32.1. DECORRÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO
Foi longamente estudado o inadimplemento das obrigações, com realces nas decorrências que advêm e os caminhos que são assegurados ao credor.
Firma-se a obrigação para durar temporariamente. Tem a mesma um início e está destinada a durar até certo período de tempo. O normal é que transcorra normalmente, atingindo sua finalidade, que é a realização da prestação nela inserida, e operando-se a sua execução, com o que fica extinta. Tem-se, aí, a extinção eficaz da obrigação.
No entanto, várias obrigações não são cumpridas ou não chegam ao seu final nos termos convencionados ou adequados. E isto por múltiplas causas, numa primeira divisão consideradas em imputáveis e em inimputáveis ao devedor. Ou seja, o incumprimento decorre de culpa ou ausência de culpa do obrigado. Naquela modalidade, incorreu o devedor para a inadimplência; na segunda, em geral surge um fator externo, como o caso fortuito ou força maior, a morte do devedor, o perecimento da coisa. Tal a gama, sem olvidar a falta de realização plena por culpa do próprio credor, quando nasce contaminada de vício de consentimento o vínculo, ou minada de nulidade absoluta, como na inexistência do bem contratado.
Do não cumprimento surgem consequências, e assim a indenização, a resolução, ou a extinção pura e simples da obrigação. Vêm discriminadas com perfeição as decorrências por Mário Júlio de Almeida Costa: “Como se salientou, as várias causas do não cumprimento produzem diferentes consequências jurídicas: enquanto que umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras constituem o devedor em responsabilidade indenizatória e conduzem à realização coativa da prestação; e outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do devedor, podendo até verificar-se um direito de indenização deste contra o credor”.1
Nos arts. 389 a 393 do Código Civil foram estudadas as consequências, abrangidas dentre elas a própria resolução, porquanto advém esta do incumprimento. Ficou visto que a falta de cumprimento por culpa do devedor importa a indenização por perdas e danos. Recai no devedor a responsabilidade pelo ressarcimento, sendo este o montante da utilidade que deixou de receber o credor. Ou equivale à reposição patrimonial do desfalque resultante, ou à utilidade que não lhe foi oportunizado usufruir.
Entra-se, pois, no estudo das perdas e danos. A meta do presente capítulo é definir e estabelecer as perdas e danos, com a finalidade de recompor o desfalque havido com o inadimplemento. As perdas e danos, porém, provenientes da culpa na inadimplência das obrigações, e que têm como causa um erro de conduta, ou uma conduta contrária à que consta na relação contratual prevista na vinculação das vontades e na lei; a ofensa a um bem jurídico, ou ao patrimônio; e a relação de causalidade entre o incumprimento, ou a ilicitude, e o dano resultante, ou seja, o dano que é efeito do descumprimento da obrigação. Em síntese, é necessário que o incumprimento culposo tenha causado um prejuízo a alguém. Tais os pressupostos que desencadeiam o direito às perdas e danos. Uma vez verificados, conclui Caio Mário da Silva Pereira, “arma-se uma equação, em que se põe o montante da indenização como correlato do bem lesado”.2
32.2. CONCEITO
No caso de inadimplência, ou inexecução, consoante vinha no Código de 1916, das obrigações, e sobretudo isso se objetiva com o presente capítulo, pois não se visa um estudo sistematizado do dano, como tantos fizeram, o dano se conceitua como o prejuízo sofrido pelo lesado diante do incumprimento das obrigações. Arnaldo Marmitt, em obra sobre o assunto que pode ser considerada senão a melhor a mais útil e prática, apresenta um conceito bem claro: “A expressão perdas e danos indica a soma de prejuízos a serem satisfeitos por quem os causou a outrem, ou seja, o responsável pelo ato ou fato ensejador dos danos”.3 Em seguida adverte que a expressão perdas e danos representa uma só coisa, que é os prejuízos sofridos por alguém. De sorte que procede a denominação única de dano.
Maria Helena Diniz, com a didática que lhe é própria, assim define: “O dano vem a ser a efetiva diminuição do patrimônio do credor ao tempo em que ocorreu o inadimplemento da obrigação, consistindo na diferença entre o valor atual desse patrimônio e aquele que teria se a relação obrigacional fosse exatamente cumprida. É, portanto, a diferença entre a situação patrimonial atual, provocada pelo descumprimento da obrigação, e a situação em que o credor se encontraria, se não tivesse havido esse fato lesivo”.4
Não apenas quanto ao incumprimento existem as perdas e danos. Sobretudo aparecem nas ofensas à lei, na generalidade dos atos ilícitos. De Cupis foi claro: “No significa más que nocimiento o perjuicio, es decir, aminoración o alteración de una situación favorable. Las fuerzas de la naturaleza, actuadas por el hombre, al par que pueden crear o incrementar una situación favorable, pueden también destruirla o limitarla”,5 e, por isso, em princípio, o seu conceito é muito amplo.
Numa visão ampla, o conceito envolve um comportamento contrário ao jurídico. Todavia, possível que nenhum desrespeito à lei decorra, ou que não se verifique alguma infração à lei. Se alguém persegue um animal em propriedade alheia, e causa danos, não é cominada de antijuridicidade a ação, mas os danos provocados devem ser reparados. A lesão determinada por uma conduta impelida pelo estado de necessidade não isenta da indenização, apesar da ausência da ilicitude. No inadimplemento de um contrato, a lei não prevê uma condenação por conduta antijurídica, mas a obrigação de ressarcir é uma consequência lógica. E assim em inúmeras hipóteses, máxime nos casos de responsabilidade objetiva.
Para satisfazer as perdas e danos, há o ressarcimento. No direito das obrigações, o ressarcimento consiste em substituir, no patrimônio do credor, uma soma correspondente à utilidade que ele teria obtido, se se cumprisse a obrigação.6
Infindáveis as situações que comportam, no universo dos interesses, as perdas e danos. Revelam-se, in genere, nos resultados negativos causados ao patrimônio. Decorrem da lesão causada nos bens juridicamente protegidos, através da destruição ou deterioração. Consistem nas lesões ou na morte provocadas na vítima. Abrangem os estragos causados em bens, como veículos, máquinas, instrumentos, prédios, imóveis. Revelam-se nas decorrências da morte da vítima, nas lesões e fraturas que sofreu; nas despesas com medicamentos e o tratamento hospitalar ou médico. Nas obrigações, decorrem mais do não cumprimento do contrato.
Representam as perdas e danos a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação em que ele se encontraria, se não fosse a lesão, ou se cumprida a obrigação.7 Com a técnica de sempre, Araken de Assis bem coloca o sentido: “Além da própria prestação, as perdas e danos visam colocar o parceiro fiel e inocente naquela situação em que se encontraria caso o contrato tivesse sido cumprido no modo e tempo devidos. Abrangem, pois, a vantagem que a prestação pontual traria para o parceiro. Se a prestação inadimplida for pecuniária, as perdas e danos correspondem aos juros de mercado (art. 1.061); se for entrega de coisa, a privação do seu uso (aluguel) e da sua disponibilidade desde a época convencionada para o cumprimento”.8 O citado art. 1.061 corresponde ao art. 404 do vigente Código.
