26.1. DEFINIÇÃO E UTILIDADE DA COMPENSAÇÃO
Está-se diante de um instituto de grande importância nos mais diversos setores da vida, utilizável em todos os ramos do direito, e seguidamente invocado, mas provocando graves controvérsias na aplicação prática.
Em princípio, afigura-se profundamente injusto cobrar de alguém se a pessoa possui créditos a receber. Por isso, assinalava Pothier, “la equidad de la compensación es evidente; y queda establecida por el interés común de las partes entre quienes se hace la compensación”.1 Há implicação direta com o disposto no art. 476 do Código Civil: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Efetivamente, como insistir no cumprimento se a própria pessoa credora está devendo? É claro que o dispositivo acima se restringe às relações decorrentes do contrato que as pessoas celebraram, enquanto a compensação se estende a quaisquer obrigações, não importando de qual contrato derivaram. De qualquer forma, há uma incongruência procurar que alguém pague, se a pessoa está devendo. Lembrava Luiz da Cunha Gonçalves: “Não é justo que uma pessoa tenha de pagar o seu débito a quem não lhe paga o seu crédito, de igual ou superior importância. Dolo facit qui petit quod redditurus est, diziam os romanos”.2
Antes de entrar no aspecto crítico do assunto, no entanto, impõe-se que se apresente o instituto, na sua conceituação jurídica. De início, insta saber que há duas pessoas, as quais têm créditos e débitos uma em relação à outra. O binômio credor e devedor inverte-se em devedor e credor. O credor é ao mesmo tempo devedor de seu devedor, e este é credor de seu credor. Há aparente redundância de palavras, mas que, na prática, tal não ocorre, porquanto se tem um crédito a receber e, ao mesmo tempo, deve-se uma obrigação. E para evitar que cada pessoa ingresse com a ação de cobrança, ora figurando como autora e ora como ré, permite o direito que tudo se resolva na mesma relação, ou na mesma ação.
Chega-se a que existem dois créditos e duas obrigações. A compensação extingue os dois créditos e os dois débitos. Define-se a compensação, pois, como o desconto, ou o encontro de contas, que duas pessoas fazem uma em relação à outra, relativamente ao que devem e têm a receber. Duas dívidas reciprocamente se extinguem até a quantia concorrente, acrescentava Francisco de Paula Lacerda de Almeida.3 Ou há o encontro de contas entre pessoas que são simultaneamente devedora e credora uma da outra. Daí, pois, constituir a extinção de duas dívidas contrapostas, que ligam duas pessoas e nas quais cada uma destas é simultaneamente devedora e credora da outra.4
Trata-se de um instituto de grande utilidade, que abrevia o cumprimento das obrigações. Evita uma dupla cobrança, ou o pagamento recíproco. Abrevia a operação da cobrança da quantia menor. Lembra Serpa Lopes: “Na verdade, o instituto da compensação se faz necessário, por duas considerações importantes: em primeiro lugar, o efeito da compensação, extinguindo automaticamente ou por declaração do interessado os dois créditos recíprocos, é salutar no sentido da economia processual. Não há necessidade, para os que se encontram em tal situação, de se valerem de duas ações distintas, com maiores encargos, sem outros resultados práticos. Em segundo lugar, age beneficamente em prol da própria segurança do crédito. Separadas as duas ações, um dos credores-devedores pode se tornar insolvente, após satisfeito no crédito, e acarretar uma situação prejudicial ao outro credor, que ainda teria uma ação, ou mesmo estando com ela em andamento”.5 Oportuno, também, lembrar Euclides de Mesquita: “Pode-se, assim, considerar a compensação um instituto criado para evitar que o devedor que paga tenha que acionar o outro devedor para pagar o que este lhe deve. É a aplicação de um princípio de economia pública, que exige que as trocas sejam realizadas com a menor circulação de moeda. É uma solutio recíproca. É o desconto de uma dívida a outra, até a concorrente quantia”.6
A qualquer setor das obrigações estende-se a compensação. Inclusive com as obrigações das pessoas jurídicas de direito público, porquanto há situações de uma contradição que provoca pasmo e revolta. Enquanto o Estado deve obrigação líquida, certa e exigível, também é credor, como em uma dívida fiscal. No entanto, como está amparado no instituto do precatório, nega-se a compensar. Exige, sem qualquer bom senso, a satisfação de seu crédito, sustentando que o cumprimento do que deve há de seguir a lei, com o ingresso do montante em orçamento, para pagar na época prevista. No entanto, se possível de execução pelo precatório, é porque a dívida é já inquestionável, e, assim, exigível.
Quanto ao imposto de relativo à circulação de mercadorias e sobre operações de serviços de transporte e de comunicação – ICMS, entrementes, vem expressa a garantia da compensação, quanto ao valor pago na operação de entrada, estabelecendo o art. 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal: “Será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrando nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
26.2. ELEMENTOS HISTÓRICOS
Provém a compensação de época antiquíssima, ou de período da história em que dominavam os metais como fatores de uso comum para representar o valor das coisas. Não havia a moeda, mas utilizavam-se o bronze, o ferro, a prata, tomando por base o peso para aquilatar o custo de bens que se desejava adquirir. Embora muitos vejam a origem do instituto no verbo pensare, antecedido do prefixo cum, significando “com” e “pesar”, não se encontrando no vernáculo uma origem condizente com o significado, o mais coerente é dar o significado de sopesar, medir, isto é, pender de um lado para outro, conforme o peso do crédito e do débito, até encontrar um equilíbrio. Luis Maria Boffi Boggero, retirando a origem da palavra compensatio nos termos pensare e cum, cita uma frase de Modestino, pela qual os débitos e os créditos são verificados entre si.7
José de Moura Rocha historia a razão do instituto: “Fruto do bom-senso, a compensação surgiu para ser utilizada nas relações entre banqueiros e os seus credores e se constituiu forma de extinção de obrigações recíprocas, total ou parcialmente. Joers apresenta-nos, entre os diversos casos de compensação do direito clássico, a agere cum ompnensatione do banqueiro como sendo a que mais se identifica com a compensação moderna e, para caracterizá-la, nada como que a ilustração oferecida apor Édouard Cuq: ‘La balance des sommes deux personnes se deivent réciproquement’, calcando-se evidentemente em Modestino: ‘Compensatio est debit et crediti inter se contributio’ (Édouard Cuq, les Institutions Juridiques Romains, vol. 2, p. 532, onde, igualmente, salienta: ‘Le mot compensation, de pendere cum, éveille l’idée d’une pesée, dúne balance’ (nota 2). Cf. Joers-Kunkel, Derecho Privado Romano, p. 289).”8
De modo que as partes procuram colocar pesos iguais na balança, isto é, um montante em cada lado que se equivalem. Entrega-se o suficiente para cobrir aquilo de que se é devedor, abatendo-se o que se tem a receber. Assim se expressa Luis de Gásperi: “Viene la palabra ‘compensación’ derivada de las latinas pendere cum, de que los romanos se sirvieron para connotar la idea de un balance establecido entre dos deudas recíprocas de la misma naturaleza por virtud del cual cada deudor podía retener lo que por su parte el acreedor le debía, y viceversa, de suerte que, por virtud de esta retención, tuviese lugar una especie de pago ficticio de objeto de dichas deudas hasta donde por su coexistencia ambas se neutralizaran y no se quedase obligado a prestar sino el excedente a favor del que resultase acreedor”.9
Mais tarde, justamente em vista do significado acima, veio a deductio, isto é, o direito de deduzir, reter ou descontar da dívida exigida o montante de que se era credor. Princípio que passou a valer desde tempos antigos, até chegar ao atual estágio, não mais vigorando a propositura de uma ação específica para obter ganho de causa.
