadeia-se plenamente o mecanismo para invocar o art. 475 do Código Civil, isto é, para desmanchar o negócio.
Entrementes, o Código Civil em vigor, como fazia o anterior, aponta ou programa uma relação de hipóteses de resolução, indo além do mero inadimplemento. Amplia ou acrescenta novas situações para a resolução. Contempla casos explícitos que levam a não finalizar o contrato. Algumas previsões confundem-se com as nulidades, mas sem perder a especialidade de superveniência. No art. 166, inciso II estão a ilicitude, a impossibilidade e a indeterminabilidade do objeto. No andamento do contrato, verifica-se a ilicitude, ou a impossibilidade, ou que não pode ser determinado o objeto. Igualmente quanto ao inciso III do mesmo artigo, ao se apurar, em momento posterior à celebração, que o motivo determinante da avença, comum a ambas as partes, é ilícito. A constatação não acontece quando do nascimento do negócio.
De outro lado, o art. 127 indica a convenção resolutória, ao tratar da condição resolutiva. Advindo a mesma, fica desmanchado o negócio – “enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico”. Perdura, v.g., a doação até que o donatário atenda a condição, ou até que preste a assistência a que se comprometeu.
No regime do Código de 1916, havia o pacto comissório, caracterizado mais uma situação – art. 1.163: “Ajustando que se desfaça a venda, não se pagando até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço”.
Na obrigação de dar coisa certa, e vigorando condição suspensiva, enquanto não acontecida, perdendo-se a coisa sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação para ambas as partes, segundo o art. 234. Também na obrigação de restituir coisa certa, vindo a mesma a perder-se sem culpa do devedor antes da tradição, fatalmente termina o contrato, sofrendo o credor a perda, como assegura o art. 238. Assim, igualmente versando a avença de obrigação de fazer, se esta se tornar impossível, sem culpa do devedor, na previsão do art. 248, como quando inviabilizar-se a confecção de uma obra, dada a proibição súbita da importação de um material, embora tipificar-se aí mais o caso fortuito ou de força maior.
O art. 395, parágrafo único, autoriza a enjeitar o cumprimento serôdio, se apresentar-se inútil.
Nas obrigações alternativas, malgrado firmadas validamente, e tornando-se todas elas inexequíveis, sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação. Nas arras, estipuladas para fins de arrependimento, resta pacífico o direito de não implementar a prestação definitiva.
Na promessa de compra e venda de imóvel loteado, interrompidos os pagamentos, assegura-se o cancelamento do contrato, depois das providências constitutivas da mora (art. 32 e § 1º da Lei nº 6.766, de 1979). Naquelas de imóveis não loteados, o mesmo direito aparece assegurado, após a competente notificação formadora da mora (art. 1º do Decreto-Lei nº 745, de 1969, alterado pela Lei nº 13.097/2015). E assim vários regramentos especiais, que regulam contratos em setores, citando-se o Decreto-Lei nº 911, de 1969, na redação que trouxe ao art. 66 da Lei nº 4.728, de 1965; a Lei nº 5.741, de 1971, art. 1º, inciso IV, ao exigir a comunicação prévia da dívida ao devedor antes da execução, o que representa uma forma de comunicar a resolução do contrato.
30.6. CAMINHOS OFERECIDOS AO CREDOR FRENTE AO INADIMPLEMENTO
Verificado o inadimplemento, não apenas a resolução oferece-se ao credor. Esta, sem dúvida, constitui a via comum e normal para recompor a sua posição, que é retornar à situação anterior, ou que existia antes do contrato. Ninguém aceita que perdure um contrato se o mesmo está sendo descumprido. Ingressa-se com o pedido para resolver, ou desfazer o negócio, de modo a conseguir a restituição do bem que foi entregue antes.
No entanto, considera-se a resolução uma faculdade da pessoa que não recebeu a prestação prometida. Não se apresenta como uma consequência cogente ou necessária. A resolução é apenas uma alternativa, como deixa entrever José Mélich-Orsini: “Cuando el deudor por su culpa ha hecho ya imposible el cumplimiento en especie de la obligación a cargo suyo, es en efecto lógico que, dentro de los principios enunciados, se le conceda a su acreedor no solo la acción para pedir el llamado ‘cumplimiento por equivalente’ (los daños y perjuicios compensatorios), sino también la acción de resolución del contrato que le preserva contra el riesgo de que, no pudiendo él obtener ya la conducta que le había prometido su deudor, en la eventualidad de que este resulte todavía insolvente, vaya a perder también lo que él mismo había dado o se había obligado a dar”.11 Pode postular o credor a execução da prestação, de modo que venha a ser satisfeita, ou permite-se que peça o ressarcimento, isto é, a indenização pelas perdas e danos decorrentes do não cumprimento. Bem-postas esta e outras alternativas por Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
“Pode promover a ação de cumprimento, para obter a prestação específica convencionada, mais as perdas e danos decorrentes da violação contratual; propor a ação de adimplemento, para receber o equivalente, se impossibilitada a prestação específica, com perdas e danos (art. 879); ou resolver a obrigação, através do exercício do seu direito formativo, extrajudicialmente, nos casos permitidos em lei, ou pela via judicial, como é a regra prevista no sistema para os contratos bilaterais; manter o contrato, reduzindo o preço, com perdas e danos (art. 867), ou sem elas (art. 866); receber a coisa restituída, com ou sem direito à indenização (art. 871); ou mandar executar ou desfazer, à custa do devedor (arts. 881 e 883). Poderá também aguardar a iniciativa da contraparte, retendo a sua prestação (art. 1.092)”.12 Os referidos artigos 879, 867, 866, 871, 881, 883 e 1.092 equivalem, respectivamente, aos arts. 248, 236, 235, 240, 249, 251 e 476 do atual Código Civil.
