quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Perdas e Danos

32.1. DECORRÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO

Foi longamente estudado o inadimplemento das obrigações, com realces nas decorrências que advêm e os caminhos que são assegurados ao credor.

Firma-se a obrigação para durar temporariamente. Tem a mesma um início e está destinada a durar até certo período de tempo. O normal é que transcorra normalmente, atingindo sua finalidade, que é a realização da prestação nela inserida, e operando-se a sua execução, com o que fica extinta. Tem-se, aí, a extinção eficaz da obrigação.

No entanto, várias obrigações não são cumpridas ou não chegam ao seu final nos termos convencionados ou adequados. E isto por múltiplas causas, numa primeira divisão consideradas em imputáveis e em inimputáveis ao devedor. Ou seja, o incumprimento decorre de culpa ou ausência de culpa do obrigado. Naquela modalidade, incorreu o devedor para a inadimplência; na segunda, em geral surge um fator externo, como o caso fortuito ou força maior, a morte do devedor, o perecimento da coisa. Tal a gama, sem olvidar a falta de realização plena por culpa do próprio credor, quando nasce contaminada de vício de consentimento o vínculo, ou minada de nulidade absoluta, como na inexistência do bem contratado.

Do não cumprimento surgem consequências, e assim a indenização, a resolução, ou a extinção pura e simples da obrigação. Vêm discriminadas com perfeição as decorrências por Mário Júlio de Almeida Costa: “Como se salientou, as várias causas do não cumprimento produzem diferentes consequências jurídicas: enquanto que umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras constituem o devedor em responsabilidade indenizatória e conduzem à realização coativa da prestação; e outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do devedor, podendo até verificar-se um direito de indenização deste contra o credor”.1

Nos arts. 389 a 393 do Código Civil foram estudadas as consequências, abrangidas dentre elas a própria resolução, porquanto advém esta do incumprimento. Ficou visto que a falta de cumprimento por culpa do devedor importa a indenização por perdas e danos. Recai no devedor a responsabilidade pelo ressarcimento, sendo este o montante da utilidade que deixou de receber o credor. Ou equivale à reposição patrimonial do desfalque resultante, ou à utilidade que não lhe foi oportunizado usufruir.

Entra-se, pois, no estudo das perdas e danos. A meta do presente capítulo é definir e estabelecer as perdas e danos, com a finalidade de recompor o desfalque havido com o inadimplemento. As perdas e danos, porém, provenientes da culpa na inadimplência das obrigações, e que têm como causa um erro de conduta, ou uma conduta contrária à que consta na relação contratual prevista na vinculação das vontades e na lei; a ofensa a um bem jurídico, ou ao patrimônio; e a relação de causalidade entre o incumprimento, ou a ilicitude, e o dano resultante, ou seja, o dano que é efeito do descumprimento da obrigação. Em síntese, é necessário que o incumprimento culposo tenha causado um prejuízo a alguém. Tais os pressupostos que desencadeiam o direito às perdas e danos. Uma vez verificados, conclui Caio Mário da Silva Pereira, “arma-se uma equação, em que se põe o montante da indenização como correlato do bem lesado”.2
32.2. CONCEITO

No caso de inadimplência, ou inexecução, consoante vinha no Código de 1916, das obrigações, e sobretudo isso se objetiva com o presente capítulo, pois não se visa um estudo sistematizado do dano, como tantos fizeram, o dano se conceitua como o prejuízo sofrido pelo lesado diante do incumprimento das obrigações. Arnaldo Marmitt, em obra sobre o assunto que pode ser considerada senão a melhor a mais útil e prática, apresenta um conceito bem claro: “A expressão perdas e danos indica a soma de prejuízos a serem satisfeitos por quem os causou a outrem, ou seja, o responsável pelo ato ou fato ensejador dos danos”.3 Em seguida adverte que a expressão perdas e danos representa uma só coisa, que é os prejuízos sofridos por alguém. De sorte que procede a denominação única de dano.

Maria Helena Diniz, com a didática que lhe é própria, assim define: “O dano vem a ser a efetiva diminuição do patrimônio do credor ao tempo em que ocorreu o inadimplemento da obrigação, consistindo na diferença entre o valor atual desse patrimônio e aquele que teria se a relação obrigacional fosse exatamente cumprida. É, portanto, a diferença entre a situação patrimonial atual, provocada pelo descumprimento da obrigação, e a situação em que o credor se encontraria, se não tivesse havido esse fato lesivo”.4

Não apenas quanto ao incumprimento existem as perdas e danos. Sobretudo aparecem nas ofensas à lei, na generalidade dos atos ilícitos. De Cupis foi claro: “No significa más que nocimiento o perjuicio, es decir, aminoración o alteración de una situación favorable. Las fuerzas de la naturaleza, actuadas por el hombre, al par que pueden crear o incrementar una situación favorable, pueden también destruirla o limitarla”,5 e, por isso, em princípio, o seu conceito é muito amplo.