26.3. NATUREZA JURÍDICA
Sem dúvida, constitui a compensação um pagamento. Se a pessoa deve e é credora, com o que tem a receber paga aquilo que está pendente. Embora o pagamento envolva toda a obrigação, não há dúvida que, pelo menos em parte, a dívida é extinta. Desaparecendo a mesma, em face do crédito que tem alguém a receber, não resta dúvida quanto ao caráter de pagamento. Aliás, assim está previsto no art. 368 do Código Civil: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Nesta linha, há um duplo pagamento, ou melhor, um pagamento de cada lado das partes envolvidas no contrato. Mutuamente estando a dever e tendo créditos para receber, sua dívida anula-se até o montante de que é credor. De ambos os lados, cessam as obrigações, pelo menos até a importância dos débitos e créditos. Ou extinguem-se até onde concorrem as dívidas com os créditos. É verdade que o pagamento não equivale, aqui, como a transferência de uma importância em dinheiro, em vista da não circulação física de quantias monetárias, ou de bens, mas de anulação ou redução por causa de idêntico ou parecido crédito que tem o devedor. Não entrega o devedor uma importância determinada. Porque tem a receber, ele retém a importância que lhe é devida.
Mantém-se clara a colocação de Carvalho Santos: “O próprio credor se paga deixando de pagar o que deve ao seu devedor. A compensação evita, realmente, o pagamento..., mas apenas no sentido de dispensá-lo seja feito pelo próprio devedor, precisamente porque o credor já foi pago por outra forma, estabelecida na lei”.10
Há, no entanto, certa corrente sustentando a natureza de garantia de pagamento, lembrando Euclides de Mesquita: “De qualquer maneira, defrontam-se duas ordens de pensamento; de um lado, as legislações que consideram a compensação como um modo de extinção das obrigações, sendo a medida um simples pagamento forçado, e de outro, a ideia de que a compensação é um privilégio outorgado ao credor, antes uma garantia que um pagamento, ou como diz Mazeaud – ‘les droits modernes qui ont suivi le Code Allemand se sont ralliés au systéme intemédiare de Bartole. La compensation est considerée comme une garantie’”.11
26.4. ESPÉCIES
Três as espécies em que se desdobra a compensação, o que vem desde a sua formação: a legal, a convencional e a judicial.
A primeira, como o nome indica, decorre da lei, sendo irrelevante a vontade das partes. A recusa injustificada não afasta o direito. No entanto, não é possível impô-la se não preenchidos os requisitos de lei, conforme será observado adiante. Nem cabe ao juiz determiná-la de ofício, sendo óbvia a manifestação de iniciativa do interessado. Constitui a espécie regulada pelo Código Civil.
A segunda, também chamada de contratual ou convencional, tem origem na vontade ou no assentimento das partes. Há uma convenção, uma disposição mútua, o que lhe dá o caráter de facultativa, porquanto não obrigatória. Pouco interfere, aqui, a sentença do juiz, a não ser que, uma vez estabelecida por mútuo consenso, nega-se um dos evolvidos ao seu cumprimento. Aduz, quando à validade, Karl Larenz: “Para la validez de este contrato de compensación sólo se requiere que ambos créditos existan y vayan dirigidos a la obtención de prestaciones homogéneas, y que cada parte contratante pueda disponer del crédito que ofrece en compensación (por tanto, no es necesario que sea acreedora”.12
Finalmente, há aquela judicial, ou ordenada judicialmente, mas em vista de uma previsão legal. Distingue-se da legal porque ordenada pelo juiz, mas não deixa de enquadrar-se naquela. Normalmente, alega-se na reconvenção o crédito, postulandose o abatimento da dívida que julga procedente uma ação.
De outro lado, em consonância com o direito vigente, unicamente as prestações fungíveis podem compensar-se. Não há direito em estender o direito em contratos que envolvem bens que não se apresentam da mesma espécie, qualidade e quantidade, lembrando, porém, quanto à quantidade, que não se coloca como impedimento ao direito. Nas obrigações de fazer e não fazer, fica excluído o direito.
26.5. REQUISITOS
Considerando que a regulamentação diz respeito à compensação legal, unicamente para esta restringem-se as condições exigidas para o seu reconhecimento. Quanto à voluntária ou convencional (contratual), vale o que as partes convencionam, posto envolver um ato de disposição das mesmas.
Há os que as dividem em subjetivas e objetivas, mas sem maior relevância prática. Importa analisar o que se requer para o reconhecimento, nada trazendo de útil a divisão em classes. Por isso, examinam-se os requisitos de modo geral. O art. 369 oferece uma visão geral de como devem ser as dívidas: “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Percebem-se aí vários requisitos, que serão estudados individualmente, que já vinham no direito antigo, como resume José de Moura Rocha:
“Com o advento do Código Civil (de 1916), consolidou-se o princípio da compensação legal, e há de se ter presente para produzir os seus efeitos:
a) Reciprocidade das obrigações;
b) Que sejam fungíveis;
c) Que sejam líquidas e certas.”13
O primeiro requisito, e que antecede os do dispositivo referido, está na reciprocidade das obrigações, ou seja, a compensação se realiza entre créditos e débitos que envolvem as mesmas pessoas. É exigência primária que assim seja. Mostra-se inconcebível que créditos de terceiros sejam devolvidos. Há duas pessoas, cada uma das quais aparecendo como credora e devedora, no que se coaduna com a redação do art. 368: as duas pessoas são ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra.
Em segundo lugar, aparece a liquidez das obrigações. Unicamente as dívidas perfeitamente calculadas, com o montante devidamente indicado e certo, é que se sujeitam à compensação. Além de determinada a importância da prestação, não depende de termo ou condição, e muito menos está sujeita a controvérsias. Efetivamente, como pretender que se anulem através da compensação dívidas não calculadas ou dependentes de perícia, de provas, de consistência? Nesta ótica pronunciou-se a jurisprudência: “A compensação de débitos opera-se entre dívidas líquidas e vencidas. Não se revela possível a compensação de débitos contestados que se encontram pendentes de julgamento. Inteligência do art. 1.010 do CC”.14 Recorda-se que o art. 1.010 corresponde ao art. 369 do atual diploma civil.
Indispensável definir o quantum debeatur. Mesmo que dúvidas não persistem no tocante ao an debeatur, não é aceitável a compensação de dívidas provenientes de honorários advocatícios ou médicos, se dependente o valor de arbitramento. Não é justo que se submeta o devedor, que também possui um crédito, ao aguardo da liquidação através de cálculo ou perícia.