32.3. ESPÉCIES
A expressão “perdas e danos” é extensa e abrangente, envolvendo os prejuízos sofridos, os danos emergentes, os lucros cessantes, o deficit no patrimônio, os estados de ânimo, o sofrimento moral, a dor espiritual. Daí, para uma melhor visualização, estabelecer-se uma classificação das formas mais comuns e verificáveis.
32.3.1. Perdas e danos patrimoniais
Em primeiro lugar aparecem as perdas e danos “patrimoniais”, conceituadas como a ofensa ao interesse econômico. Consuma-se o dano com o fato que impediu a satisfação da necessidade econômica. O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Obrigatoriamente, caracteriza-se o dano pela ofensa ou diminuição de certos valores econômicos. Neste sentido a visão de Alfredo Orgaz: “El daño material, en suma, es simplemente el que menoscaba el patrimonio como conjunto de valores económicos, y que, por tanto, es susceptible de apreciación pecuniaria”.9
Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma diminuição do patrimônio, as perdas e danos chamam-se “emergentes”, ou damnum emergens; se a pessoa deixa de obter vantagens em consequência de certo fato, vindo a ser privada de um lucro, temos “as perdas e danos cessantes”, ou o “lucro cessante” – lucrum cessans. É a hipótese do atraso no atendimento de uma obrigação, resultando prejuízos ao credor, que se vê privado de um bem necessário em sua atividade lucrativa. No primeiro tipo, simplesmente acontecendo a perda de determinado bem, o prejudicado não sofre diminuição em seus negócios.
Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes fazem a correta distinção entre uma espécie e outra: “O dano emergente, também chamado de dano positivo, consiste na efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima... No corriqueiro caso de abalroamento de veículos, por exemplo, os gastos com o guincho e com o conserto do automóvel constituem o dano emergente que poderá ser cobrado do causador do dano.
O lucro cessante engloba tudo aquilo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar por causa do descumprimento da obrigação. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, é o reflexo futuro do ato ilícito sobre o patrimônio da vítima, a perda do ganho esperado, a frustração da expectativa de lucro ou a diminuição potencial do patrimônio... No citado exemplo do acidente de trânsito, se a vítima fosse o motorista de táxi e o seu automóvel ficasse parado na oficina para reparos por quinze dias, o lucro cessante se consubstanciaria no rendimento que aquele taxista deixou de auferir nestes quinze dias de inatividade”.10
Sobre o assunto, estabelece o art. 402 do Código Civil: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Explicava Carvalho Santos: “O verdadeiro conceito de dano contém em si dois elementos, pois se representam toda a diminuição do patrimônio do credor, é claro que tanto ele se verifica com a perda sofrida, ou seja, a perda ou diminuição que o credor sofreu por efeito de inexecução da obrigação – damnum emergens, como também com a privação de um ganho que deixou de auferir, ou de que foi privado em consequência daquela inexecução ou retardamento – lucrum cessans”.11
Ilustram Planiol-Ripert, também com peculiar saber: “La indemnización debe representar tan exactamente como sea posible el daño realmente sufrido por el acreedor debido al incumplimiento o retraso. Ese daño puede componerse de dos elementos distintos, que se hallan indicados en el art. 1.149: por un lado, la pérdida, es decir, el empobrecimiento sufrido por el patrimonio del acreedor – damnum emergens; por otro, la garantía frustrada – lucrum cessans. Por ejemplo, si un cantante, contratado para un concierto falta a su compromiso y el concierto no puede celebrarse, el artista tendrá que indemnizar el empresario del espectáculo con quien ha contratado, por un lado, por los desembolsos ya realizados en los preparativos del concierto y por otro por el beneficio que hubiera obtenido como resultado del concierto”.12
Frequentemente os dois efeitos surgem concomitantemente com o dano. Há uma diminuição do patrimônio real, existente no momento, e uma frustração dos resultados positivos decorrentes pelo uso do bem material. Um acidente de trânsito, ao proprietário de táxi, acarreta os estragos do veículo com a batida e o valor não percebido pela paralisação do trabalho de transporte. Vem a propósito a lição de Chironi, ao considerar o dano no seu duplo resultado, consistindo “en la disminución efectiva sufrida por el patrimonio, y el aumento no efectuado a consecuencia del incumplimiento de la obligación”.13
32.3.2. Perdas e danos morais
As perdas e danos morais, ou o dano moral, até alguns anos atrás, constituíam assunto de grande controvérsia. Presentemente, não há mais novidade em torno do assunto, aliás um dos mais explorados. A própria Constituição Federal prevê a reparação, quando atingida a honra, no art. 5º, inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Também no inciso X do mesmo artigo, com relevo para a imagem e a honra das pessoas, é contemplada a proteção. Em verdade, nada de novo veio com a Constituição, porquanto já o art. 159 do Código Civil de 1916, no qual se fundamentava a responsabilidade, tinha em vista o dano em geral, não fazendo qualquer distinção quanto ao tipo ou à natureza. Já anteriormente dominava, de outro lado, o princípio de que o ressarcimento deveria ser o mais amplo possível, abrangendo todo e qualquer prejuízo. O Código Civil de 2002, no art. 186, colocou de forma explícita a reparação por dano moral, juntamente com a por dano patrimonial: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Arnaldo Marmitt, com sua clareza peculiar, já trazia a seguinte explicação de dano moral: “No dano moral, o ressarcimento identifica-se com a compensação. É uma reparação compensatória. O patrimônio moral é formado de bens ideais ou inatos, ou direitos naturais, muito embora sua reparação tenha a característica de reparação comum. Em várias passagens nossa lei reconhece o ressarcimento do dano moral. Tal sucede com os arts. 76, 1.537, 1.538, 1.543, 1.548, 1.549, 1.550, e com o próprio art. 159, que não distingue entre dano moral e dano patrimonial. Figurada que está em lei, a reparação torna-se imperativa. Nem a extinção da punibilidade do ofensor apaga essa viabilidade reparatória na esfera cível”.14 Esclareça-se que os citados arts. 76, 1.548 e 1.549 não encontram regras equivalentes no Código Civil em vigor, enquanto os arts. 1.537, 1.538, 1.543 e 1.550 correspondem respectivamente aos arts. 948, 949, parágrafo único do art. 952, e 954 do diploma civil atual.