A falta de pagamento, na locação, desencadeia, normalmente, a resolução do contrato, por meio da ação de despejo, como decorre do art. 9º, inciso III, da Lei nº 8.245, de 1991. Todavia, não se proíbe que o locador ajuíze simplesmente a ação de cobrança, optando por manter o contrato. Assim também em alguns contratos especiais, como na venda com reserva de domínio, na alienação fiduciária, no arrendamento mercantil, optando a parte inadimplida por manter o contrato, e cobrar simplesmente as quantias devidas. A opção entre a ação de cumprimento e de resolução restringe-se ao credor. Não se permite que o devedor se oponha à hipótese escolhida, e exija o exercício de outra viabilidade, até porque seria abrir ensanchas para protelações estéreis, como quando não apresenta segurança para a execução da dívida.
De outro lado, não se pense que a resolução por falta de cumprimento impede o ressarcimento pelas perdas e danos. Uma vez inadimplido o contrato, e decorrendo prejuízos ao credor, perfeitamente viável a ação de resolução com a de cobrança do valor devido a título de prejuízos. Assegura-se que ingresse com a resolução subsidiariamente ao pedido de cumprimento, ou como alternativa para o caso de não logrado êxito no cumprimento, por representar maior importância a execução da obrigação.
30.7. CUMPRIMENTO IMPERFEITO E A RESOLUÇÃO
Situação das mais intrincadas tem se apresentado quando cumprida em parte, ou razoavelmente, a prestação. A matéria já foi lembrada em Capítulo anterior. Não se cuida tanto do adimplemento parcial, ou em parte, no sentido de abranger a quantidade, e sim a qualidade, ou a perfeição. O art. 394 Código Civil tem como completo o pagamento quando efetuado no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. Já o art. 389 assinala para as perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado, se não cumprida a obrigação.
Karl Larenz orienta como se realizará a prestação: “El deudor no sólo está obligado simplemente a cumplir la prestación, sino que ha de realizarlo diligentemente, es decir, como cabe esperar de un ‘ordenado’ comerciante, artesano, empresario o comisionista de transportes, etc. Pero si la cumple de modo negligente y su descuido origina daños adicionales o suplementarios al acreedor (prescindiendo de que de esa forma puede o no plenamente satisfecho su interés en la prestación) el deudor responderá igualmente de ellos. Su prestación no se torna así imposible, ya que es realizable, y el daño producido no se debe al retraso en el cumplimiento, pues si así fuera bastarían los preceptos sobre la mora para su regulación”.13
Depreende-se, da explanação acima, a consequência, que é indenizar os danos pelo cumprimento insatisfatório, ou ruim, ou deficitário.
Araken de Assis concebe a indenização se aceita a prestação embora insuficiente: “Logo exsurge curial que, porventura aceita a prestação, embora deficitária, a controvérsia ulterior limitar-se-á à perquirição do dano e da sua indenizabilidade. Neste sentido, incensurável se mostra o aresto da 6ª Câmara Cível do TJ-RS, repelindo o desfazimento de contrato, porque o fornecedor de certo equipamento faltou à prestação de assistência técnica, já extintas, no demais, as obrigações recíprocas, e remeteu o queixoso ao pleito autônomo de perdas e danos (6ª Câm. Cív. TJ-RS, 21.04.87, JCCTJRS, v. 2, t. 7, pp. 274-281)”.14
No REsp nº 191.802/SP, da Quarta Turma, j. em 02.02.1999, p. no DJU de 28.02.2000, o então Min. Ruy Rosado de Aguiar bem sintetizou esse rumo de solução:
“O cumprimento imperfeito do contrato de construção, atrasando a proprietária da obra o pagamento de algumas prestações, pode não caracterizar causa suficiente para a extinção do contrato, considerada a grandiosidade do empreendimento e o valor das prestações, cabendo apenas indenização pelo dano daí decorrente. Atraso na execução do cronograma e paralisação indevida da obra, razões consideradas suficientes para extinção do contrato a pedido da proprietária.