A obrigação líquida é a definida, determinada, estabelecida em um montante fixo e calculado. Não cabe mais perquirir sobre a sua existência, ou contestá-la, porquanto ou as partes aquiesceram sobre a sua certeza, ou está ela estabelecida e fixada na lei, ou em decisão judicial veio consolidada.
Não se pense que a mera contestação retira a liquidez. Para alcançar este efeito, impende que a oposição da outra parte tenha procedência, ou venha a merecer reconhecimento pelo juiz. Não admitida como válida, a simples colocação de dúvidas não terá alcance algum.
Aparece, seguindo, a exigibilidade da dívida, no sentido de encontrar-se vencida, livre e incondicionada. Pode ser reclamada a qualquer tempo, posto que já atingiu o termo da exigibilidade, não dependente de uma condição suspensiva, nem estando prescrita, e muito menos encontrando-se sujeita a limitações. Se condicional, ou dependente de um evento para ser reclamada com sucesso, já carece de exigibilidade.
Indo adiante, temos a fungibilidade. Efetua-se a compensação entre dívidas que abrangem coisas fungíveis, ou aquelas mercadorias que são apreciadas e consideradas pela massa quantitativa, de fácil substituição por outras. Apresentam-se fungíveis entre si, isto é, umas substituíveis pelas outras, sem desvirtuar sua natureza e qualidade. O art. 370 vem em socorro a esse entendimento: “Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato”. Tendo qualidade diferente, as prestações diferem entre si, apresentando-se com corpo certo, ou cada uma revelando a sua individualidade. Diferem no seu valor, eis que alterada a composição. Mesmo que idêntico o gênero, e assim quanto, v.g., a animais da mesma raça, impossível pretender a compensação se variável substancialmente a idade, a ponto de um ser imprestável para a procriação. Com mais razão se diferentes as raças, e assim com outros seres e coisas. Obrigando-se uma pessoa a entregar uma quantidade de cereal, como arroz, ou soja, ou trigo, não pode pretender que seja compensado com idêntico produto de que é credor, se este de qualidade superior, ou com um menor grau de umidade. De sorte que são elementos indicativos da inviabilidade de compensação as diferenças de qualidade, procedência, fabricação, raça, cor, idade, período de duração, que, geralmente, aparecem nos contratos. Mostram-se precavidas as pessoas em bem colocar a especialidade dos bens objeto de contratos, o que se acentua na medida em que avança a técnica e maior se torna a concorrência.
Com mais ênfase impede-se a compensação quando as obrigações que ligam os contratantes são dívidas de dinheiro, mas estabelecidas em moedas diferentes. Assim quanto ao dinheiro brasileiro e ao dos Estados Unidos, porquanto evidente a diferença de cotação ou poder de aquisição entre um e outro.
Reclama-se, também, que as dívidas venham definidas quanto à determinação de seu objeto, ou que se especifique qual a coisa devida. Ambos os contratantes indicam a obrigação, não se requerendo a indicação por atos específicos. Neste sentido, parece incogitável a compensação se há pluralidade de obrigações, cabendo a escolha de uma delas, ou nas obrigações alternativas. Enquanto não apontada qual deve ser cumprida, não cabe exigir que se compense com outra que o credor deve. Como a compensação requer coisas do mesmo gênero, as indeterminadas, e assim as fungíveis, ou substituíveis umas por outras, uma vez que se dê a determinação da coisa, com a sua especificação, se lhe empresta uma individualidade própria. Efetuada a escolha, a coisa perde a qualidade de indeterminada, e torna-se corpo certo. O mesmo ocorre se a escolha pertence a um dos credores, posto que, uma vez efetuada, opera-se a determinação, passando a ser corpo certo. Se cabe a um dos credores a escolha, é porque assim ficou previsto pelos contratantes, ou porque convencionaram a respeito, levando a compensação ao plano facultativo, e dirigida segundo a vontade das partes.
Por último, existe a homogeneidade, no sentido de poderem os respectivos objetos se confundir, se misturar. Há as mesmas coisas, e assim compensa-se dívida de dinheiro com outra também de dinheiro, ou a de um cereal específico com outro igual. Nesta parte, aliás, ingressa-se na fungibilidade, que abrange aquela.
26.6. OBRIGAÇÕES INCOMPENSÁVEIS
É claro que as obrigações que não preenchem os requisitos acima abordados não se submetem à compensação. Torna-se complexa uma discriminação, pois imporia uma nomeação extensa, dificilmente alcançável. Sempre ficaria uma de fora ou uma nova apareceria.
Não são compensáveis as prestações de coisas incertas, o que constava expressamente assinalado no art. 1.012 do Código de 1916. Isto desde que a escolha pertencesse aos dois credores, ou a um deles como devedor de uma das obrigações e credor da outra.
Salienta-se que as coisas incertas equivalem a coisas indeterminadas, as quais admitem a compensabilidade unicamente quando do mesmo gênero. É que aí equivalem a coisas fungíveis.
Não cabe a compensação quando a escolha couber ou aos dois credores, ou a um deles, como devedor de uma das obrigações e credor da outra. Nas prestações de coisas indeterminadas, a escolha é atribuível ao devedor, em princípio, e, mais raramente, ao credor. Todavia, em se tratando de obrigações recíprocas, quando fica determinada a obrigação, ou a mesma vem a ser individuada, não mais perdura a indeterminação. Torna-se prestação de uma coisa certa, de um corpo definido, e aí não cabe a compensação. Observava Carvalho Santos: “A razão é óbvia: com a escolha que o credor terá de fazer, antes de iniciar a ação de cobrança, a obrigação perde a sua qualidade de indeterminada, tornando-se de corpo certo e determinado, o que impossibilita... a compensação legal. Exemplificamos: ‘Joaquim’ aciona ‘Pedro’ para conseguir o cavalo ‘Sargento’, que havia escolhido, de acordo com o contrato. ‘Pedro’, a seu turno, poderia escolher outro cavalo determinado, por exemplo o ‘Mossoró’, a fim de escapar da compensação. Vale dizer: ficaria ao arbítrio de ‘Pedro’ escolher o mesmo cavalo ‘Sargento’ para se operar a compensação, que já não seria, por isso mesmo, necessária, mas apenas facultativa”.15
Todavia, se couber aos dois devedores a escolha, e mantendo-se indeterminadas as coisas, é admitida a compensação. Tanto ocorre se a uma pessoa incumbe eleger um cavalo indeterminado, e ao outro devedor também assegurar-se idêntica escolha. Como aos dois devedores reconhece-se a opção por um animal indeterminado, sendo um devedor do outro, aquele que for acionado para cumprir a avença pode colocar como óbice a oferta do animal indeterminado.
Pertencendo aos dois credores a escolha, não há compensação porque fica determinada a obrigação. Ou quando ambas as partes afiguram-se como credores uma da outra, e exercendo a opção passam a ser determinadas as coisas, não cabe a compensação. Todavia, podem opor a compensação se elas se colocam entre si como devedoras.