Numa visão ampla, o conceito envolve um comportamento contrário ao jurídico. Todavia, possível que nenhum desrespeito à lei decorra, ou que não se verifique alguma infração à lei. Se alguém persegue um animal em propriedade alheia, e causa danos, não é cominada de antijuridicidade a ação, mas os danos provocados devem ser reparados. A lesão determinada por uma conduta impelida pelo estado de necessidade não isenta da indenização, apesar da ausência da ilicitude. No inadimplemento de um contrato, a lei não prevê uma condenação por conduta antijurídica, mas a obrigação de ressarcir é uma consequência lógica. E assim em inúmeras hipóteses, máxime nos casos de responsabilidade objetiva.

Para satisfazer as perdas e danos, há o ressarcimento. No direito das obrigações, o ressarcimento consiste em substituir, no patrimônio do credor, uma soma correspondente à utilidade que ele teria obtido, se se cumprisse a obrigação.6

Infindáveis as situações que comportam, no universo dos interesses, as perdas e danos. Revelam-se, in genere, nos resultados negativos causados ao patrimônio. Decorrem da lesão causada nos bens juridicamente protegidos, através da destruição ou deterioração. Consistem nas lesões ou na morte provocadas na vítima. Abrangem os estragos causados em bens, como veículos, máquinas, instrumentos, prédios, imóveis. Revelam-se nas decorrências da morte da vítima, nas lesões e fraturas que sofreu; nas despesas com medicamentos e o tratamento hospitalar ou médico. Nas obrigações, decorrem mais do não cumprimento do contrato.

Representam as perdas e danos a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação em que ele se encontraria, se não fosse a lesão, ou se cumprida a obrigação.7 Com a técnica de sempre, Araken de Assis bem coloca o sentido: “Além da própria prestação, as perdas e danos visam colocar o parceiro fiel e inocente naquela situação em que se encontraria caso o contrato tivesse sido cumprido no modo e tempo devidos. Abrangem, pois, a vantagem que a prestação pontual traria para o parceiro. Se a prestação inadimplida for pecuniária, as perdas e danos correspondem aos juros de mercado (art. 1.061); se for entrega de coisa, a privação do seu uso (aluguel) e da sua disponibilidade desde a época convencionada para o cumprimento”.8 O citado art. 1.061 corresponde ao art. 404 do vigente Código.
32.3. ESPÉCIES

A expressão “perdas e danos” é extensa e abrangente, envolvendo os prejuízos sofridos, os danos emergentes, os lucros cessantes, o deficit no patrimônio, os estados de ânimo, o sofrimento moral, a dor espiritual. Daí, para uma melhor visualização, estabelecer-se uma classificação das formas mais comuns e verificáveis.
32.3.1. Perdas e danos patrimoniais

Em primeiro lugar aparecem as perdas e danos “patrimoniais”, conceituadas como a ofensa ao interesse econômico. Consuma-se o dano com o fato que impediu a satisfação da necessidade econômica. O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Obrigatoriamente, caracteriza-se o dano pela ofensa ou diminuição de certos valores econômicos. Neste sentido a visão de Alfredo Orgaz: “El daño material, en suma, es simplemente el que menoscaba el patrimonio como conjunto de valores económicos, y que, por tanto, es susceptible de apreciación pecuniaria”.9

Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma diminuição do patrimônio, as perdas e danos chamam-se “emergentes”, ou damnum emergens; se a pessoa deixa de obter vantagens em consequência de certo fato, vindo a ser privada de um lucro, temos “as perdas e danos cessantes”, ou o “lucro cessante” – lucrum cessans. É a hipótese do atraso no atendimento de uma obrigação, resultando prejuízos ao credor, que se vê privado de um bem necessário em sua atividade lucrativa. No primeiro tipo, simplesmente acontecendo a perda de determinado bem, o prejudicado não sofre diminuição em seus negócios.

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes fazem a correta distinção entre uma espécie e outra: “O dano emergente, também chamado de dano positivo, consiste na efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima... No corriqueiro caso de abalroamento de veículos, por exemplo, os gastos com o guincho e com o conserto do automóvel constituem o dano emergente que poderá ser cobrado do causador do dano.