Ação proposta pela contratada julgada parcialmente procedente, para ser indenizada pelos atrasos, e procedência parcial da reconvenção oferecida pela contratante, com resolução do contrato por culpa da construtora.
Compensação judicial. Possibilidade”.
Unicamente se inútil a prestação viabiliza-se a solução resolutória. Não se a satisfação não foi plena, na qualidade combinada, mas trouxe alguma utilidade. Consoante antevia Pontes de Miranda, “basta que o adimplemento ruim seja tal que se cancele o interesse do credor em torná-lo bom, ou que retire poder confiar-se no adimplemento posterior”.15 Por outras palavras, não serve para o credor, não atende seus interesses, não preenche a lacuna da necessidade. Vem em abono a esta exegese o parágrafo único do art. 395, apesar de restritamente à mora: “Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.
Também Mário Júlio de Almeida Costa segue esta trilha, já entrando na pouca importância da prestação faltante,16 a qual é vista no lado quantitativo e no qualitativo. Cumprida uma obrigação de fazer, mede-se a utilidade, ou se trouxe algum resultado, ou se algo pode ser aproveitado.
Assume relevância a matéria se apenas obrigações acessórias ficaram para trás, ou não realizadas, ou algumas parcelas frente ao total que era para atender. Aqui se está diante da incumprimento mínimo, longamente ressaltado por Ruy Rosado Aguiar Júnior,17 ilustrando com o exame da legislação comparada, como o art. 1.455 do Código Civil italiano: “O contrato não pode ser resolvido se a inexecução de uma das partes tiver escassa importância, levando em consideração o interesse da outra”. Totalmente injusto resolver-se uma promessa de compra e venda por ficarem sem pagamento algumas prestações de um grande número, ou admitir-se a execução hipotecária, com a adjudicação do bem, num contrato de financiamento da casa própria, também pelo não pagamento de algumas parcelas. Assim em qualquer negócio especialmente de compra e venda.
Inclusive no arrendamento mercantil o STJ tem aplicado a teoria, se poucas prestações faltarem para o adimplemento total:
“1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual ‘[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos’.
2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: ‘31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido’. O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença.
4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título”.18
30.8. DEFESAS DO INADIMPLENTE
Pode não interessar à parte obrigada a resolução; é possível que se lhe ofereçam não propriamente evasivas, mas motivações suficientes que levem a manter o negócio, ou a resolvê-lo, mas sem as perdas e danos. Na maioria das vezes, o inadimplemento não se caracteriza propriamente como um inadimplemento, mas advém de fatores não afetos à vontade das partes, segundo colocação de Maria Helena Diniz: “A total inexecução contratual pode advir, algumas vezes, de fatos alheios à vontade dos contratantes, que impossibilitam o cumprimento da obrigação que incumbe a um deles, operando-se de pleno direito, então, a resolução do contrato, sem ressarcimento das perdas e danos, por ser esta uma sanção aplicada a quem agiu culposamente, e sem intervenção judicial, exonerando-se o devedor do liame obrigacional”.19
Em primeiro lugar, sempre quando não verificada a culpa, afasta-se a indenização por perdas e danos, o que é importante para o devedor. Revela-se decisivo o ensinamento de Carvalho Santos, que se mantém atual: “O inadimplemento do contrato, por parte de um dos contratantes, dá ao outro o direito de promover em juízo a sua rescisão. Bem entendido: se o inadimplemento for culposo, pois, de outra forma, se a prestação se tornou impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação, não havendo perdas e danos a reclamar”.20
Possível estabelecer alguns elementos para ensejar a resolução com perdas e danos, ou a resolução culposa: o inadimplemento do contrato, a verificação de culpa daquele que não cumpre, e a decorrência de prejuízos. Uma vez não verificados, há a simples resolução, ou o retorno à situação anterior, com a restituição do que recebeu cada parte.