Acontece que, além do prejuízo patrimonial ou econômico, há o sofrimento psíquico ou moral, isto é, as dores, os sentimentos, a tristeza, a frustração etc. Agostinho Alvim lembra uma definição de Gabba, que se tornou conhecida pela exata caracterização, através da qual o dano moral ou não patrimonial é aquele dano que não atinge ou diminui o patrimônio de alguém, revelado na lesão da honra, da estima, dos vínculos do legítimo afeto, e de todo estado jurídico que se liga à personalidade do homem.15
Nesta linha, Yussef Said Cahali, outro clássico no assunto, na primeira edição de obra famosa sobre o dano, seguia: “A caracterização do dano extrapatrimonial tem sido deduzida na doutrina sob a forma negativa, na sua contraposição ao dano patrimonial”.16
Pontes de Miranda, numa síntese bem lúcida, considera o dano patrimonial aquele que alcança o patrimônio do ofendido, enquanto o moral é o que atinge o ofendido como ser humano.17
Em suma, o dano moral é aquele que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, a tranquilidade de espírito, a reputação etc. É o puro dano moral, sem qualquer repercussão no patrimônio, atingindo aqueles valores que têm um valor precípuo na vida, e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.18 Na verdade, o dano moral importa na constatação de reflexos no patrimônio. Um homem atropelado por veículos, sofrendo incapacidade de locomoção, promoverá a indenização porque houve cessação de lucros, isto é, porque deixou de trabalhar. A profunda dor moral sofrida com a morte de uma criança em acidente traz grandes consequências: o pai fica impossibilitado de trabalhar por certo espaço de tempo; aquela criança não concorrerá para o sustento da família. O traumatismo moral que domina os familiares acarreta a impossibilidade do pai ao trabalho. Por conseguinte, a indenização reveste-se de um cunho altamente patrimonial.
Alguns dispositivos do Código Civil atual, mais que o Código Civil anterior, preveem o dano moral, mas sobretudo como decorrência das repercussões patrimoniais. O art. 939, tratando da demanda de dívida ainda não vencida, ordena que se espere o vencimento e se proceda o desconto dos juros pelo tempo que faltava, com o pagamento das custas em dobro. Pressupõe-se que os transtornos ocasionados refletem nas atividades e nos interesses da pessoa. O art. 953, ao cuidar da indenização por injúria, difamação ou calúnia, estabelece que consistirá a mesma na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. De acordo com o parágrafo único, não se provando o prejuízo material, pagar-se-á ao ofendido uma quantia em dinheiro fixada equitativamente pelo juiz, na conformidade das circunstâncias do caso. No art. 954, assinala-se que a indenização por ofensas ligadas à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Neste dispositivo, encontra-se a seguinte fórmula para calcular o prejuízo material: “Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.
Mas, é necessário destacar tais influências patrimoniais das sensações exclusivamente interiores, espirituais, morais, mesmo que de ordem fisiológica, como a dor, a marca deixada no corpo. É este o dano moral.
Para melhor revelar a sua extensão, pode-se dizer que referidas sensações se revelam em quatro espécies:
a) O dano que representa a privação ou diminuição de um valor precípuo da vida da pessoa, e que se revela na ofensa à paz, à tranquilidade de espírito, à liberdade individual;
b) o dano que alcança a parte social do patrimônio moral, atingindo a personalidade, ou a posição íntima da pessoa consigo mesma como a honra, a estima, o apreço, a consideração, a reputação, a fama;
c) o dano que atinge o lado afetivo, ao estado interior, exemplificado na dor, tristeza, saudade, no sentimento;
d) aquele que tem influência no patrimônio, em especial no exercício de profissões, e que envolve a conceituação íntima relacionada ao aspecto ou postura física externa, com prejuízos para a beleza, a aparência, a postura, a simetria corporal, e aí se encontram a cicatriz, o aleijão, a deformidade.
Em qualquer das hipóteses, embora a última esteja ligada mais diretamente a influências patrimoniais, não há o ressarcimento ou a indenização. O valor que se paga tem o caráter de satisfação, de reparação, justamente porque é desnecessária a prova do prejuízo, de desfalque patrimonial. Talvez admissível o prejuízo moral, a perda de sentimentos ou sensação de bem-estar, de alegria, de autoestima, advindo a dor, a lágrima, a frustração.
Daí o erro que se formou e evoluiu ao longo do tempo na jurisprudência, desde o começo do reconhecimento da reparação, tida como indenização. No início, os doutrinadores que precederam e vieram logo após à vigência do Código Civil de 1916, não reconheciam a reparação por dano moral. Ligava-se a indenização por morte ao então art. 1.537 (que no Código atual corresponde ao seu art. 948), e restrita aos danos materiais e às prestações de alimentos. Mas foi o inciso II do mesmo artigo que levou a partir para a reparação moral, quando ordenava que, no caso de homicídio, a indenização envolveria também a prestação de alimentos. Deste ponto avançou-se para a indenização do dano causado pela morte de filho menor – marco inicial para a evolução do direito nesse campo, e chegando-se à Súmula nº 491 do STF: “É indenizável o acidente que causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Havia um misto de embasamento patrimonial e moral. O primeiro porque os pais perdiam a expectativa de colaboração do filho no custeio das despesas da família; o segundo, e aí forçando a imposição de se indenizar, diante do sofrimento com a perda. Mesmo que não exercesse alguma profissão o filho, reconhecia-se o direito à indenização, fazendo-se tamanha confusão, que ainda hoje persiste, ao ponto de se limitar o pagamento até a idade presumível do casamento, quando, normalmente, se ponderava que passaria a se preocupar apenas com a sua pessoa e a da família então formada.
Num último estágio, tornou-se pacífica a reparação pelo dano moral puro, sem vinculação com o patrimonial, considerada distintamente ao ressarcimento. De sorte que, ao lado da pensão por morte dos pais, ou daquela pelo que deixaram de auferir os pais se o filho perde a vida, estabelece-se outra soma, de cunho totalmente reparatório, e devida pelo fato só da morte. Não interessa a existência de lucros cessantes. Com isso, resolvem-se as situações em que os filhos em nada contribuíam e nem passariam a contribuir aos parentes que ficaram. A Súmula nº 37, do STJ, resume a atual tendência: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato”.
Revela duplo caráter a indenização, inclusive ressarcitória, na lição de Caio Mário da Silva Pereira: a) o punitivo, no sentido de que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; b) o ressarcitório junto à vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.19
Não cabe, nessa linha, confundir o dano estético com o moral.
O primeiro está regrado no art. 950, mas forma-se em vista dos prejuízos resultantes do defeito estético.
Já o segundo, e unicamente se em havendo dano estético, como aleijão ou deformidade, tinha amparo no § 1º do art. 1.538 do Código de 1916. Nem sempre, porém, absorvia o preceito os danos estéticos, dada a existência de casos de cicatrizes que não comportavam despesas elevadas, embora ficasse marcada para sempre a fisionomia ou o aspecto físico da pessoa.