O lucro cessante engloba tudo aquilo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar por causa do descumprimento da obrigação. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, é o reflexo futuro do ato ilícito sobre o patrimônio da vítima, a perda do ganho esperado, a frustração da expectativa de lucro ou a diminuição potencial do patrimônio... No citado exemplo do acidente de trânsito, se a vítima fosse o motorista de táxi e o seu automóvel ficasse parado na oficina para reparos por quinze dias, o lucro cessante se consubstanciaria no rendimento que aquele taxista deixou de auferir nestes quinze dias de inatividade”.10

Sobre o assunto, estabelece o art. 402 do Código Civil: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Explicava Carvalho Santos: “O verdadeiro conceito de dano contém em si dois elementos, pois se representam toda a diminuição do patrimônio do credor, é claro que tanto ele se verifica com a perda sofrida, ou seja, a perda ou diminuição que o credor sofreu por efeito de inexecução da obrigação – damnum emergens, como também com a privação de um ganho que deixou de auferir, ou de que foi privado em consequência daquela inexecução ou retardamento – lucrum cessans”.11

Ilustram Planiol-Ripert, também com peculiar saber: “La indemnización debe representar tan exactamente como sea posible el daño realmente sufrido por el acreedor debido al incumplimiento o retraso. Ese daño puede componerse de dos elementos distintos, que se hallan indicados en el art. 1.149: por un lado, la pérdida, es decir, el empobrecimiento sufrido por el patrimonio del acreedor – damnum emergens; por otro, la garantía frustrada – lucrum cessans. Por ejemplo, si un cantante, contratado para un concierto falta a su compromiso y el concierto no puede celebrarse, el artista tendrá que indemnizar el empresario del espectáculo con quien ha contratado, por un lado, por los desembolsos ya realizados en los preparativos del concierto y por otro por el beneficio que hubiera obtenido como resultado del concierto”.12

Frequentemente os dois efeitos surgem concomitantemente com o dano. Há uma diminuição do patrimônio real, existente no momento, e uma frustração dos resultados positivos decorrentes pelo uso do bem material. Um acidente de trânsito, ao proprietário de táxi, acarreta os estragos do veículo com a batida e o valor não percebido pela paralisação do trabalho de transporte. Vem a propósito a lição de Chironi, ao considerar o dano no seu duplo resultado, consistindo “en la disminución efectiva sufrida por el patrimonio, y el aumento no efectuado a consecuencia del incumplimiento de la obligación”.13
32.3.2. Perdas e danos morais

As perdas e danos morais, ou o dano moral, até alguns anos atrás, constituíam assunto de grande controvérsia. Presentemente, não há mais novidade em torno do assunto, aliás um dos mais explorados. A própria Constituição Federal prevê a reparação, quando atingida a honra, no art. 5º, inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Também no inciso X do mesmo artigo, com relevo para a imagem e a honra das pessoas, é contemplada a proteção. Em verdade, nada de novo veio com a Constituição, porquanto já o art. 159 do Código Civil de 1916, no qual se fundamentava a responsabilidade, tinha em vista o dano em geral, não fazendo qualquer distinção quanto ao tipo ou à natureza. Já anteriormente dominava, de outro lado, o princípio de que o ressarcimento deveria ser o mais amplo possível, abrangendo todo e qualquer prejuízo. O Código Civil de 2002, no art. 186, colocou de forma explícita a reparação por dano moral, juntamente com a por dano patrimonial: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Arnaldo Marmitt, com sua clareza peculiar, já trazia a seguinte explicação de dano moral: “No dano moral, o ressarcimento identifica-se com a compensação. É uma reparação compensatória. O patrimônio moral é formado de bens ideais ou inatos, ou direitos naturais, muito embora sua reparação tenha a característica de reparação comum. Em várias passagens nossa lei reconhece o ressarcimento do dano moral. Tal sucede com os arts. 76, 1.537, 1.538, 1.543, 1.548, 1.549, 1.550, e com o próprio art. 159, que não distingue entre dano moral e dano patrimonial. Figurada que está em lei, a reparação torna-se imperativa. Nem a extinção da punibilidade do ofensor apaga essa viabilidade reparatória na esfera cível”.14 Esclareça-se que os citados arts. 76, 1.548 e 1.549 não encontram regras equivalentes no Código Civil em vigor, enquanto os arts. 1.537, 1.538, 1.543 e 1.550 correspondem respectivamente aos arts. 948, 949, parágrafo único do art. 952, e 954 do diploma civil atual.