Como primeiro passo, e constitui o lugar comum, é alegável a exceção do não cumprimento pela outra parte, isto é, a exceptio non adimpleti contractus. Incumbia, antes, ao credor cumprir, como está convencionado. E a falta de cumprimento foi causada pela mora do credor, que se recusou ao recebimento da prestação. São duas as defesas, sob a mesma exceção. Mas não representa este meio um caminho para afastar o direito do credor em receber o seu crédito. Daí parece normal lançar o veredicto de o réu cumprir tão logo tenha o credor satisfeito a sua obrigação. Na verdade, nem se garante o direito de o credor buscar algo se está em mora quanto à sua obrigação. Nesta parte, conveniente seguir a orientação da seguinte ementa: “A exceptio non adimpleti contractus só pode ser alegada com propriedade quando as prestações são contemporâneas (trait pour trait). Quando as prestações são sucessivas, não é lícito invocá-la, em seu prol, a parte a quem incumbia dar o primeiro passo”.21 Acontece que, justificam Colin e Capitant, “si los contratantes no han determinado la orden de cumplimiento de sus obligaciones, este cumplimiento debe ser recíproco y simultáneo”.22
Frequente também alegar a impossibilidade, verificável em vários ângulos. Sustenta-se a nulidade, com amparo nos casos do art. 166 Código Civil. A título de demonstração: compra de um bem que já pertence ao adquirente, ou um negócio envolvendo um objeto proibido. Mário Júlio de Almeida Costa fala na impossibilidade legal ou jurídica, que se afigura “quando a prestação debitória consiste em algo que a lei de todo obstaculiza a que se produza designadamente a celebração de um negócio proibido e considerado nulo caso se realize. Exemplifique-se com o contrato através do qual uma pessoa se obriga a vender uma coisa do domínio público..., ou a vender uma coisa imóvel por simples escrito particular”.23
Em estudo anterior, foram apresentadas as causas que isentam das perdas e danos, ou que justificam o inadimplemento, ou inexecução, nome este que imperava no Código anterior. Assim o caso fortuito ou força maior, a teoria da imprevisão ou da rebus sic stantibus, a quebra da base objetiva vigorante quando do contrato, a lesão enorme, o estado de perigo, a onerosidade excessiva. Há também os vícios de consentimento, no elenco do art. 171.
Toda série de justificações admite-se, desde que combine cada uma com a verdade e a lei. Assim, acontece com a existência de condição suspensiva, o cumprimento integral já verificado, o adimplemento substancial, a impossibilidade temporária, a mora antecedente do credor, a prescrição. Acrescenta Antônio Chaves: “Mas a verdade é que numerosas causas ou circunstâncias podem incidir sobre o cumprimento das obrigações avençadas, desviando-as do seu cumprimento normal: acontecimentos alheios à vontade dos contratantes, e imprevisíveis, como a incapacidade superveniente, a falência, a morte de um dos contratantes, ou decorrentes de seu próprio assentimento mútuo em desfazer o combinado, ou ainda em decorrência de uma expressa disposição de lei etc.”24
Se ambas as partes encontram-se inadimplentes, faltando ao mesmo tempo com a obrigação, levando a verificar-se a mora simultânea, o mais correto é decretar-se a resolução do contrato por culpa de ambas, e não concedendo as perdas e danos. Nestas circunstâncias, eliminam-se ambas as moras. Em princípio, porém, não cabe olvidar o exame do inadimplemento quantitativo, ou da maior carga da inadimplência, com repercussão nas perdas e danos. Apenas aquele a quem se tornou inútil a prestação está autorizado a pedir a dissolução da relação contratual. De outro lado, ainda quanto à mora simultânea, àquele a quem se exige o cumprimento em primeiro lugar, não se garante o direito de pedir a resolução por incumprimento do outro. Entendimento que se encontra na jurisprudência: “O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isto mesmo, nenhuma delas, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A ideia predominante aqui é a da interdependência das prestações. Assim, havendo rescisão tácita do contrato firmado, aquele que adiantou serviços e despesas pode perfeitamente postular indenização por perdas e danos, considerado o disposto no art. 1.092, parágrafo único, do CC”.25 Corresponde o parágrafo único do art. 1.099 ao art. 475 do vigente diploma civil.
30.9. EFEITOS DA RESOLUÇÃO
Verificado o inadimplemento, e operando-se a resolução, alguns efeitos emergem. As partes retornam à situação anterior, como se não tivesse existido o contrato. É desfeita a relação contratual. Na compra e venda, volta o bem para o vendedor. Ficam os contratantes, ainda, liberados ou desonerados das prestações pendentes. Extingue-se a obrigação, devendo ser restituídas as prestações já efetivadas. Estes os efeitos primordiais. Existem outros, quanto ao alcance da resolução.
A extinção do contrato se opera retroativamente, ou desde o momento inicial, se cumprido em um único momento. As consequências jurídicas que se formaram ficam extintas, ou desaparecem. Na falta de pagamento, a resolução remonta ao início. Restituem-se as prestações recebidas. Devolve-se o bem objeto da avença. Há o efeito ex tunc, como numa compra e venda, retornando a propriedade ao primitivo dono. Dá-se o retorno como se nunca tivesse existindo o contrato, ou seja, de forma integral, com todos os acessórios, com os frutos e rendimentos, incidindo as perdas e danos no caso de deteriorações ou perecimento. Reconstitui-se ou reimplanta-se o statu quo ante.
Todavia, nos contratos com pagamento continuado, o atraso não importa sempre em se restituir as prestações, passando o efeito a revelar-se ex nunc, ou a partir da resolução, sem repercutir para o passado. Em vários contratos inicia o efeito a contar deste momento, como na locação, no arrendamento mercantil, no próprio arrendamento rural. Consuma-se a resolução em vista do inadimplemento, levando a posse à condição de precária.