Em todos os campos reconhece-se, presentemente, a reparação por perdas e danos morais. Não apenas quanto à perda de entes queridos ou próximos. Na divulgação de notícia equivocada, no protesto indevido de títulos mercantis, na suspensão infundada de direitos creditórios, nas ofensas através da imprensa e na irrogada em juízo, estabelecem-se formas de reparação que não mais ensejam dúvidas. Quanto ao cadastro de nomes de devedores em órgãos de registro para fins de comunicação a terceiros, é reiterado o direito à reparação, máxime se previamente não avisada a pessoa, conforme este exemplo: “Constitui ilícito, imputável à empresa de banco, abrir o cadastro na SERASA sem comunicação ao consumidor (art. 43, § 2º, da Lei nº 8.078/1990). O atentado aos direitos relacionados à personalidade, provocados pela inscrição em banco de dados, é mais grave e mais relevante do que lesão a interesses materiais. A prova do dano moral, que se passa no interior da personalidade, contenta-se a existência do ilícito, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça. Liquidação do dano moral que atenderá ao duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano”.20
Inclusive às pessoas jurídicas é reconhecido o direito, como se extrai do seguinte aresto: “I – A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial. II – Cabível a ação de indenização, por dano moral, sofrido por pessoa jurídica, visto que a proteção dos atributos morais da personalidade não está reservada somente às pessoas físicas”. No voto, após transcrição de copiosa doutrina, colhe-se esta passagem, que é a transcrição do voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, proferido no Recurso Especial nº 60.033-2/MG: “Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, autoestima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, ... trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos...”.21
Em outra decisão, ponderou-se: “A Constituição Federal, ao garantir indenização por dano moral, não fez qualquer distinção entre pessoas físicas ou jurídicas, não se podendo deslembrar da parêmia no sentido de que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.
E mais, deixou a Carta Magna palmar no art. 5º, incisos V e X, que a ofensa moral está intimamente ligada às agressões e danos causados à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas e outras hipóteses.
Não se pode negar que a honra e a imagem estão intimamente ligadas ao bom nome das pessoas (sejam físicas ou jurídicas); ao conceito que projetam exteriormente”.22
Embora sendo a matéria controvertida, e mesmo não tendo a pessoa jurídica capacidade afetiva e sensorial, a verdade é que o bom nome ou o conceito social constitui um patrimônio. A sua existência é atacada, sem referência aos que a constituem. Indiretamente, porém, são eles atingidos. Advindos prejuízos materiais, procurar-se-á aquilatá-los. Ademais, é como diz Luís Alberto Thompson Flores Lenz: “Há entidades abstratas, previstas no inciso I do art. 16 do CC, que não têm fim econômico – sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, associações de utilidade pública, fundações, nosocômios, centros de pesquisa universidades –, que, apesar de não objetivarem lucro ou donativos, sofrem severos prejuízos em seu conceito e em sua credibilidade em razão dos ataques acima referidos”.23 Corresponde o inc. I do art. 16 citado ao art. 44, incisos I, II e III do atual Código.
De qualquer forma, se o nome integra o patrimônio e tem relevância no meio social, a ofensa à sua integridade moral é mensurável. Do contrário, é abrir carta branca para todo tipo de ataques infundados e injustos. Nem tanto se leva ao extremo de ver na sociedade uma pura abstração, porquanto, hoje, cada vez mais, vem preponderando a desconsideração da personalidade jurídica.
32.3.3. Dano direto e indireto
De modo simples, o dano direto compreende o resultado imediato da ação, que recai sobre um bem e o ofende, resultando o mesmo com um deficit econômico. Trata-se do resultado da ação que atinge um valor, sem um grau de intermediação, ou que não decorre posteriormente. Corresponde aos resultados causados pela ação direta do ofensor. Na lição de Antônio Lindbergh C. Montenegro, “é o que se produz imediatamente no bem, aquele que se contém no prejuízo consumado, permitindo uma pronta aferição do seu conteúdo e extensão”.24 Tem-se o prejuízo que aparece em seguida, e não de outras circunstâncias que se interpõem, embora tenham a origem remota em um fato anterior. Como diz Antunes Varela, existem aquelas circunstâncias sem as quais não se desencadearia o dano, e que são suas causas imediatas.25 E o dano direto é aquele que tem ligação direta ou imediata com tais circunstâncias.
Já o indireto equivale às consequências remotas, mas que entre elas e o fato primeiro se coloca uma outra causa. Aparece apenas posteriormente, em vista de circunstâncias outras, mas ligadas às causas originais que desencadearam uma lesão ao direito. Karl Larenz é um dos mais esclarecedores: “El daño indirecto comprende aquellos menoscabos que sobrevienen más tarde o que, como la pérdida de capacidad para el trabajo, actúan permanentemente, o que, como las adquisiciones no efectuadas a causa de la infracción, no se manifiestan en el mismo objeto que sufrió el daño, sino únicamente en el patrimonio del perjudicado”. Distinguindo quanto ao dano direto: “A diferencia del daño directo, no concluye con la terminación del suceso que lo produjo, sino que con frecuencia comienza a desarrollarse después, sin que en la mayoría de los casos se pueda decir anticipadamente qué volumen alcanzará”.26
O Código Civil brasileiro, em princípio, restringe o ressarcimento aos danos diretos, pela letra do art. 403: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
Ao se abordar a fundo a matéria, nota-se a possibilidade de ficar complexa a mesma. Por um lado, a indenização deve ser a mais completa possível, segundo emana do art. 402. O art. 403 tempera o rigor da lei e delimita o alcance da indenização aos prejuízos efetivos e aos lucros cessantes, e desde que por efeito direto e imediato da inadimplência ou do dano. Além da obrigação ou lesão, imprescindível a presença de uma relação de causa e efeito na inadimplência do contrato, ou na prática de um ato delituoso.
E quando decorre uma nova consequência, ou quando o dano não é efeito direto e imediato de um ato ilícito ou de incumprimento? Em geral, as partes não preveem mais que as perdas e danos que o credor poderá sofrer referentemente à coisa não obtida ou danificada. Exemplificativamente, aventa-se uma compra e venda de qualquer mercadoria, não vindo ela a ser entregue. O compromitente vendedor está obrigado a indenizar o montante pago a mais pela coisa da mesma qualidade, adquirida de uma terceira pessoa. Se por falta do produto, porém, deixa-se de lucrar ou receber pagamentos, não se conclui que surja o ônus de reparar por lucros cessantes. Esta circunstância qualifica-se como causa estranha ao objeto do contrato, não prevista ou assumida pelos envolvidos. E na hipótese de, num acidente de trânsito, fugindo o motorista, é perseguido por um policial que também provoca um acidente? Igualmente não responde o motorista, porquanto, embora sua conduta determinasse a perseguição, não condicionou o carro do policial a uma velocidade inadequada e perigosa.