Acontece que, além do prejuízo patrimonial ou econômico, há o sofrimento psíquico ou moral, isto é, as dores, os sentimentos, a tristeza, a frustração etc. Agostinho Alvim lembra uma definição de Gabba, que se tornou conhecida pela exata caracterização, através da qual o dano moral ou não patrimonial é aquele dano que não atinge ou diminui o patrimônio de alguém, revelado na lesão da honra, da estima, dos vínculos do legítimo afeto, e de todo estado jurídico que se liga à personalidade do homem.15

Nesta linha, Yussef Said Cahali, outro clássico no assunto, na primeira edição de obra famosa sobre o dano, seguia: “A caracterização do dano extrapatrimonial tem sido deduzida na doutrina sob a forma negativa, na sua contraposição ao dano patrimonial”.16

Pontes de Miranda, numa síntese bem lúcida, considera o dano patrimonial aquele que alcança o patrimônio do ofendido, enquanto o moral é o que atinge o ofendido como ser humano.17

Em suma, o dano moral é aquele que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, a tranquilidade de espírito, a reputação etc. É o puro dano moral, sem qualquer repercussão no patrimônio, atingindo aqueles valores que têm um valor precípuo na vida, e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.18 Na verdade, o dano moral importa na constatação de reflexos no patrimônio. Um homem atropelado por veículos, sofrendo incapacidade de locomoção, promoverá a indenização porque houve cessação de lucros, isto é, porque deixou de trabalhar. A profunda dor moral sofrida com a morte de uma criança em acidente traz grandes consequências: o pai fica impossibilitado de trabalhar por certo espaço de tempo; aquela criança não concorrerá para o sustento da família. O traumatismo moral que domina os familiares acarreta a impossibilidade do pai ao trabalho. Por conseguinte, a indenização reveste-se de um cunho altamente patrimonial.

Alguns dispositivos do Código Civil atual, mais que o Código Civil anterior, preveem o dano moral, mas sobretudo como decorrência das repercussões patrimoniais. O art. 939, tratando da demanda de dívida ainda não vencida, ordena que se espere o vencimento e se proceda o desconto dos juros pelo tempo que faltava, com o pagamento das custas em dobro. Pressupõe-se que os transtornos ocasionados refletem nas atividades e nos interesses da pessoa. O art. 953, ao cuidar da indenização por injúria, difamação ou calúnia, estabelece que consistirá a mesma na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. De acordo com o parágrafo único, não se provando o prejuízo material, pagar-se-á ao ofendido uma quantia em dinheiro fixada equitativamente pelo juiz, na conformidade das circunstâncias do caso. No art. 954, assinala-se que a indenização por ofensas ligadas à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Neste dispositivo, encontra-se a seguinte fórmula para calcular o prejuízo material: “Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.

Mas, é necessário destacar tais influências patrimoniais das sensações exclusivamente interiores, espirituais, morais, mesmo que de ordem fisiológica, como a dor, a marca deixada no corpo. É este o dano moral.

Para melhor revelar a sua extensão, pode-se dizer que referidas sensações se revelam em quatro espécies:

a) O dano que representa a privação ou diminuição de um valor precípuo da vida da pessoa, e que se revela na ofensa à paz, à tranquilidade de espírito, à liberdade individual;

b) o dano que alcança a parte social do patrimônio moral, atingindo a personalidade, ou a posição íntima da pessoa consigo mesma como a honra, a estima, o apreço, a consideração, a reputação, a fama;

c) o dano que atinge o lado afetivo, ao estado interior, exemplificado na dor, tristeza, saudade, no sentimento;

d) aquele que tem influência no patrimônio, em especial no exercício de profissões, e que envolve a conceituação íntima relacionada ao aspecto ou postura física externa, com prejuízos para a beleza, a aparência, a postura, a simetria corporal, e aí se encontram a cicatriz, o aleijão, a deformidade.

Em qualquer das hipóteses, embora a última esteja ligada mais diretamente a influências patrimoniais, não há o ressarcimento ou a indenização. O valor que se paga tem o caráter de satisfação, de reparação, justamente porque é desnecessária a prova do prejuízo, de desfalque patrimonial. Talvez admissível o prejuízo moral, a perda de sentimentos ou sensação de bem-estar, de alegria, de autoestima, advindo a dor, a lágrima, a frustração.

Daí o erro que se formou e evoluiu ao longo do tempo na jurisprudência, desde o começo do reconhecimento da reparação, tida como indenização. No início, os doutrinadores que precederam e vieram logo após à vigência do Código Civil de 1916, não reconheciam a reparação por dano moral. Ligava-se a indenização por morte ao então art. 1.537 (que no Código atual corresponde ao seu art. 948), e restrita aos danos materiais e às prestações de alimentos. Mas foi o inciso II do mesmo artigo que levou a partir para a reparação moral, quando ordenava que, no caso de homicídio, a indenização envolveria também a prestação de alimentos. Deste ponto avançou-se para a indenização do dano causado pela morte de filho menor – marco inicial para a evolução do direito nesse campo, e chegando-se à Súmula nº 491 do STF: “É indenizável o acidente que causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Havia um misto de embasamento patrimonial e moral. O primeiro porque os pais perdiam a expectativa de colaboração do filho no custeio das despesas da família; o segundo, e aí forçando a imposição de se indenizar, diante do sofrimento com a perda. Mesmo que não exercesse alguma profissão o filho, reconhecia-se o direito à indenização, fazendo-se tamanha confusão, que ainda hoje persiste, ao ponto de se limitar o pagamento até a idade presumível do casamento, quando, normalmente, se ponderava que passaria a se preocupar apenas com a sua pessoa e a da família então formada.