Mais particularidades importam ser analisadas.
De acordo com primeira parte do art. 371, “o devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever...”. Foi decidido: “Para que se possibilite a compensação, é mister, dentre outros pressupostos, a reciprocidade das obrigações. O devedor poderá compensar com o credor apenas o que este lhe dever”. Nem a dívida da sociedade a que pertence com o crédito que possui, segue o decisum: “Eis por que não se pode compensar o débito de uma sociedade dotada de personalidade jurídica com o crédito de um dos sócios; não são as mesmas as pessoas; não se pode compensar a dívida do tutor com o crédito do tutelado; nem a do representante com o crédito do representado”.16
Fica, pois, a compensação entre o débito e o crédito, até onde se equivalem, do credor e do devedor.
A diferença de causa ou da origem da dívida não impede a compensação. Não interessa se a pessoa deve em virtude de uma prestação de serviços, ou da compra de uma mercadoria. Há, no entanto, exceções. Alguns tipos de dívidas não se sujeitam à compensação. O art. 373 fornece a discriminação:
“A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:
I – se provier de esbulho, furto ou roubo;
II – se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;
III – se uma for de coisa não suscetível de penhora”.
A origem especial de certas obrigações não aconselha a compensação. Ensejaria, como nas hipóteses do inciso I, a prática de atos ilícitos. As pessoas praticariam alguns delitos com a finalidade de compensar os créditos que possuem junto às vítimas dos delitos. Se admitida a compensação na dívida originada de furto, abrir-se-ia o caminho para a prática do delito. Furtar-se-ia junto ao devedor, cujo produto abateria o montante da dívida que o autor do delito tem a receber perante ele. Indiretamente chegar-se-ia a tal situação. De outro lado, aduz Karl Larenz: “Porque el que dolosamente causa un daño a otro no puede quedar libre tan fácilmente compensando con un crédito suyo propio, quizá incobrable de otra forma”.17
Já no inciso II, impossível a compensação quando a dívida decorreu de comodato, depósito ou alimentos. Máxime quanto às dívidas provenientes do contrato de depósito e de alimentos. No primeiro, verificada uma quebra da confiança, importaria em desconsiderar tamanha desonestidade. No caso de alimentos, não esquecendo a fixação em vista do próprio direito à subsistência, enfraqueceria a exigibilidade, e prestar-se-ia a inúmeras falcatruas, constrangendo, v.g., a parte necessitada a reconhecer dívidas, ficando sem a garantia do sustento no futuro. Colaciona-se a fundamentação de Colmo: “Lo incompensable de la deuda de alimentos responde a lo indispensable de ésta... Primum vivere! Sería extraordinario que quien deba prestarme alimentos me saliera con que compensa esa obligación con la que yo le debo por un servicio prestado o por una adquisición cualquiera, y me dejara así morir de hambre”.18
Pelo inciso III, se não autoriza a penhora sobre o bem dado em pagamento, equivale a não corresponder a compensação ao pagamento. Como é a constrição dos bens, com a sua posterior alienação, que realiza o pagamento, está claro que, impedida a penhora, não enseja a realização do numerário para ensejar o pagamento, e, assim, a extinção da obrigação. Nesta ordem, não tem força legal a compensação que envolve bens impenhoráveis, como os indicados no art. 833 do Código de Processo Civil, na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXVI), e na Lei nº 8.009, de 1990, destacando-se, dentre outros, os inalienáveis, os salários ou vencimentos, os instrumentos de trabalho, as pensões, a pequena propriedade rural desde que trabalhada pela família, o imóvel residencial e os bens e os móveis que guarnecem a casa.
O art. 375 traz outras causas de impossibilidade de compensação: “Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de um delas”. Ou seja, há mútuo acordo ou renúncia prévia se operada qualquer uma das hipóteses antes da compensação. Verifica-se quando da constituição da dívida, ou depois, mas antes de celebrar-se a compensação. Por interessar exclusivamente aos particulares, admite-se a renúncia. No entanto, se celebrado o acordo depois de já efetuada a compensação, é legítima a procura da obstaculização dos efeitos.
O art. 374 estendia as disposições do Código Civil à compensação das dívidas fiscais e parafiscais: “A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste Capítulo”. O dispositivo, no entanto, restou revogado pela Lei nº 10.677, de 22.05.2003, pois inadmissível que o Código Civil disciplinasse assunto de cunho tributário, interferindo, pois, em campo alheio, quando o tratamento é específico.
O art. 1.017 do Código revogado, em redação compatível aos regramentos próprios, inviabilizava, em princípio, a compensação sem lei que autorizasse: “As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda”.
A matéria envolve assunto de profunda importância. O mero fato de o particular ser credor da União, do Estado ou dos Municípios, e ao mesmo tempo devedor, não autoriza a procurar a compensação. Para tanto, necessária a existência de lei especial, autorizando o dito direito.
Na prática, porém, especialmente as legislações dos Estados, quanto ao ICMS e até ao IPI, havendo crédito tributário, sempre é permitida a compensação, nas operações de saída, o que, aliás, permitem, respectivamente, o art. 155, § 2º, inciso I, e o art. 153, § 3º, II, da Carta Magna Federal. Do contrário, restaria ofendido o princípio da não cumulatividade. O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966), no art. 170, já assegurava a autorização para a lei estabelecer a compensação de “créditos tributários com os créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”. Ficou decidido: “A compensação de tributos pressupõe a existência de crédito reconhecido pela Administração ou por via judicial. Nesta hipótese, pode-se pleiteá-la desde logo ou pedir a repetição de indébito, utilizando a sentença como título comprobatório do crédito”. Adiante, com base em lição de Hugo de Brito Machado: “A compensação a que alude o art. 170, do CTN, pressupõe a existência de crédito tributário. Pressupõe, em outras palavras, lançamento já consumado... A compensação, portanto, pressupõe existência de crédito reconhecido pela administração ou por via judicial”. Como por via judicial? Quando há sentença que declare indevido o imposto, segue o acórdão: “Se o pagamento indevido decorre da inconstitucionalidade da lei, só pode ser compensado através de sentença judicial. Pode tanto pedir a declaração do indébito, utilizando a sentença como título comprobatório do crédito, como, desde logo, pleitear a compensação, hipótese em que se deverá examinar se há incompatibilidade da exação com a Constituição e se estão preenchidos os requisitos para o exercício de seu direito”.19
A abordagem acima tem em vista as dívidas fiscais. Se existente lei, não se coíbe a compensação de dívidas fiscais com as do Estado de natureza diferente. Sobre a matéria, eis a manifestação do Superior Tribunal de Justiça: “A compensação tributária pressupõe o confronto de débito e crédito provenientes de tributos da mesma espécie. A jurisprudência do STJ é contrária à compensação entre créditos e débitos provenientes, respectivamente, de Finsocial e Cofins (RMS nº 4.035-6/DF)”.20
Sacha Calmon Navarro Coêlho, um dos maiores tributaristas nacionais, sintetiza as condições para a compensação em geral:
“a) Quaisquer créditos do sujeito passivo desde que líquidos e certos, cambiariformes ou contratuais, devidamente registrados, podem ser compensados com os créditos fiscais da Fazenda Pública;
b) O dispositivo do CTN permite a compensação de créditos vencidos ou vincendos, descontada a inflação, nunca porém em percentual superior a 1% ao mês, o que inviabiliza atualmente o instituto quanto a créditos vincendos;
c) A compensação não pode ser feita à falta de lei específica federal, estadual ou municipal, em razão da autonomia dos entes políticos que convivem na Federação. O CTN, já vimos, é lex legum;
d) O legislador ordinário é que fixará as condições e as garantias sob as quais os créditos serão compensados, por intermédio de leis em sentido formal e material”.21
O art. 380 do Código Civil não admite a compensação se resultar em prejuízo a terceiros: “Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia”.