Se alguém adquire uma rês, encontrando-se a mesma infeccionada por moléstia contagiosa, vindo a morrer a contaminar outros animais, nasce o imperativo do ressarcimento, no valor estipulado para cada animal. Deixando de lavrar as terras, decorre naturalmente o encargo de indenizar pelos lucros perdidos com a não cultivação? A resposta é negativa, pois o efeito é remoto. Não desponta o requisito do dano imediato. Cumpria ao proprietário providenciar em outros animais para lavrar, ou tomar medidas adequadas à substituição daqueles dizimados. É o que também defendem Planiol e Ripert, que apontam o mesmo exemplo do animal doente: “El contagio ha enfermado los bueyes del comprador impidiéndole labrar las tierras. El vendedor tendrá que indemnizarle, indiscutiblemente, por el precio de las reses fallecidas por efecto del contagio, no así de los daños resultantes de la inatención de las tierras, que solamente constituyen la consecuencia distante e indirecta del dolo de aquél”.27
Para bem situar a responsabilidade, indispensável, no dizer de Agostinho Alvim, ver o nexo causal necessário estabelecido entre o fato e as circunstâncias.28 Reclama-se o liame entre o inadimplemento da obrigação e o dano, de modo que aquele origine o último. Veja-se a seguinte situação, trazida pelo mesmo Agostinho Alvim: alguém recebe uma coisa comprada; verificando que ela tem um defeito, dirige-se ao vendedor, para reclamar; no caminho, malfadadamente é atropelado. Responderá o vendedor? Absolutamente, pois o comportamento do vendedor posiciona-se como causa remota.29 Outros agentes interferem no trágico acontecimento. Não sendo assim, suponha-se que um mecanismo utilizado na fabricação de um produto é destruído culposamente por um terceiro. Deverá ele indenizar o custo desse mecanismo, e não indefinidamente a produção que deixa de ser fabricada, porquanto a causa imediata da falta de produção é a ineficiência do proprietário em adquirir outro instrumentário. De igual modo, afastando o locador do imóvel o inquilino, e contratando um transportador para a remoção dos móveis, se, no caminho, a chuva os danifica. Competia ao encarregado do transporte prever a circunstância da intempérie. Outra é a causa imediata.
Em síntese, ao primeiro fato determinante de um comportamento sobrevém novo fator, que faz nascer uma atitude ou consequência nova. Interrompe-se o nexo, liber-tando o causador do primeiro dano da responsabilidade da lesão subsequente, eis que uma terceira pessoa se interpõe no desencadear dos resultados, que passa a ordenar o rumo das ações.
Aos efeitos imediatos ou diretos está ligada a concausa ou causa superveniente. Pensa-se novamente no caso de um acidente de trânsito, com lesões corporais, com o internamento hospitalar da vítima, a qual vem a falecer, em vista da deficiência do tratamento. O hospital negligenciou no internamento e nos cuidados que estava em condições de oferecer. O médico não empregou a perícia e a técnica próprias. Quando do exame, não diagnosticado o traumatismo craniano, mal que conduz à morte. Martinho Garcez Neto, um dos estudiosos da matéria, apoiado em doutrina clássica, não desliga o evento prejudicial do fato primitivo, que é o acidente, considerando-o o causador do dano. Liberam-se o médico e o hospital da responsabilidade.30
No entanto, a solução se afigura injusta. Crê-se que Alfredo Orgaz dá o caminho correto, ao sustentar que falta o nexo causal “en el caso de que la predisposición del sujeto determine un daño manifiestamente desproporcionado en el resultado normal de la acción antijurídica: así, en el ejemplo antes señalado de la lesión leve que produce la muerte a causa de la hemofilia que padecía la víctima, o del ligero golpecillo dado en la cabeza y que determina la muerte en razón de que el sujeto padecía de una debilidad de los huesos craneanos... En estos casos, la acción del agente se reputa meramente casual o fortuita. Pero si la acción era por sí misma adecuada para ese resultado, es indiferente que éste se haya producido con la colaboración de las predisposiciones de la víctima”.31
A responsabilidade do autor direto mede-se de acordo com a natureza da lesão. Pelos eventos que aparecerem, provocados por causas outras, o responsável é a pessoa que os originou por sua culpa.
Aproveitando-se, em parte, a teoria da equivalência das causas, de Von Buri, exposta por Mazeaud e Mazeaud, segundo a qual todos os acontecimentos que concorreram para a produção do dano são causas do mesmo, dir-se-á que respondem pela indenização não apenas quem deu o primeiro passo para o evento, mas igualmente aqueles que participaram para o desenlace final. No entanto, cumpre notar, desde que os agentes procederam culposamente e as ações tiveram um papel decisivo, verdadeiramente efetivo na lesão. Eis por que interessa, também, neste ponto, a teoria da causalidade adequada, de Von Kries, pela qual a relação entre o acontecimento e o dano resultante deve ser adequada, cabível, apropriada. Não se atribuindo toda a responsabilidade ao que desencadeou o fato, mas a todos os que atuaram com ações adequadas ao resultado, cada partícipe reparará apenas “les consequences naturelles et probables de la faute”, ou de sua ação.32
Divide-se a responsabilidade em proporção à gravidade das causas, mas, observe-se, desde que constituam causas. Não se trata de gravidade de culpa, e sim de causalidade. Na primeira, há concorrência de atos para o mesmo resultado, para determinada lesão, e não para decorrências subsequentes, em que cada autor responde pelo fato que praticou.
Se admitida sempre a causa indireta, chega-se a verdadeiros absurdos, como no caso da autoridade carcerária que permite a saída de detento do presídio, o qual, posteriormente, sofre um acidente, com danos físicos, indo buscar a reparação perante o poder público. O STJ focalizou a situação no seguinte aresto:
“1. A moldura fática estabelecida na instância ordinária dá conta de que o acidente – dano – ocorreu diretamente por culpa do condutor do veículo, que deveria estar, naquele momento, recluso, porque cumpria prisão-albergue, em progressão de pena privativa de liberdade; e só não estava recolhido ao sistema prisional em razão de agentes estatais possibilitarem, quotidianamente, que o causador do dano dormisse fora.
2. Saber se o ato do agente policial que permitiu, propositadamente, a saída do causador do dano da custódia estatal, por si só, é apto a estabelecer ou não a correlação lógica entre o alegado ato e o sobredito dano é questão que diz respeito à qualificação jurídica dos fatos já assentados na instância ordinária, não revolvimento da matéria fática. Não incidência do enunciado nº 7 da Súmula do STJ.
3. A questão federal está em saber se, para a configuração do nexo causal no âmbito do fato do serviço, basta a atuação estatal correlacionada, ainda que mediata, ao dano, somada à ausência das excludentes do nexo – culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.
4. Análise da doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello33 dos danos dependentes de situação produzida pelo Estado diretamente propiciatória, o que faz surgir a responsabilidade objetiva do Estado por ato comissivo.