Num último estágio, tornou-se pacífica a reparação pelo dano moral puro, sem vinculação com o patrimonial, considerada distintamente ao ressarcimento. De sorte que, ao lado da pensão por morte dos pais, ou daquela pelo que deixaram de auferir os pais se o filho perde a vida, estabelece-se outra soma, de cunho totalmente reparatório, e devida pelo fato só da morte. Não interessa a existência de lucros cessantes. Com isso, resolvem-se as situações em que os filhos em nada contribuíam e nem passariam a contribuir aos parentes que ficaram. A Súmula nº 37, do STJ, resume a atual tendência: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato”.

Revela duplo caráter a indenização, inclusive ressarcitória, na lição de Caio Mário da Silva Pereira: a) o punitivo, no sentido de que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; b) o ressarcitório junto à vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.19

Não cabe, nessa linha, confundir o dano estético com o moral.

O primeiro está regrado no art. 950, mas forma-se em vista dos prejuízos resultantes do defeito estético.

Já o segundo, e unicamente se em havendo dano estético, como aleijão ou deformidade, tinha amparo no § 1º do art. 1.538 do Código de 1916. Nem sempre, porém, absorvia o preceito os danos estéticos, dada a existência de casos de cicatrizes que não comportavam despesas elevadas, embora ficasse marcada para sempre a fisionomia ou o aspecto físico da pessoa.

Em todos os campos reconhece-se, presentemente, a reparação por perdas e danos morais. Não apenas quanto à perda de entes queridos ou próximos. Na divulgação de notícia equivocada, no protesto indevido de títulos mercantis, na suspensão infundada de direitos creditórios, nas ofensas através da imprensa e na irrogada em juízo, estabelecem-se formas de reparação que não mais ensejam dúvidas. Quanto ao cadastro de nomes de devedores em órgãos de registro para fins de comunicação a terceiros, é reiterado o direito à reparação, máxime se previamente não avisada a pessoa, conforme este exemplo: “Constitui ilícito, imputável à empresa de banco, abrir o cadastro na SERASA sem comunicação ao consumidor (art. 43, § 2º, da Lei nº 8.078/1990). O atentado aos direitos relacionados à personalidade, provocados pela inscrição em banco de dados, é mais grave e mais relevante do que lesão a interesses materiais. A prova do dano moral, que se passa no interior da personalidade, contenta-se a existência do ilícito, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça. Liquidação do dano moral que atenderá ao duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano”.20

Inclusive às pessoas jurídicas é reconhecido o direito, como se extrai do seguinte aresto: “I – A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial. II – Cabível a ação de indenização, por dano moral, sofrido por pessoa jurídica, visto que a proteção dos atributos morais da personalidade não está reservada somente às pessoas físicas”. No voto, após transcrição de copiosa doutrina, colhe-se esta passagem, que é a transcrição do voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, proferido no Recurso Especial nº 60.033-2/MG: “Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, autoestima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.

Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, ... trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos...”.21

Em outra decisão, ponderou-se: “A Constituição Federal, ao garantir indenização por dano moral, não fez qualquer distinção entre pessoas físicas ou jurídicas, não se podendo deslembrar da parêmia no sentido de que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.

E mais, deixou a Carta Magna palmar no art. 5º, incisos V e X, que a ofensa moral está intimamente ligada às agressões e danos causados à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas e outras hipóteses.

Não se pode negar que a honra e a imagem estão intimamente ligadas ao bom nome das pessoas (sejam físicas ou jurídicas); ao conceito que projetam exteriormente”.22

Embora sendo a matéria controvertida, e mesmo não tendo a pessoa jurídica capacidade afetiva e sensorial, a verdade é que o bom nome ou o conceito social constitui um patrimônio. A sua existência é atacada, sem referência aos que a constituem. Indiretamente, porém, são eles atingidos. Advindos prejuízos materiais, procurar-se-á aquilatá-los. Ademais, é como diz Luís Alberto Thompson Flores Lenz: “Há entidades abstratas, previstas no inciso I do art. 16 do CC, que não têm fim econômico – sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, associações de utilidade pública, fundações, nosocômios, centros de pesquisa universidades –, que, apesar de não objetivarem lucro ou donativos, sofrem severos prejuízos em seu conceito e em sua credibilidade em razão dos ataques acima referidos”.23 Corresponde o inc. I do art. 16 citado ao art. 44, incisos I, II e III do atual Código.