Em termos objetivos, uma vez ingressando alguém com uma execução contra uma pessoa que tem um crédito a receber, e efetuada a penhora sobre este crédito, quem o deve não pode pretender uma compensação de tal crédito com o crédito que tem a receber junto ao seu credor. Se o terceiro fez a penhora sobre o crédito, ao devedor deste não é permitido que se exima de pagar porque ele também possui um crédito perante o mesmo credor, o que permitiria a compensação. Uma vez incidente a penhora sobre o crédito, não cabe a compensação com o valor que o credor deve ao seu devedor. Ocorre que se restringe a compensação unicamente às pessoas reciprocamente credora e devedora uma da outra, e por direito próprio. Se admitida a compensação, o terceiro restaria prejudicado, pois, provavelmente, não teria cobertura de seu crédito, e desde que a constrição para dar amparo ao pagamento envolva o mesmo crédito. Em síntese, penhorado o crédito na relação de dívida para outrem, impossível a compensação entre outras duas pessoas.
Em negócios de promessa de compra e venda também se aplica a regra, desde que penhorados os direitos creditórios do promitente vendedor, proibida a utilização dos valores a serem percebidos nas prestações para compensar eventuais dívidas do mesmo promitente vendedor junto ao promitente comprador.
O art. 376 revela mais um caso de incompensabilidade: “Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever”. Numa outra redação, poder-se-ia escrever: “Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com aquela que o credor do terceiro deve a essa pessoa”. Na vigência do Código de 1916, era criticado o então correspondente art. 1.019, que ficou reproduzido no vigente art. 376, por estabelecer uma hipótese regrada no art. 1.013, cuja redação está repetida no art. 371 do Código de 2002. No entanto, denota-se coerência na sua existência, malgrado a deficiência de redação, porquanto não apenas através de fiança (que consta no vigente art. 371) alguém se obriga para com terceiro. Parece válido o contrato pelo qual uma pessoa assume o pagamento de dívida junto a terceiro, sem a incidência das regras da fiança. No caso, por vários fatores, admite-se que alguém se comprometa a favor de terceiro, como um negócio subjacente, no qual se acerta que parte do preço, numa compra e venda, destina-se ao pagamento de prestações pendentes junto a outra pessoa, podendo o atraso comprometer o objeto do negócio subjacente. Há, pois, uma pessoa com prestações pendentes de satisfação. Recebe esta o preço parte em valor monetário, e parte através da satisfação das prestações em aberto. Junto ao credor destas prestações, compromete-se a pessoa ao pagamento. Não pode, no entanto, perante o credor das prestações, ou o terceiro, compensar, nas prestações devidas por aquele que lhe vendeu o bem através do negócio subjacente, a dívida que lhe deve o credor das referidas prestações.
No caso da fiança, como se verá, ao fiador é permitido compensar sua dívida com a de seu credor que deve ao afiançado. Por conseguinte, é favorável a situação do fiador, relativamente ao disposto no art. 376. Mediante este dispositivo, quem assume o compromisso de satisfazer obrigação alheia, indo realizar o pagamento ao credor, e se dele também é credor, veda-se que imponha a compensação entre o que paga e aquilo que tem a receber junto ao credor. Este o entendimento sempre atual de Serpa Lopes, que ilustra a situação com o exemplo de um seguro, feito por uma pessoa em favor de outra: “Destarte, se ‘A’ contrata com ‘B’ um seguro em favor de ‘C’, e se, ocorrido o sinistro, ‘B’ (segurador) é neste momento credor de ‘A’ (estipulante), não pode compensar o seu débito para com ‘C’ com o seu crédito em relação a ‘A’ (estipulante)”.22
Parece que incidia em equívoco de Carvalho Santos, quando dizia que a compensação é vedada quanto ao crédito que possui a pessoa que paga junto àquela em favor de quem paga, ilustrando com o seguinte exemplo: “José” contrata com “Pedro” pagar a “Antônio” certa quantia em dinheiro. “José” é, por sua vez, credor de “Pedro”. Claro que “José” não pode compensar a sua dívida para com “Antônio” com o crédito que tem contra “Pedro”.23 Já se “Antônio” fosse devedor de “José”, outra a solução, eis que presente a reciprocidade, isto é, a relação é apenas entre devedor e credor, o que sequer merece discussão. No entanto, mais coerente é a impossibilidade de compensação do crédito que tem o que paga junto ao credor do terceiro. O que não afasta a interpretação de Carvalho Santos, que fazia parte de uma corrente de doutrinadores com idêntica tese, no sentido de também, e concomitantemente, se impedir a compensação entre o crédito em favor da pessoa que paga perante a qual em cujo benefício é satisfeita a dívida.
As dívidas de salário também impedem a compensação. Ou seja, não vale a compensação que envolve salários, ou vencimentos, ou a remuneração pelo desempenho de uma atividade que representa a fonte de sustento da pessoa. Mesmo que se trate de dívida decorrente de prejuízo causado pelo empregado ao empregador, exceto se houver acordo ou se derivar de ato criminoso, como furto, apropriação indébita, não é possível permitir a compensação. Veja-se, exemplificativamente, o art. 462 da Consolidação das Leis Trabalhistas: “Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”. O § 1º: “Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado”. Se não permitido o desconto, com maior razão impede-se a compensação, tanto que o salário será pago em moeda, conforme art. 463 da mesma Consolidação: “A prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente do país”. No entanto, não se estende a proibição na prestação de serviços sem vínculo empregatício: “Reconhecendo o acórdão recorrido que serviços foram executados pela recorrente, tal como explicitado pelas próprias recorridas em contrarrazões ao recurso de apelação, impõe-se o provimento, em parte, do especial, para que seja o valor de tais serviços compensado na execução, para restabelecer a dignidade malferida do art. 1.241 do Código Civil”.24 O art. 1.241 citado equivale ao art. 614 do atual Código Civil.