Quanto aos terceiros, ficam resguardados se adquiriram os direitos ou os bens entre o negócio e a resolução. Uma vez envolvida numa compra e venda a propriedade, e esta, depois, é transferida para terceiro, não se desconstitui. Respeita-se o direito de terceiro. Ilustra Ruy Rosado Aguiar Júnior: “A alienação de bem móvel, anterior à restituição, feita por quem recebera a coisa em cumprimento da obrigação, é válida e eficaz, ficando o terceiro subadquirente protegido contra a resolução. Ao consumidor que compra vestuário ou eletrodoméstico nas lojas de departamentos, não interessa saber se a mercadoria está paga ou pende ação de resolução”.26
Haveria alguma dificuldade frente ao art. 1.359, nestes termos: “Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha”. Entrementes, para que tal ocorra, isto é, a resolução dos direitos reais concedidos ou transferidos durante a pendência do contrato, impende que seu adquirente tenha tido conhecimento da cláusula resolutiva, ou que, pelo menos, constasse cláusula prevendo a condição de resolução. Sem a previsão relativamente ao subadquirente, tem incidência o art. 1.360, onde se consagra a consolidação da propriedade ao terceiro.
Um outro efeito consiste na indenização, ou no ressarcimento em vista das perdas e danos, decorrência normal que flui do art. 475, ensinando Maria Helena Diniz, em lição que acompanha o direito atual: “Sujeita o inadimplemento ao ressarcimento das perdas e danos, abrangendo o dano emergente e o lucro cessante; assim, o lesado pelo inadimplemento culposo da obrigação poderá exigir indenização pelos prejuízos causados, cumulativamente com a resolução. Se os contraentes convencionaram cláusula penal para a hipótese de total descumprimento da obrigação, esta se converterá em alternativa a benefício do credor. Se, no entanto, for estipulada para o caso de mora, o credor terá o direito de exigir a satisfação da pena cominada, justamente com o adimplemento da obrigação principal”.27 Resta claro que circunscreve-se esta consequência à resolução voluntária, sem abranger a involuntária, ou aquela onde há a impossibilidade de cumprimento por fatos alheios à vontade. Restringe-se a resolução a compelir o contratante a restituir aquilo que recebeu.
30.10. RESOLUÇÃO BILATERAL E UNILATERAL
Procura-se distinguir, aqui, a resolução de comum acordo entre ambas as partes, e aquela permitida por um dos contratantes.
Na primeira, existe o mútuo consenso, ou a deliberação de ambos os contraentes. Trata-se do distrato, que se confunde com um contrato, verificada a presença da vontade dos contratantes na resolução daquilo que haviam estabelecido antes. Retorna-se à situação anterior ao que foi estabelecido. Tem-se um contrato jurídico, bilateral, consensual, sinalagmático, comutativo, e assim com outras características comuns a todos os contratos bilaterais, objetivando a extinção de outro contrato, ou desconstituir aquilo que havia sido convencionado. Daí dois requisitos fundamentais: a existência de anterior contrato, ou estipulação de vontades, e uma nova formulação de vontades, dirigida para extinguir o anterior contrato. Resta evidente a função liberatória. E se há esta função, é porque ainda perduram obrigações. Portanto, o distrato é cabível quando ainda perdura o anterior consenso exteriorizado numa relação. A partir de sua formalização é que passa a vigorar. Os anteriores efeitos perduram e consideram-se válidos. Sua eficácia será ex nunc, máxime no tocante aos direitos de terceiros.
A previsão está no art. 472: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.
Aduz-se, no que difere substancialmente da resolução, que o distrato não tem a largueza da resolução, esta considerada o caminho para a desconstituição de qualquer relação ante o simples incumprimento de suas cláusulas, enquanto aquele não prescinde do consenso de ambas as partes, e nem sempre tendo como pressuposto o inadimplemento.
Por último, pode-se convir que todo o contrato resolvido por mútuo consentimento corresponde ao distrato.
Há, também, a resolução unilateral. Não no sentido de que apenas uma das partes resolve descumprir o contrato, isto é, unilateralmente, ou prescindindo do consenso da outra parte, mas na compreensão de se restringir aos contratos unilaterais. Conforme já observado, há contratos unilaterais, quando, nos efeitos, unicamente a um dos contraentes atinge a obrigação. Assim na doação pura e simples, no comodato, no mandato, no depósito. Nesses contratos, exceto quanto à doação modal ou por ingratidão, basta a simples declaração de vontade de uma das partes para a dissolução. Realmente, como no caso do mandato, não se vislumbram exigências para a resolução. Nem quanto ao depósito, a menos que tenham sido assumidas obrigações mútuas, e inclusive um determinado prazo. Igualmente nos contratos de execução contínua, como os de fornecimento de mercadorias, ou o de comodato sem prazo, o de locação prorrogado por prazo indeterminado. Para a resolução, requer-se unicamente uma comunicação, dando ciência de um prazo findo o qual se encerra a relação. Esta comunicação constitui a denúncia, que se revela num mero aviso de não continuar o contrato, ou de encerrar-se uma relação que antes vigorava. Confunde-se na revogação unilateral, que é a extinção de um ato de vontade que estabelecia obrigações unilaterais, ou sem a correspondente contraprestação. Presente a contraprestação, a revogação confunde-se com o distrato, posto que necessário o mútuo consenso.