De qualquer forma, se o nome integra o patrimônio e tem relevância no meio social, a ofensa à sua integridade moral é mensurável. Do contrário, é abrir carta branca para todo tipo de ataques infundados e injustos. Nem tanto se leva ao extremo de ver na sociedade uma pura abstração, porquanto, hoje, cada vez mais, vem preponderando a desconsideração da personalidade jurídica.
32.3.3. Dano direto e indireto

De modo simples, o dano direto compreende o resultado imediato da ação, que recai sobre um bem e o ofende, resultando o mesmo com um deficit econômico. Trata-se do resultado da ação que atinge um valor, sem um grau de intermediação, ou que não decorre posteriormente. Corresponde aos resultados causados pela ação direta do ofensor. Na lição de Antônio Lindbergh C. Montenegro, “é o que se produz imediatamente no bem, aquele que se contém no prejuízo consumado, permitindo uma pronta aferição do seu conteúdo e extensão”.24 Tem-se o prejuízo que aparece em seguida, e não de outras circunstâncias que se interpõem, embora tenham a origem remota em um fato anterior. Como diz Antunes Varela, existem aquelas circunstâncias sem as quais não se desencadearia o dano, e que são suas causas imediatas.25 E o dano direto é aquele que tem ligação direta ou imediata com tais circunstâncias.

Já o indireto equivale às consequências remotas, mas que entre elas e o fato primeiro se coloca uma outra causa. Aparece apenas posteriormente, em vista de circunstâncias outras, mas ligadas às causas originais que desencadearam uma lesão ao direito. Karl Larenz é um dos mais esclarecedores: “El daño indirecto comprende aquellos menoscabos que sobrevienen más tarde o que, como la pérdida de capacidad para el trabajo, actúan permanentemente, o que, como las adquisiciones no efectuadas a causa de la infracción, no se manifiestan en el mismo objeto que sufrió el daño, sino únicamente en el patrimonio del perjudicado”. Distinguindo quanto ao dano direto: “A diferencia del daño directo, no concluye con la terminación del suceso que lo produjo, sino que con frecuencia comienza a desarrollarse después, sin que en la mayoría de los casos se pueda decir anticipadamente qué volumen alcanzará”.26

O Código Civil brasileiro, em princípio, restringe o ressarcimento aos danos diretos, pela letra do art. 403: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Ao se abordar a fundo a matéria, nota-se a possibilidade de ficar complexa a mesma. Por um lado, a indenização deve ser a mais completa possível, segundo emana do art. 402. O art. 403 tempera o rigor da lei e delimita o alcance da indenização aos prejuízos efetivos e aos lucros cessantes, e desde que por efeito direto e imediato da inadimplência ou do dano. Além da obrigação ou lesão, imprescindível a presença de uma relação de causa e efeito na inadimplência do contrato, ou na prática de um ato delituoso.

E quando decorre uma nova consequência, ou quando o dano não é efeito direto e imediato de um ato ilícito ou de incumprimento? Em geral, as partes não preveem mais que as perdas e danos que o credor poderá sofrer referentemente à coisa não obtida ou danificada. Exemplificativamente, aventa-se uma compra e venda de qualquer mercadoria, não vindo ela a ser entregue. O compromitente vendedor está obrigado a indenizar o montante pago a mais pela coisa da mesma qualidade, adquirida de uma terceira pessoa. Se por falta do produto, porém, deixa-se de lucrar ou receber pagamentos, não se conclui que surja o ônus de reparar por lucros cessantes. Esta circunstância qualifica-se como causa estranha ao objeto do contrato, não prevista ou assumida pelos envolvidos. E na hipótese de, num acidente de trânsito, fugindo o motorista, é perseguido por um policial que também provoca um acidente? Igualmente não responde o motorista, porquanto, embora sua conduta determinasse a perseguição, não condicionou o carro do policial a uma velocidade inadequada e perigosa.