As obrigações de fazer, em princípio, ficam fora da compensação. Observa-se que há as obrigações de fazer fungíveis (suscetíveis de serem realizadas por outrem) e as infungíveis (realizáveis apenas por aquele que se comprometeu, como uma obra de arte). Quanto às primeiras, embora o art. 369 refira que a compensação se dá entre coisas fungíveis, a prática revela que nada impossibilita que duas pessoas tenham de prestar serviços de natureza indeterminada, ou sem o cunho pessoal, sem maiores qualidades, sem dotes técnicos e artísticos, com estimativas econômicas equivalentes. Assim, um dos contratantes compromete-se a erguer um prédio, enquanto outro assume uma prestação de dar assessoramento contábil. Na execução, parece que não se pode inviabilizar a compensação na falta de cumprimento, mesmo que não correspondam as obrigações em estimativa econômica. Constitui uma maneira de simplificar a solução de litígios e de impedir graves injustiças, até o valor que se correspondam economicamente, posto que previsível a impossibilidade de se impor a um o cumprimento, seja pela insolvência na conversão em indenização, seja pela perda de aptidões, enquanto esta mesma pessoa que é inadimplente pode reclamar e impor da outra o cumprimento.
Pertinentemente às infungíveis, e não podendo se equivalerem, a doutrina não admite pacificamente a compensação. No entanto, verificado o inadimplemento, converte-se em indenização. O valor apurado é passível de compensar-se com o valor correspondente à prestação não cumprida pela outra parte, que deve ser estimada economicamente.
Algumas referências cabem ao mandato, relativamente à compensação. Proíbe o art. 669 do Código Civil a compensação dos prejuízos que o mandatário provocou com as vantagens que tenha resultado ao mandante: “O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte”. Ocorre que a relação é de representação. Nada entrega o mandatário ao mandante gratuitamente. Pela natureza de sua posição, ele apenas representa. Provocando prejuízos, incumbe-lhe que responda. E de maneira alguma é tolerável que procure compensar os prejuízos a que deu causa com as vantagens resultantes ao representado, pois equivaleria a um proveito sem causa para ele. Acrescentava Serpa Lopes outras situações de impossibilidade de compensar, dentro da relação de mandato: “Além disso, o débito do mandatário para com o terceiro não pode ser compensado com o débito deste para com o mandante, como, do mesmo modo, incompensável é o crédito pessoal de um administrador do patrimônio alheio contra o terceiro com o crédito deste contra a pessoa, cujos bens são objeto de administração, ou do débito do administrador para com o terceiro, como deste para o administrador”.25
26.7. COMPENSAÇÃO E CESSÃO DE CRÉDITOS
É sabido que permitida a cessão de créditos, e, assim, nada obsta a compensação pelo cessionário relativamente às obrigações que tem junto ao devedor. No entanto, para assegurar contra eventuais alegações de inexistência do débito pelo devedor, como no tocante ao pagamento anterior, e mesmo à prescrição, mister se proceda, antes, a notificação deste último. Realmente, o mais importante e indispensável é a notificação para impedir que, depois, o devedor venha a apresentar exceções quando procurado pelo cessionário, e se exima do pagamento. O art. 377 sintetiza a contento a regra: “O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão não lhe tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário a compensação do crédito que antes tinha contra o cedente”.
Pelo art. 290, a eficácia da cessão depende de comunicação ao devedor. A validade estabelecida quer significar a possibilidade de se tornar sem efeito se o devedor trouxer e provar alguma invalidade do próprio crédito. Eis seu conteúdo: “A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”.
Em suma, não se traz objeções à cessão desprovida da antecedente comunicação. Unicamente corre o cessionário o risco de valerem as exceções que forem aventadas e provadas pelo devedor. Caso cientificado, e nada opondo, tem-se como renunciado o direito à exceção.
Por conseguinte, é importante que a notificação se revele válida, e se conceda, inclusive, um prazo, para a manifestação – prazo não exíguo, mas dilatado o suficiente para a manifestação, podendo ser de quinze dias, ou algum outro assegurado por leis em situações semelhantes. Não basta a simples cientificação e, em seguida, consumar a transferência.
Em suma, suprimido o ato do aviso prévio, o cessionário corre o risco de sofrer impugnação quando da cobrança, por revelar o devedor créditos que tem a receber perante o antigo titular dos direitos transferidos, ou porque já tinha satisfeito os débitos.
26.8. COMPENSAÇÃO EM DÍVIDAS SOLIDÁRIAS
Os devedores devem solidariamente. Junto a qualquer deles habilita-se o credor ao recebimento. Nada impede a compensação com os créditos de qualquer dos devedores, embora omisso o atual Código a respeito da matéria. No entanto, rege-se a matéria pelas regras que disciplina a solidariedade. Se junto a qualquer dos devedores autoriza-se a busca do crédito, razoável a inteligência que admite a faculdade de qualquer deles buscar a satisfação da dívida, porquanto lhe é assegurado efetuar o pagamento.
Unicamente até o montante do crédito do devedor solidário perante o credor é possível a compensação nas dívidas solidárias. Mas se o devedor tem a receber um montante que compreende o total da dívida comum, resta assegurado o direito em compensar a totalidade da obrigação, embora resultem favorecidos todos os devedores, junto aos quais se faculta, após, o direito de regressar para receber a parte que aos mesmos cabia pagar.
Todavia, se outro codevedor tem crédito a receber, admite-se a compensação deste crédito junto ao credor que aciona aquele que é escolhido para pagar. Portanto, se um dos devedores é procurado para saldar a dívida comum, em parte ou totalmente, àquele que paga, assegura-se o direito de aproveitar o crédito que possui um outro codevedor, embora não seja este o convocado para pagar. Acontece que, parafraseando Mário Júlio de Almeida Costa, “um crédito ou débito solidário não pertence apenas a um dos cocredores ou codevedores”.26
Há um limite neste aproveitamento: até o montante do valor que tem a receber o mesmo codevedor, e, se ultrapassar a quota que lhe cabe na divisão, até a porção de que é responsável na dívida comum. Apenas até aí se extingue a dívida do credor, perdurando a obrigação no que exceder.
O art. 1.020 do Código revogado tratava do assunto: “O devedor solidário só pode compensar com o credor o que este deve ao seu coobrigado, até o equivalente da parte deste na dívida comum”.
A omissão pelo vigente estatuto deve-se à circunstância de que a matéria é própria da solidariedade.
26.9. COMPENSAÇÃO PELO FIADOR COM O CRÉDITO DO AFIANÇADO
Como assinalava Clóvis Beviláqua, “apesar de exigir-se que a compensação se oferece por direito próprio, contudo é admissível que o garante de uma dívida oponha compensação, ao credor que o persegue, com o que esse mesmo credor deve ao seu afiançado”.27 Haveria uma grave injustiça se negado ao fiador o direito de compensar, perante o credor que o aciona, o crédito que tem a receber a pessoa em favor da qual assinou a garantia. O art. 371 é expresso a respeito: “O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever; mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado”.
Não cabe, pois, ao credor se opor à compensação. Como ele era obrigado a ter um encontro de contas com o devedor, transfere-se essa cominação ao fiador. Aliás, pelo instituto da fiança admite-se que o fiador oponha todas as exceções pessoais e defesas asseguradas ao devedor principal, inerentes à dívida. Este direito abrange a compensação, que não poderia ficar de fora pelo fato de restringir a regra geral a compensação entre devedor e credor. Todavia, parece natural que o montante que tem o devedor a receber não será objeto de discussão entre o credor e o fiador. Se o montante da compensação não atingiu a totalidade entendida correta pelo devedor, posteriormente este deve procurar acertar-se com o credor. Inviável que se imponha uma contenda entre o garante e aquele que o aciona, em razão de divergências opostas pela pessoa em favor da qual o terceiro satisfaz a obrigação.