5. Ainda que se possa afirmar que existe, nestes casos, a possibilidade da configuração de um nexo causal indireto, é importante ter em mente que, mesmo diante da situação fática criada pelo Estado, ou seja, impor-se ao condenado que dormisse fora do local a ele destinado pelo sistema penitenciário, o acidente automobilístico realmente está fora do risco criado, não guardando a lesão sofrida pela vítima, em local distante do ‘prédio onde sedia a fonte do risco’, nexo lógico com o fato do serviço.
6. Inexiste, in casu, nexo causal, porque a causa não é idônea para o dano produzido. Correta, portanto, a tese do acórdão recorrido, que pode ser assim resumida: ‘Análise essencial do nexo de causalidade. A lei brasileira (antiga e atual) adotou a teoria da causalidade adequada. Assim, somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é de ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade. Inteligência do art. 1.060, hoje do art. 403 do Código Civil’”.34
32.3.4. Danos contratuais e extracontratuais
No primeiro caso, o prejuízo deflui do inadimplemento de um compromisso contratual. O descumprimento de um dever contratual é o fator humano mais decisivo na provocação de danos. É a obrigação o liame jurídico entre dois ou mais sujeitos, que tem por objeto uma prestação determinada. O credor sofre um prejuízo com o proceder da outra parte, que desrespeita o conteúdo da obrigação, sendo pressuposto a presença da culpa. A lesão ao direito decorre da infração culposa a uma obrigação. Somente assim leva ao ressarcimento. G. P. Ghironi destacava esta origem: “L’ingiuria (lesione ingiuriosa) contenuta nell’atto colposo, puó venir commessa rispetto ad un’obbligazione esistente fra l’offeso e l’ingiuriante, a modo che per la colpa di quest’ultimo l’adempimento dell’obbligazione o non è stata ottenuta od ha offerto ingiusto ritardo: la qual negligenza (difetto della diligenza dovuta) nell’esecuzione del rapporto costituisce la colpa contrattuale”.35
O dano extracontratual, ao contrário, consuma-se com a infração de um dever legal. Nele, a antijuridicidade se produz como consequência do ataque a um direito absoluto do prejudicado. Envolve o desrespeito à lei, às normas que traçam a conduta humana e está fundado na culpa aquiliana. Corresponde a qualquer desrespeito a um direito de um terceiro, ou a infrações com resultados negativos em relação às partes que se relacionam com o causador. Em tese, há a lesão a uma norma jurídica. Enquanto a norma disciplina um direito, a antijuridicidade se exterioriza como contrariedade à sua aplicação. Este requisito, a contrariedade, obviamente, traz resultados negativos ao patrimônio alheio.
Equivale o dano a qualquer prejuízo que não deriva do inadimplemento de uma obrigação, mas é produzido por um fato que fere a regra jurídica, à qual todos se encontram subordinados. Anota Jaime Santos Briz que ele nasce da violação genérica do princípio neminem laedere: qualquer fato do homem provocador de dano a outrem obriga o ressarcimento.36 O fato humano que o produz é antijurídico e revela contrariedade às normas específicas e aos princípios gerais do direito. Por sua vez, o ato humano consistente no inadimplemento de um dever gera o dano contratual.
32.4. PERDAS E DANOS DECORRENTES DO PAGAMENTO COM ATRASO
Importante ver as perdas e danos que advêm do pagamento com atraso, ou incompleto. A conclusão é de que o pagamento atrasado ou fora da forma devida redunda em perdas e danos se, durante o período de atraso, se prove que adviriam lucros, situação que constava expressamente contemplada no parágrafo único do art. 1.059 do Código anterior. É o que Maria Helena Diniz chama de “dano negativo” ou “lucro cessante ou frustrado”, referentemente à privação de um ganho pelo credor, ou ao lucro que ele, credor, deixou de auferir por causa do descumprimento da obrigação: “Para se computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugado às circunstâncias peculiares ao caso concreto”.37
A dificuldade está em comprovar o dano previsível, ou em demonstrar os lucros que seriam previsíveis. A previsibilidade é que está em questão. Agostinho Alvim, revelando preocupação quanto à demonstração, primeiro esboça o sentido de previsibilidade, e depois traz exemplos, inclusive tirados de Pothier: “A previsibilidade, pois, entende-se com a natureza das coisas, devendo o juiz admitir que o dano era previsível, sempre que ele estivesse na ordem natural dos fatos, considerado ao tempo da celebração do contrato... Assim, se alguém não me entrega o cavalo que comprei e por isso fui obrigado a adquirir outro por maior preço, essa diferença, que representa dano direto, é também dano previsível, porque, sendo certo que todas as mercadorias estão sujeitas a alteração de preço, a elevação, em tal caso, não é senão um fato ordinário (cf. Pothier, Oeuvres, vol. II, nº 101).
Do mesmo modo, se arrendei minha casa, e, no decurso do contrato, sofro evicção, vindo o locatário a perdê-la, devo indenizá-lo pelo dano que isto lhe causar.
Ao contratar eu podia, suposta a possibilidade da evicção, antever o dano consequente...
Se o locatário estabeleceu comércio na casa alugada, e vem a perder seus empregados, por causa da rescisão, consequente à evicção, tal dano já não se considera previsível para o locador”.38
Não basta a alegação dos prejuízos. Não se admitem os lucros imaginários, ou os supostamente alcançáveis. É como se decide: “A existência dos danos an debeatur deve ser apurada no curso da instrução e não na liquidação, que se destina à aferição do valor dos danos quantum debeatur. Destarte, havendo prejuízos a apurar, com pedido nesse sentido, não é dado ao juiz julgar antecipadamente a lide para acolher o pedido principal, pena de cerceamento e vulneração da lei federal”.39
Deixando de receber um produto que seria comercializado, os lucros cessantes englobam a diferença entre o preço pago e o alcançado na venda que se realizaria, abatidos os custos nesta intermediação. Oportunas, ainda, as observações de Carvalho Santos:
“Os lucros cessantes, para serem indenizáveis, devem ser fundados em bases seguras, de modo a não compreender os lucros imaginários ou fantásticos. Nesse sentido é que se deve entender a expressão: ‘razoavelmente deixou de lucrar’.
A simples alegação de um lucro que poderá ser obtido com os proventos esperados do contrato que não foi executado não pode ser objeto de indenização, por isso que se trata de uma impossibilidade ou expectativa, em que predomina o arbítrio ou o capricho do reclamante”.40
No que se encontra amparo na jurisprudência, ao não admitir “o hipotético lucro” que alguém teria se vencesse uma licitação, mas não demonstrando-o, “na medida em que o art. 1.059 do CC supõe dano efetivo ou frustração de lucro que razoavelmente se poderia esperar – circunstâncias inexistentes na espécie, em razão da incerteza acerca de quem venceria a licitação, se realizada”. Acontece que, “salvo as exceções legais, não se pode falar em indenização se não se está diante de desfalque patrimonial efetivo ou de frustração de um lucro, que razoavelmente se podia esperar”.41 Recorda-se que o art. 1.059, referido acima, equivale ao art. 402 do atual diploma civil.