Se alguém adquire uma rês, encontrando-se a mesma infeccionada por moléstia contagiosa, vindo a morrer a contaminar outros animais, nasce o imperativo do ressarcimento, no valor estipulado para cada animal. Deixando de lavrar as terras, decorre naturalmente o encargo de indenizar pelos lucros perdidos com a não cultivação? A resposta é negativa, pois o efeito é remoto. Não desponta o requisito do dano imediato. Cumpria ao proprietário providenciar em outros animais para lavrar, ou tomar medidas adequadas à substituição daqueles dizimados. É o que também defendem Planiol e Ripert, que apontam o mesmo exemplo do animal doente: “El contagio ha enfermado los bueyes del comprador impidiéndole labrar las tierras. El vendedor tendrá que indemnizarle, indiscutiblemente, por el precio de las reses fallecidas por efecto del contagio, no así de los daños resultantes de la inatención de las tierras, que solamente constituyen la consecuencia distante e indirecta del dolo de aquél”.27

Para bem situar a responsabilidade, indispensável, no dizer de Agostinho Alvim, ver o nexo causal necessário estabelecido entre o fato e as circunstâncias.28 Reclama-se o liame entre o inadimplemento da obrigação e o dano, de modo que aquele origine o último. Veja-se a seguinte situação, trazida pelo mesmo Agostinho Alvim: alguém recebe uma coisa comprada; verificando que ela tem um defeito, dirige-se ao vendedor, para reclamar; no caminho, malfadadamente é atropelado. Responderá o vendedor? Absolutamente, pois o comportamento do vendedor posiciona-se como causa remota.29 Outros agentes interferem no trágico acontecimento. Não sendo assim, suponha-se que um mecanismo utilizado na fabricação de um produto é destruído culposamente por um terceiro. Deverá ele indenizar o custo desse mecanismo, e não indefinidamente a produção que deixa de ser fabricada, porquanto a causa imediata da falta de produção é a ineficiência do proprietário em adquirir outro instrumentário. De igual modo, afastando o locador do imóvel o inquilino, e contratando um transportador para a remoção dos móveis, se, no caminho, a chuva os danifica. Competia ao encarregado do transporte prever a circunstância da intempérie. Outra é a causa imediata.

Em síntese, ao primeiro fato determinante de um comportamento sobrevém novo fator, que faz nascer uma atitude ou consequência nova. Interrompe-se o nexo, liber-tando o causador do primeiro dano da responsabilidade da lesão subsequente, eis que uma terceira pessoa se interpõe no desencadear dos resultados, que passa a ordenar o rumo das ações.

Aos efeitos imediatos ou diretos está ligada a concausa ou causa superveniente. Pensa-se novamente no caso de um acidente de trânsito, com lesões corporais, com o internamento hospitalar da vítima, a qual vem a falecer, em vista da deficiência do tratamento. O hospital negligenciou no internamento e nos cuidados que estava em condições de oferecer. O médico não empregou a perícia e a técnica próprias. Quando do exame, não diagnosticado o traumatismo craniano, mal que conduz à morte. Martinho Garcez Neto, um dos estudiosos da matéria, apoiado em doutrina clássica, não desliga o evento prejudicial do fato primitivo, que é o acidente, considerando-o o causador do dano. Liberam-se o médico e o hospital da responsabilidade.30

No entanto, a solução se afigura injusta. Crê-se que Alfredo Orgaz dá o caminho correto, ao sustentar que falta o nexo causal “en el caso de que la predisposición del sujeto determine un daño manifiestamente desproporcionado en el resultado normal de la acción antijurídica: así, en el ejemplo antes señalado de la lesión leve que produce la muerte a causa de la hemofilia que padecía la víctima, o del ligero golpecillo dado en la cabeza y que determina la muerte en razón de que el sujeto padecía de una debilidad de los huesos craneanos... En estos casos, la acción del agente se reputa meramente casual o fortuita. Pero si la acción era por sí misma adecuada para ese resultado, es indiferente que éste se haya producido con la colaboración de las predisposiciones de la víctima”.31

A responsabilidade do autor direto mede-se de acordo com a natureza da lesão. Pelos eventos que aparecerem, provocados por causas outras, o responsável é a pessoa que os originou por sua culpa.

Aproveitando-se, em parte, a teoria da equivalência das causas, de Von Buri, exposta por Mazeaud e Mazeaud, segundo a qual todos os acontecimentos que concorreram para a produção do dano são causas do mesmo, dir-se-á que respondem pela indenização não apenas quem deu o primeiro passo para o evento, mas igualmente aqueles que participaram para o desenlace final. No entanto, cumpre notar, desde que os agentes procederam culposamente e as ações tiveram um papel decisivo, verdadeiramente efetivo na lesão. Eis por que interessa, também, neste ponto, a teoria da causalidade adequada, de Von Kries, pela qual a relação entre o acontecimento e o dano resultante deve ser adequada, cabível, apropriada. Não se atribuindo toda a responsabilidade ao que desencadeou o fato, mas a todos os que atuaram com ações adequadas ao resultado, cada partícipe reparará apenas “les consequences naturelles et probables de la faute”, ou de sua ação.32

Divide-se a responsabilidade em proporção à gravidade das causas, mas, observe-se, desde que constituam causas. Não se trata de gravidade de culpa, e sim de causalidade. Na primeira, há concorrência de atos para o mesmo resultado, para determinada lesão, e não para decorrências subsequentes, em que cada autor responde pelo fato que praticou.