Isto a menos que o fiador promova a discussão. Quanto maior o haver do devedor, maior o benefício do fiador, eis que se reduz a sua obrigação. De sorte que perfeitamente justo se discutam os valores possíveis de compensação, não aceitando tacitamente aqueles oferecidos pelo credor.
Inclusive os próprios créditos que o fiador tiver junto ao credor do devedor principal são suscetíveis de compensação. Seria desconexo permitir a compensação do crédito do devedor principal e impedir a compensação do crédito do próprio fiador. Entrementes, não há previsão legal para o devedor principal compensar seu débito com o que o seu credor deve ao seu fiador. Uma terceira pessoa ingressaria na relação. Ocorre que, se o fiador responde pela obrigação do afiançado, tal acontece por favor. Inadmissível que se estendam os direitos àquele que recebe um favor.
Incabível, porém, a compensação de dívidas que o credor mantém junto a cofiadores, com o crédito que busca junto a um outro fiador do devedor. Expõe Cunha Gonçalves: “Tendo o devedor diversos fiadores, não pode o fiador, que for demandado, alegar a compensação da sua obrigação com o que o credor deve a um dos seus cofiadores; mas, se um dos cofiadores for credor pessoal do credor e conseguir a extinção da obrigação total por meio de compensação com o débito do devedor principal, que lhe era exigido, tal extinção aproveitará aos outros cofiadores, contra o mesmo credor”.28
26.10. EFEITOS DA COMPENSAÇÃO
Vários são os efeitos que trazem a compensação. O principal deles é extinguir não apenas uma obrigação, mas duas, isto é, a do devedor e a do credor, no total ou em parte, ou seja, “até concorrente quantia, se não desiguais, ou totalmente, se são iguais, e isso desde o momento em que começou a mutualidade dos vínculos obrigacionais, independentemente da vontade dos devedores”.29 De Gásperi, com palavras apropriadas, observa: “Ella extingue con fuerza de pago, las dos deudas, hasta donde alcance la menor, desde en tiempo en que ambas comenzaron a coexistir”.30 Realmente, é da natureza do instituto a coexistência de duas dividas, extinguindo-se ambas até a concorrência dos respectivos valores, ou extinguem-se em parte, isto é, até a concorrência da mais fraca.
De outro lado, todas as obrigações acessórias também desaparecem, e assim as fianças, os juros, a cláusula penal, as penhoras, hipotecas e outras garantias. Assim discrimina estas decorrências Euclides de Mesquita: “Cessam imediatamente de correr os juros dos créditos extintos, mesmo que estes créditos produzam juros diferentes, ou que somente um deles o produza. Extinguem-se, com a compensação, os acessórios de cada um dos créditos, como privilégios, hipotecas, fianças, etc.”31
Estão aí os dois efeitos principais, restritos entre credor e devedor, mútua ou reciprocamente considerados.
Em relação aos codevedores solidários, em que qualquer um deles responde pela totalidade da dívida, podendo aquele que efetuar o pagamento forrar-se junto aos demais da quota que lhes cabia, há um tratamento especial, muito justo e oportuno. Consoante já visto, àquele que paga é permitido que compense o crédito porventura existente em favor de um dos coobrigados, até o correspondente da quota-parte deste na dívida comum.
Relativamente a terceiros, a compensação não pode prejudicá-los. Assim, se alguém está obrigado por terceiro, ou assumiu cumprir uma obrigação de terceiro, para um determinado credor, não tem o direito de compensar essa dívida que ele deve pagar com um crédito que possui perante o credor do terceiro – princípio que decorre do art. 376. Segundo uma corrente doutrinária, dando outro alcance ao citado artigo, a pessoa que aceitou pagar uma dívida de terceiro não pode compensar essa dívida com aquela que o credor deve ao terceiro.
Ainda quanto a terceiros, na exegese do art. 377, o devedor não pode opor a compensação à dívida que lhe é cobrada pelo cessionário, se foi notificado da cessão pelo antigo credor, e se nada impugnou, ou não apresentou o crédito que tinha a receber. Decorre daí que, ausente a notificação, junto ao cessionário permanece o direito à compensação.
Finalmente, no que também atinge terceiros, tornando-se o devedor credor de seu credor, ou aquele que passa a ter um crédito perante aquele ao qual deve, não lhe é assegurado reclamar a compensação se o crédito que possui o credor está já penhorado. Deve, então, o devedor pagar ao que penhorou o crédito de seu credor, na forma do art. 380.
26.11. COMPENSAÇÃO NA FALÊNCIA
Resta claro que não se admite a compensação na falência, em prejuízo dos credores. Todavia, não resta inviável, desde que não advenha vantagem a um credor em detrimento dos outros. Entrando em falência um devedor, depois de apurado o ativo e o passivo, com a classificação dos créditos, primeiramente serão satisfeitos os privilegiados, na ordem de preferência estabelecida pela lei, a começar pelos trabalhistas. Mas, se a massa falida igualmente é credora de um credor seu, pode ela exigir o seu crédito, sem o concomitante dever de satisfazer o que lhe deve. Trata-se de um tratamento injusto. Entrementes, se possível a compensação, além de quebrar a ordem sequencial dos privilégios, alvitra-se a possibilidade de fraude, com a criação de dívidas fictícias da massa falida.
Isto quanto às obrigações que se vencerem depois da declaração da falência, e, com mais ênfase, as que se criaram durante o seu curso.
Sobre o assunto, contém o art. 122 da Lei nº 11.101, de 2005: “Compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas do devedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença de falência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil.”
O parágrafo único excepciona os créditos que não se compensam, sendo que alguns sem importar a data do vencimento:
“Não se compensam:
I – os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão por fusão, incorporação, cisão ou morte; ou
II – os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido o estado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraude ou dolo.”
De modo especial, salientam-se os créditos representados por título ao portador, ou sem especificar o beneficiado, e aqueles transferidos ao devedor do falido, em momento já de insolvência, dada a probabilidade de fraude ou conluio entre os envolvidos na transação, com vistas a prejudicar terceiros também credores do falido.
Exige-se mais a equiparação, em qualidade de títulos, das dívidas: “A compensação é admitida pelo art. 46, caput, do Decreto-Lei nº 7.661/45. A compreensão deste artigo deve ser norteada sob o aspecto da massa, sendo esta titular de crédito certo, líquido e exigível, e, quando de sua cobrança, o devedor, também titular de crédito certo, líquido e exigível – seja por força da sentença falimentar, seja por força do vencimento estipulado –, em vez de pagar e após se habilitar, pode exigir a compensação até o limite do crédito da massa, devendo habilitar-se no que exceder, pois a lei não permitiria este tipo de desfalque no patrimônio desta para satisfazer interesse de um credor em detrimento dos demais”.32 O citado art. 46 corresponde ao art. 122 da Lei nº 11.101/2005.