30.11. CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
Por esta cláusula, já vem prevista no contrato a plena resolução no caso de inadimplemento, sem necessidade de prévia interpelação constitutiva da mora. Uma vez verificada a inadimplência, dá-se de pleno direito o vencimento, ou a resolução do contrato. Diga-se, de início, a possibilidade da inserção em contratos de execução diferida, ou a prazo, nos quais se realiza o pagamento através de prestações. Mais apropriadamente, nas avenças de cumprimento não imediato. Às vezes, a própria lei contempla hipóteses de resolução expressa. Aqui, porém, restringe-se o estudo à previsão feita pelas partes da resolução diante do não cumprimento, encontrando apoio no art. 397 Código Civil. Trata-se, no dizer de José Mélich-Orsini, da situação em que “el acreedor de la obligación incumplida pueda fundar su pretensión en un derecho potestativo que se hubiere reservado en el mismo contrato de cuya resolución se trate”.28
Distinta é a cláusula resolutiva tácita, quando nada prevê o contrato sobre a resolução, e dependente sempre da interpelação constitutiva da mora. Verifica-se quando a parte deixa de cumprir o contrato. Todavia, está inserida no art. 475, pois assinala para a resolução qualquer hipótese de incumprimento, anotando Maria Helena Diniz que a mesma (condição resolutiva tácita) “está subentendida em todos os contratos bilaterais ou sinalagmáticos, para o caso em que um dos contraentes não cumpra a sua obrigação”.29 É que em todos os contratos implícita ou tacitamente os contratantes deixam entender que o incumprimento pode levar à resolução. De modo que não é necessário que venha prevista a cláusula de resolução, conforme se depreende deste julgado: “Ainda que inexistente, no contrato, cláusula resolutiva expressa em favor do compromitente-comprador, isso não obsta o ajuizamento direto da ação rescisória, porque ínsita a todo pacto bilateral a cláusula resolutiva tácita. E a cláusula contratual de irrevogabilidade, como natural, diz respeito a arrependimento ou desistência, não à faculdade de requerimento de rescisão por falta contratual da parte contrária, assegurada no art. 1.092, parágrafo único, do CC”.30 O art. 1.092, parágrafo único, retro apontado, equivale ao art. 475 do vigente diploma civil.
O art. 474 da lei substantiva contempla as duas cláusulas: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
A cláusula resolutiva expressa assemelha-se com a cláusula de arrependimento, pela qual é permitido, a qualquer tempo, nos contratos que se completam no futuro, enquanto não concluídos, o desfazimento da relação mediante a mera manifestação de uma das partes contrariamente ao seu prosseguimento. Cuidava o Código Civil de 1916 da espécie no art. 1.088, sendo que não veio contemplada no Código Civil de 2002: “Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097”. A diferença estava em que a previsão de arrependimento não dependia da mora. Suficiente que se expressasse a vontade da parte para o arrependimento. Na estipulação resolutória, admitida pelo vigente Código, ao contrário, impera a obrigatoriedade do incumprimento ou da mora. Pela simples inadimplência insere-se a automática resolução. Na maior parte dos contratos insere-se esta previsibilidade.
Presentemente, dado o avanço do direito e o realce do caráter social que vai dominando, ambas as modalidades perderam força.
Quanto à possibilidade de arrependimento, desde há tempo não mais prepondera se iniciado o cumprimento. Pontes de Miranda bem representava a inteligência que passou a dominar: “O direito de arrependimento supõe contrato em que não houve começo de pagamento. Porque, tendo havido começo de pagamento, nenhum dos contratantes tem direito de se arrepender, pela contradição que se estabeleceria entre firmeza e infirmeza de contrato”.31 Mesmo havendo arras, mas já iniciado o pagamento, não é permitido o arrependimento, segundo já acrescentava o mestre: “Se as arras constituem começo de pagamento, não há arras propriamente ditas, não há arras a serem devolvidas. A restituição do que foi recebido, em começo de pagamento, teria outra causa, e. g., condição ou termo resolutivo...”.32 Iniciado o pagamento, o avençado há de ser cumprido, pois o sinal integra a obrigação.
Relativamente à cláusula resolutória, embora não drástica na dimensão daquela que assinala o arrependimento, realiza-se com a previsão, em um dos itens do contrato, que o atraso de parcelas acarretará a plena resolução, com as mais diversas consequências. Em geral, acerta-se que desconstitui o negócio o atraso em três ou mais prestações. Não que seja proibida, ou se coloque algum óbice à sua previsão, desde que dentro dos limites do direito.