32.5. PERDAS E DANOS NAS OBRIGAÇÕES EM DINHEIRO
Quando o devedor deve entregar uma quantia em dinheiro, e verificada a inadimplência, as perdas e danos resolvem-se em pagar os juros de mora, as despesas exigidas no recebimento, a multa convencional, tudo corrigidamente, e outros consectários. Esta a previsão do art. 404 da lei civil: “As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”.
Se os juros de mora não bastam para cobrir os prejuízos, assegura-se o direito a uma indenização suplementar, conforme garante o parágrafo único do art. 404: “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.
Essa previsão não constava no Código Civil anterior, ensejando a omissão severas críticas. Propiciava o então art. 1.061, frente às demais formas de indenização, um tratamento injusto. Ignorava aquele dispositivo as consequências que poderia trazer o valor do crédito, se pago no momento oportuno. Evidente que ao credor se oferecia e se oferece um leque de oportunidades, como a expansão de uma atividade, ou o investimento da quantia na aquisição de fundos e letras financeiras junto a instituições bancárias, e até no proveito para a própria subsistência. Isso sem contar os prejuízos que trazia e traz a mora, com a falta do numerário.
Para melhor compreensão do assunto, conveniente transcrever o texto do art. 1.061 do Código de 1916: “As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.”
Agostinho Alvim advertia para a injustiça da lei civil anterior, ao apontar para o seguinte exemplo: “Suponha-se que alguém, confiado em que certo pagamento será feito, planeja uma viagem, faz gastos, recusa serviços, e, no dia do recebimento do dinheiro, o devedor falha. Só paga com atraso. As perdas e danos, ou seja, os juros calculados a seis por cento ao ano não cobrem aqueles prejuízos”.42
Realmente, se obrigações pendessem contra o credor, e, em vista da falta de atendimento no prazo quanto ao crédito que tinha para receber, via-se coagido a contrair empréstimo ou financiamento bancário, levando a se conceder o direito de indenização por tais encargos. Daí pregava Arnaldo Marmitt: “Não convém dogmatizar em assunto de tamanha instabilidade. A reposição de simples juros de mora pode ocasionar flagrantes iniquidades, que não merece a chancela de ninguém. Na sua função criadora do direito, à jurisprudência competirá recorrer aos princípios gerais, para aplicar judiciosamente a lei positiva, sem frustrações e sem tolhimento da justiça”.43
Com a previsão da regra do parágrafo único, ficou sanada a dificuldade que se deparava o aplicador do direito no regime anterior.
Quanto aos juros, ainda, observa-se a regra do art. 405, ordenando a sua contagem a partir da citação inicial, matéria que virá examinada no capítulo sobre os juros.
A pena convencional é admitida, não se confundindo com os juros de mora, tanto que estabelecida nos 409 e seguintes como instituto autônomo.
32.6. PERDAS E DANOS E CULPA
Como é pacífico, o descumprimento da obrigação importa em indenização pelas perdas e danos. O sujeito passivo sujeita-se ao dever de prestar ou indenizar, enquanto ao sujeito ativo abre-se a faculdade de exigir a indenização. No entanto, indispensável a presença da culpa naquele que não se desincumbe da obrigação. Caio Mário da Silva Pereira colocava a questão claramente, mostrando-se em consonância com o Código em vigor a lição: “O descumprimento que sujeita o devedor às perdas e danos é o originário de uma ‘falta’ sua, entendida a expressão em senso largo, abrangente de qualquer infração de um dever legal ou contratual. Mas, na sua objetividade, a falta do devedor pode percorrer toda uma gama de intensidade, desde a infração intencional e voluntária, dirigida ao propósito de causar o mal, até a que provém de uma ausência de cuidados especiais a seu cargo”.44
A infração decorre de dolo ou de culpa. Não importa o grau de culpa, ou a conduta eivada de dolo ou culpa. O art. 403 não coloca uma diretriz para diferenciar a indenização: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Nem se aumentam as perdas e danos pelo fato de proceder com culpa ou dolo o devedor. Muito menos se tem em conta tanto a culpa contratual ou a extracontratual, eis que qualquer uma delas, na explicação de G. P. Chironi, tem sempre sua razão de ser “nella negligenza (negligentia, imprudentia, ingiuria) imputabile all’agente”. Ou seja, “il principio generatore è uno; il fattore della colpa è identico così nella contrattuale como nell’extra-contrattuale”.45
Há, é verdade, hipóteses baseadas na diferença do grau de culpa. Todavia, desde que expressas na lei. Assim no art. 392: “Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e só por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa”. Não havendo proveito para aquele que cumpre, requer-se a presença de dolo. Algo semelhante no art. 295: “Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”. Nota-se que a existência de má-fé revela-se como condição nas cessões feitas a título gratuito. Já o art. 443 aumenta a penalização, na alienação de coisa com vício redibitório, se o alienante conhecia os vícios. Todavia, normalmente não se funda o peso da indenização no grau de culpa. Serpa Lopes demonstrava a nenhuma repercussão do ressarcimento diante do grau de culpa, permanecendo válida a doutrina, em vista de mantido o tratamento da matéria pelo Código vigente: “Se, do ponto de vista moral, sensível é a diferença entre aquele que age dolosamente e o que procede com absoluta negligência, entretanto, em relação aos efeitos, são de gravidade idêntica, em razão do que muito natural a exigência de uma idêntica repressão civil”.46
Sem culpa, não incidem as perdas e danos, excetuadas as previsões legais que estabelecem a responsabilidade objetiva. O incumprimento decorrente do caso fortuito ou de força maior, da lesão no direito, na onerosidade excessiva, dentre outras excludentes, afasta a indenização por perdas e danos. Há um impedimento em satisfazer alheio à vontade do sujeito passivo, como reconheceu o STJ, neste exemplo: “Reconhecendo, expressamente, o Acórdão, examinando a prova dos autos, que o evento danoso decorreu de caso fortuito, não tem cabimento algum a condenação da empresa ré, se dolo ou culpa não lhe pesa. É insuficiente o suporte de ser o trabalho considerado perigoso ao alvedrio do julgador, eis que o órgão próprio como tal não configura o serviço de medição topográfica exercido pelo menor”.47
Antônio Chaves falava na impossibilidade absoluta da prestação, verificada “quando, por causa não imputável ao contratante-devedor, a prestação (de entregar, de fazer, de não fazer), de possível que era, torna-se impossível – o contratante devedor, embora inadimplente, fica liberado, por se extinguir a sua obrigação. Quando, por uma causa imprevisível ou inevitável, surge a impossibilidade de cumprir a prestação devida, apaga-se a obrigação, sem responsabilidade para o devedor”.48 Chironi, para ensejar a responsabilidade ou a indenização por perdas e danos, coloca dois elementos ou pressupostos, que são o prejuízo e a culpa: “ingiuria e colpa, oggettivo il primo, soggettivo l’altro”.49
No entanto, mesmo que ausente a culpa, e com mais ênfase o dolo, há situações em que persiste a indenização. Quando alguém é impelido a agir em estado de necessidade, não se arreda o dever de ressarcir, de acordo com a inteligência dada ao art. 930. Para o seu entendimento, insta se transcreva o art. 160, inciso II, do mesmo estatuto: “Não constituem atos ilícitos: (...) II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”. Já o art. 929 prescreve que assiste ao dono da coisa a indenização pelo prejuízo sofrido, se não foi culpado do perigo. Pelo art. 930, garante-se ao autor do dano o direito de regresso contra o terceiro provocador do mal, para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Se preservado o direito de regresso, tal ocorre porque admitida a demanda contra o causador. A jurisprudência50 e a doutrina51 mais antigas já tornavam pacífica tal exegese.