26.12. PRAZO DE FAVOR PARA A SOLUÇÃO DA DÍVIDA E COMPENSAÇÃO
Suponha-se que alguém possui uma dívida junto a uma instituição financeira, a qual tem data prevista para o vencimento. Entrementes, por circunstâncias econômicas drásticas, ou em vista de uma crise no setor em que atua o devedor, como intempéries que dizimam a produção a que se destinou o financiamento, venha o Poder Público a prorrogar o vencimento. Há, pois, uma dilatação do prazo, significando um favor, um benefício, ao devedor.
Se, em virtude de uma indenização por outro fato, a instituição financeira tornar-se devedora de seu financiador-devedor, é óbvio que esta pessoa não fica amparada a pleitear o recebimento de seu crédito, sem compensar a dívida pendente. Embora a prorrogação do prazo decorrente de ato do Estado, a pretensão em receber importa em compensação.
De igual forma caso o credor conceder novo prazo para a satisfação. Vindo este a ser devedor de seu devedor, resta assegurada a compensação, se procurada a pronta satisfação do crédito pelo devedor, embora a dilatação do prazo pelo credor.
Neste rumo orienta o art. 372: “Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a compensação”.
Excepcionado, parece, o direito à compensação imediata ou quando reclama o devedor seu crédito, se a prorrogação foi a título oneroso, isto é, com o pagamento de juros, eis que representa para o credor um negócio lucrativo, recebendo remuneração pelo prazo concedido.
26.13. DESPESAS DECORRENTES DA COMPENSAÇÃO
Procura-se definir a quem compete satisfazer as despesas decorrentes da compensação, especialmente quando residentes em locais diferentes devedor e credor.
Igualmente, quem deve pagar antes, e onde se deve pagar. Surge a probabilidade de controvérsias, posto que ambas as partes se encontram obrigadas e com direitos.
Relativamente à primeira indagação, a quem procura a compensação caber arcar com os encargos. Assim, sendo alguém acionado por uma dívida, e atacando ele com a exceção do seu crédito, deve suportar as despesas para ir ao local onde se procura o pagamento.
No tocante à segunda pergunta, é do devedor cujo vencimento da obrigação antecedeu aquela de seu credor a primazia em buscar o cumprimento. Determina, pois, a antecedência da obrigação de pagar a data do vencimento da dívida.
Por último, onde se deve pagar? A resposta está na especificação da dívida como quesível e como portável. No primeiro caso, o credor é que deve procurar o recebimento. Nele recaem as despesas. No segundo tipo, incumbindo ao devedor procurar o credor, ele suportará as despesas.
Princípios esses que efluem do art. 378: “Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem compensar sem dedução das despesas necessárias à operação”.
26.14. EXISTÊNCIA DE VÁRIAS DÍVIDAS E COMPENSAÇÃO
Na hipótese, existem várias dívidas, cabendo ao devedor escolher aquela que será compensada. Normalmente, optará pela mais antiga, ou pela que revela maiores encargos. O princípio dessume-se do art. 379: “Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação de pagamento”. Ocorre que na imputação de pagamento aponta-se justamente para a possibilidade do devedor escolher a obrigação que deseja satisfazer, ante a existência de vários créditos pretendidos pelo credor. Na hipótese do dispositivo citado, a prerrogativa do devedor é eleger aquela que vai ser compensada por um crédito que tem a receber. Não assiste ao credor qualquer oposição. De nada vale a referência, no contrato, de uma ordem de preferência, já que a matéria é regulada pela lei, máxime se a estipulação consta em contrato de adesão.
Presume-se, mesmo que omissa a manifestação do devedor, que a compensação envolve, antes de tudo, aquelas dívidas que acarretam perigo de alienação de bens determinados. Assim as obrigações garantidas por hipoteca ou penhor, embora, diante da previsão constante no art. 355, que se aplica à hipótese, cumpre se compensem as dívidas vencidas em primeiro lugar. Todavia, já que o art. 379 veio implantado em favor do devedor, o correto é que se tenha em conta a obrigação mais onerosa, ou que importe em alienação imediata do patrimônio.
26.15. MOMENTO DE SE OPERAR A COMPENSAÇÃO
Resta claro que a compensação é invocável quando o credor reclamar o pagamento. Mas, ajuizada a cobrança, ou a exigibilidade do crédito, especialmente a reconvenção é o caminho mais adequado para a sua prevalência. Contrapõe o devedor ao pedido o seu crédito. Observa que igualmente é credor.
Entrementes, é a compensação também um meio de defesa. Assim, serve como exceção invocável em contestação ou embargos.
Realmente, observa-se o conteúdo da reconvenção: conforme o art. 343 do Código de Processo Civil, há necessidade de conexão do pedido com o da ação principal, ou com o fundamento da sentença: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”
O direito do réu tem relação com o do autor, devendo ao mesmo dizer respeito. No entanto, é uma ação embutida na que veio proposta. Uma vez formalizada, também haverá um juízo de procedência ou improcedência. Tem-se, então, dois comandos sentenciais – um a favor do autor e outro do réu, ora reconvinte, mas sinalizando o pagamento da diferença.
No entanto, a reconvenção é admitida mais quando o crédito do réu, ou devedor, exceda o do autor. Somente assim é possível o recebimento da diferença. Tal não acontecendo, suscita-se o direito por meio de exceção, na contestação. Opõe-se ao pedido de pagamento o crédito que tem o devedor, o qual restará reconhecido na sentença, com o correspondente abatimento. Esta a orientação da doutrina, inclusive no direito comparado, que melhor se afeiçoa à prática. Salientava Mário Júlio de Almeida Costa, analisando três correntes sobre o assunto, e dando ênfase a que segue: “Para outra corrente, a compensação, constituindo uma causa extintiva das obrigações, deve ser deduzida como excepção peremptória, apenas cabendo a reconvenção quando o contracrédito exceda o montante do crédito do autor e o réu pretenda o montante do crédito do autor e o réu pretenda exercer o seu direito relativamente a essa diferença. Trata-se da orientação predominante”.33
A doutrina nacional também trilha na mesma ratio, expondo Mílton Sanseverino que a compensação pode ser alegada como exceção, tornando-se uma defesa de mérito indireto: “Salvo, naturalmente, quando o réu, tendo diferença a seu favor, pretenda receber essa diferença, ou seja, pretenda obter a condenação do autor ao seu pagamento. Para isso – isto e, para deduzir pretensão própria, distinta daquela apresentada pelo sujeito ativo da relação processual –, haverá, então, necessidade de ação reconvencional. Se, entretanto, o réu não quiser formular semelhante pretensão, contentando-se com o bloqueio daquela apresentada pela parte contrária mediante defesa de mérito indireta deduzida na contestação, a reconvenção será totalmente desnecessária”. Aponta decisão da 3ª Câmara Civil do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (Apel. Cível nº 408.371-0/6), onde é destacada a natureza da reconvenção como exceção material ou substancial, com caráter impeditivo ou modificativo do pedido do credor”.34
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