Ocorre que, na sua grande maioria, as figuras contratuais especiais preveem a constituição antecedente da mora. Não importa que venha prevista a decorrência do incumprimento. Depende sempre da prévia interpelação, ou de outro ato constitutivo da mora. Nas promessas de compra e venda de imóveis loteados, o art. 32 e seus parágrafos da Lei nº 6.766, de 1979, constando ou não a resolução, não se dispensa a intimação para saldar as prestações em atraso no prazo de trinta dias. Nas promessas do mesmo tipo, mas de imóveis não loteados, igualmente interpela-se, concedendo-se o prazo de quinze dias para colocar-se em dia, na forma do Decreto-Lei nº 745/1969, com as alterações da Lei nº 13.096/2015. Embora o só fato da mora resolva o contrato, considera-se o ocupante do imóvel esbulhador, assinala Adroaldo Furtado Fabrício, “desde que notificado na forma do Decreto-Lei nº 745, de 1969, segundo julgou a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em 20 de agosto de 1977, in Rev. Trim. de Jurispr., nº 83, p. 401”. No sentido de que a citação substitui a notificação, com a oportunidade de saldar o valor devido no prazo de defesa, segue o autor: “Aliás, ganha cada vez mais corpo a tese segundo a qual a própria interpelação prévia é substituível pela citação e, portanto, dispensável, como julgou a mesma 2ª Turma recentemente (in Diário da Justiça da União, de 16.10.1978, p. 8.021)”.33
Na alienação fiduciária, é indispensável o protesto ou aviso (Decreto-Lei nº 911, de 1969). E assim constava na venda com reserva de domínio (art. 1.071 do CPC/1973, dispositivo que não foi reproduzido no CPC/2015), no arrendamento mercantil (por construção jurisprudencial), dentre outros casos.
A resolução expressa decorre da mora ex re, pela qual se dá a mora pelo simples vencimento do termo previsto no contrato. No entanto, mais para efeitos da incidência de juros, e para fins de permitir a interpelação constitutiva.
No caso do arrendamento mercantil, existe a Súmula nº 369 do STJ: “No contrato de arrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora”.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), contém regra específica a respeito, no § 2º do 54: “Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior”. Ou seja, desde que prevista a possibilidade de escolher a parte em mora uma alternativa diferente que a resolução, como o pagamento. Assinala a jurisprudência: “No contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, é nula a cláusula que permite ao credor fiduciário considerar unilateralmente rescindido o contrato em caso de mora do devedor fiduciante, pois este tem sempre o direito de purgar a mora, independentemente de ter pagado 40% ou menos do valor financiado, pois tal cláusula, mesmo que embasada nos termos do Decreto-Lei nº 911/69, esbarra na vedação do art. 54, § 2º, do CDC”.34
No entanto, há casos em que o inadimplemento não tem outra solução senão resolver o negócio. A omissão em cumprir permite a medida extrema de desfazer a relação. Assim o contrato de transporte, ou de confecção de uma obra. São aqueles contratos em que as leis não impõem a notificação antecedente; os que o adimplemento não se prolonga, como nas promessas; as avenças de prestação de serviços ou de entrega de uma coisa; os de confecção de obras. “Uma vez estipulado, no contrato, o dia certo do vencimento da obrigação, e não cumprida esta, caracterizada está a mora do devedor, conforme o art. 960 do Código Civil”.35 O art. 960 referido corresponde ao art. 397 da lei civil em vigor.
30.12. CLÁUSULA DE DECAIMENTO
Não raramente, acompanha a cláusula resolutória expressa a cláusula de decaimento, prevendo a perda pura e simples das parcelas entregues. Pontes de Miranda já a combatia, coimando-a de nula, vez que a perda completa das prestações pagas pode consistir em infração ao limite que a lei marcou para a cláusula penal convencional, constando, no art. 412 do Código Civil, proibição para que ela ultrapasse a obrigação principal inserida no ajuste.36 Em imóveis loteados, na previsão do art. 35 da Lei nº 6.766, de 1979, é obrigatória a restituição do montante pago, desde que as prestações satisfeitas atingiram um terço ou mais do preço total. Da importância recebida, permite-se unicamente o desconto da multa de 10%, se os atrasos ultrapassaram a três meses. Princípio aplicável, por analogia e em consonância com o art. 413, aos imóveis não loteados.
O Código de Defesa do Consumidor, no art. 53, além de em outros dispositivos, é categórico em estabelecer a nulidade. Dispõe o citado cânone: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis, mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabelecem a perda total das prestações pagas em benefício do credor e que, em razão do inadimplemento, pleiteia a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.
Como se observa, a própria norma do Código de Defesa do Consumidor aproxima o regime dos contratos de consórcio e das promessas de compra e venda de imóveis, no que se refere à abusividade de referidas cláusulas.
A norma geral do art. 51, IV, do mesmo Código de Defesa do Consumidor esclarece o motivo de tal nulidade e da reação negativa do direito. Considera abusivas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
O § 1º do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor fornece ajuda para que se verifique, no caso concreto, o exagero da desvantagem.