Quanto à legítima defesa e ao exercício regular de um direito reconhecido, o tratamento é o mesmo, em razão do parágrafo único do art. 930: “A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)”.
Insta anotar que o art. 188, inc. I não considera atos ilícitos “os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. No regime do Código revogado, a situação era diferente quanto à legítima defesa, em face de seu art. 160, inciso I, que tinha por não ilícitos os atos praticados naquele estado de legítima defesa. Completava o art. 1.540, não mantida a regra no Código vigente: “As disposições precedentes aplicam-se ainda ao caso em que a morte, ou lesão, resulte de ato considerado crime justificável, se não for perpetrado pelo ofensor em repulsa de agressão do ofendido”. Percebe-se a ressalva que vinha contida, isto é, ficava fora do dever de reparar se perpetrado o ato em repulsa de agressão do ofendido. As disposições precedentes referidas no artigo eram as regras jurídicas estabelecidas nos arts. 1.537 a 1.539 do Código de 1916.
Reconhecida a legítima defesa pela sentença penal que transitou em julgado, em face das disposições acima, não era possível, no sistema do Código de 1916, reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, no âmbito civil. O juiz civil aceitava aquilo que ficou reconhecido no juízo penal.
Presentemente, não se impede a ação indenizatória, ficando reconhecido o direito regressivo contra o terceiro.
Quanto ao estrito cumprimento do dever legal, embora reconhecida naquele regime a causa de exclusão pela justiça criminal, com força de coisa julgada, não se impedia ao juízo cível conhecer do fato, para que se medisse a extensão da agressão ou da conduta lesiva, e se avaliasse o grau de culpa com que o ato tenha sido praticado. De Hélio Tornaghi vinha o ensinamento: “É absolutamente irrelevante no juízo cível que no criminal se haja decidido ter sido o ato danoso praticado no estrito cumprimento do dever legal. Tal circunstância exclui a ilicitude penal, mas não a civil. Nem do art. 159, nem do art. 160 do CC se infere a licitude civil do ato praticado no estrito cumprimento do dever legal. Ao contrário, o que é justo e razoável é que o dano seja ressarcido ou reparado”.52 Recorda-se que os artigos 159 e 169 mencionados correspondem aos arts. 186 e 388 do atual Código Civil.
32.7. INTERESSES POSITIVOS E INTERESSES NEGATIVOS
Dois dispositivos do Código Civil redundam em grande importância prática: o art. 389, firmando que, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários advocatícios; e o art. 402, ordenando que, salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente se deixou de lucrar.
Constituem disposições que se exteriorizam nas perdas e danos emergentes e no lucro cessante, matéria já observada. Os danos emergentes correspondem à efetiva diminuição patrimonial. Os cessantes equivalem ao lucro que deixou de agregar-se ao patrimônio do lesado. No primeiro caso, temos as perdas e danos negativas, ou interesses negativos, enquanto no segundo situam-se as perdas e danos positivas, ou interesses positivos.
Negativos os danos porque há um desfalque do patrimônio existente. No contrato, deriva do não ingresso da prestação prometida, como no financiamento; do desfalque do patrimônio em vista do incumprimento ou da lesão ao patrimônio; das despesas que acarreta para o credor a mora. Já se consideram positivos se deixou de aumentar o capital, anotando Ruy Rosado Aguiar Júnior: “O interesse positivo é o interesse de cumprimento; corresponde ao aumento que o patrimônio do credor teria experimentado se o contrato tivesse sido cumprido. É o acréscimo que o contratante, caso fosse cumprido, auferiria com o valor da prestação, descontado o valor da contraprestação, e mais a vantagem decorrente da disponibilidade desse acréscimo, desde o dia previsto para o cumprimento até o da indenização. O que o contraente ou pré-contraente deixou de ganhar também é indenizado. Toma-se por base, por exemplo, o que valeria no momento da prestação da indenização, o bem a ser prestado”.53
Esta segunda modalidade de perdas e danos envolve uma dimensão vasta. Sob outra ótica, mas aplicável à espécie, Araken de Assis aponta exemplos: “A egrégia 7ª Câmara Cível do TARGS, na Ap. Cív. nº 192081966, julgada em 10.06.1992, de que foi Relator o eminente juiz Dall’Agnol Júnior, assentou que a indenização abrange interesses positivos, ‘entre esses situando-se a eventual valorização do imóvel entre a data do negócio e a em que se deveria cumprir a prestação’, ou seja, como a Câmara esclareceu na Ap. Cív. nº 192138121, de 16.12.1992, em que foi Relator o eminente juiz Flávio Pâncaro da Silva, ‘a diferença entre o que se pagou, devolvido com correção, e a valorização real do imóvel’. Em outra oportunidade, a mesma Câmara concedeu o ‘aumento do patrimônio do lesado, se tivesse ocorrido o cumprimento’ (Ap. Cív. nº 192.111.615, 01.07.1992, Rel. juiz Dall’Agnol Júnior)”.54
Aspectos esses de suma importância. Os bens, no curso do tempo, adquirem uma mais-valia, ou valorizam em vista de várias circunstâncias. Efetuando-se o pagamento de um imóvel representado em uma quota ideal de uma incorporação imobiliária, adquirido, como se diz, na planta, e inviabilizando-se a construção, não resta o adquirente apenas com a restituição do dinheiro que pagou. Procura-se ver a estimativa da fração adquirida no mercado. A restituição terá em conta o valor do imóvel no mercado. Proporcional ou percentualmente ao montante pago, sobre a estimativa do imóvel pronto, é que se indenizará pelo incumprimento. Numa representação comercial, a simples resolução antes do prazo importa em indenizar o que deixara de ganhar o representante. Assim foi decidido: “A paralisação de atividade da empresa representada, resultando em rescisão unilateral do contrato de representação comercial, enseja ao representante direito à indenização, por não configurar motivo de força maior capaz de justificar o descumprimento”.55
Nenhum comentário:
Postar um comentário