Efetivamente, a cláusula de decaimento assegura uma vantagem exagerada a uma das partes. Condena o contratante que rescinde o contrato, com causa ou sem causa, não a suportar os prejuízos que eventualmente causou, mas simplesmente condenao à perda total, a renunciar a todas as expectativas legítimas ligadas ao contrato, assegurando ao outro contratante o direito de receber duas vezes pelo mesmo fato. Ponderou o STJ sobre o assunto:
“O direito à devolução das prestações pagas decorre da força integrativa do princípio geral de direito privado ‘favor debitoris’ (corolário, no Direito das Obrigações, do ‘favor libertatis’).
O promissário-comprador inadimplente que não usufrui do imóvel tem legitimidade ativa ‘ad causam’ para postular nulidade da cláusula que estabelece o decaimento de metade das prestações pagas.
A devolução das prestações pagas, mediante retenção de 30% (trinta por cento) do valor pago pela promissária-compradora, objetiva evitar o enriquecimento sem causa do vendedor, bem como o reembolso das despesas do negócio e a indenização pela rescisão contratual.
Recurso especial a que se dá provimento”.37
30.13. MODOS DE RESOLUÇÃO
Há o modo extrajudicial e o judicial. Mas não se dispensando, na maioria das vezes, de se ingressar em juízo em quaisquer dos modos.
Por extrajudicial entende-se quando prevista alguma conduta para resolver o contrato, sem qualquer ato formador da mora de parte do credor, e tal ocorrendo no pacto comissório, ou com alguma medida anterior, mas, em ambos os casos, sem o ingresso em juízo; ou quando exigida determinada medida antes do ajuizamento para dissolver a relação. De modo geral, no entanto, o direito vai afirmando cada vez mais a necessidade de se providenciar a comunicação da vontade de resolver, assegurando ao descumpridor um prazo para colocar-se em dia a obrigação, em todas as situações. Tal ato infunde certeza do propósito de resolução. Do contrário, até não receber a comunicação, observam Planiol e Ripert, “al deudor... podrá haber creído que éste no necesitada el cumplimiento inmediato, aún cuando se hubiese pactado un plazo para ello. Su silencio equivale, a este respecto, a la prórroga tácita del plazo”.38
Nas promessas de compra e venda de imóveis loteados, o art. 32 e seus parágrafos da Lei nº 6.766, de 1979, preveem que fica resilido o contrato trinta dias depois de constituído em mora o devedor. Lavra-se o cancelamento no registro imobiliário. Nas incorporações imobiliárias, regidas pela Lei nº 4.591, de 1964, de igual modo, seu art. 63 estabelece a permissão para incluir no contrato cláusula que, por falta de pagamento de três ou mais prestações, implique na resilição do contrato, se não feito o pagamento no prazo de dez dias contado da intimação. Não se submete o cancelamento à decisão do juiz.
Já quando é necessária a intervenção judicial para a resolução, antecedendo primeiramente a interpelação ou notificação constitutiva da mora, a lei também é expressa, consignando as hipóteses. Veja-se, a respeito, quanto aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados, impondo o Decreto-Lei nº 745/1969, alterado pela Lei nº 13.097/2015, a antecedente notificação. Uma vez levada a termo, e passado o prazo para a purgação, não se prescinde da competente ação judicial para fins de resolução. Na alienação fiduciária, na venda com reserva de domínio, há necessidade expressa de aviso ou interpelação, dentre outras hipóteses. Todavia, depois de consumada a medida, é imprescindível o ingresso com a ação resolutória cabível. Em suma, embora o ato posterior de solução judicial, é indispensável uma medida antecedente. E considera-se extrajudicial pela razão de que não se revela estritamente necessário o ingresso com uma ação em juízo. Ocorre que a parte inadimplente pode concordar com o ato notificatório, e devolver espontaneamente o bem. O que constitui razão para desfazer o contrato é o ato do inadimplemento, revelado na mora, e comprovado pela interpelação sem o correspondente pagamento. A intervenção judicial não é para declarar a resolução, posto que tal verifica-se com o decurso do prazo concedido na notificação.
Como judicial classifica-se a resolução sempre que se fundar no art. 475 do Código Civil. Não basta a mera notificação. Prevista a mora, e consignada no contrato quando se verifica, ingressa-se em juízo. De certa forma, abrange a resolução antecedida pela providência da notificação ou interpelação. E mesmo que acompanhada de tal ato, impõe-se a prova de determinada conduta de incumprimento, não consistente apenas na mora, mas também no adimplemento ruim, imperfeito ou imprestável. Deve-se obter uma declaração sentencial, afirmando o inadimplemento. Na ação, é atribuída à parte alguma conduta que vulnera o contrato. Precisa-se da manifestação judicial não apenas para declarar a ofensa, mas também para a sua afirmação, com a verificação da ocorrência ou não. Diferencia-se da simples resolução extrajudicial precedida da interpelação porque vai além da mora, envolvendo outras modalidades de ofensa ao contrato.
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