Se admitida sempre a causa indireta, chega-se a verdadeiros absurdos, como no caso da autoridade carcerária que permite a saída de detento do presídio, o qual, posteriormente, sofre um acidente, com danos físicos, indo buscar a reparação perante o poder público. O STJ focalizou a situação no seguinte aresto:

“1. A moldura fática estabelecida na instância ordinária dá conta de que o acidente – dano – ocorreu diretamente por culpa do condutor do veículo, que deveria estar, naquele momento, recluso, porque cumpria prisão-albergue, em progressão de pena privativa de liberdade; e só não estava recolhido ao sistema prisional em razão de agentes estatais possibilitarem, quotidianamente, que o causador do dano dormisse fora.

2. Saber se o ato do agente policial que permitiu, propositadamente, a saída do causador do dano da custódia estatal, por si só, é apto a estabelecer ou não a correlação lógica entre o alegado ato e o sobredito dano é questão que diz respeito à qualificação jurídica dos fatos já assentados na instância ordinária, não revolvimento da matéria fática. Não incidência do enunciado nº 7 da Súmula do STJ.

3. A questão federal está em saber se, para a configuração do nexo causal no âmbito do fato do serviço, basta a atuação estatal correlacionada, ainda que mediata, ao dano, somada à ausência das excludentes do nexo – culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.

4. Análise da doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello33 dos danos dependentes de situação produzida pelo Estado diretamente propiciatória, o que faz surgir a responsabilidade objetiva do Estado por ato comissivo.

5. Ainda que se possa afirmar que existe, nestes casos, a possibilidade da configuração de um nexo causal indireto, é importante ter em mente que, mesmo diante da situação fática criada pelo Estado, ou seja, impor-se ao condenado que dormisse fora do local a ele destinado pelo sistema penitenciário, o acidente automobilístico realmente está fora do risco criado, não guardando a lesão sofrida pela vítima, em local distante do ‘prédio onde sedia a fonte do risco’, nexo lógico com o fato do serviço.

6. Inexiste, in casu, nexo causal, porque a causa não é idônea para o dano produzido. Correta, portanto, a tese do acórdão recorrido, que pode ser assim resumida: ‘Análise essencial do nexo de causalidade. A lei brasileira (antiga e atual) adotou a teoria da causalidade adequada. Assim, somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é de ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade. Inteligência do art. 1.060, hoje do art. 403 do Código Civil’”.34
32.3.4. Danos contratuais e extracontratuais

No primeiro caso, o prejuízo deflui do inadimplemento de um compromisso contratual. O descumprimento de um dever contratual é o fator humano mais decisivo na provocação de danos. É a obrigação o liame jurídico entre dois ou mais sujeitos, que tem por objeto uma prestação determinada. O credor sofre um prejuízo com o proceder da outra parte, que desrespeita o conteúdo da obrigação, sendo pressuposto a presença da culpa. A lesão ao direito decorre da infração culposa a uma obrigação. Somente assim leva ao ressarcimento. G. P. Ghironi destacava esta origem: “L’ingiuria (lesione ingiuriosa) contenuta nell’atto colposo, puó venir commessa rispetto ad un’obbligazione esistente fra l’offeso e l’ingiuriante, a modo che per la colpa di quest’ultimo l’adempimento dell’obbligazione o non è stata ottenuta od ha offerto ingiusto ritardo: la qual negligenza (difetto della diligenza dovuta) nell’esecuzione del rapporto costituisce la colpa contrattuale”.35

O dano extracontratual, ao contrário, consuma-se com a infração de um dever legal. Nele, a antijuridicidade se produz como consequência do ataque a um direito absoluto do prejudicado. Envolve o desrespeito à lei, às normas que traçam a conduta humana e está fundado na culpa aquiliana. Corresponde a qualquer desrespeito a um direito de um terceiro, ou a infrações com resultados negativos em relação às partes que se relacionam com o causador. Em tese, há a lesão a uma norma jurídica. Enquanto a norma disciplina um direito, a antijuridicidade se exterioriza como contrariedade à sua aplicação. Este requisito, a contrariedade, obviamente, traz resultados negativos ao patrimônio alheio.

Equivale o dano a qualquer prejuízo que não deriva do inadimplemento de uma obrigação, mas é produzido por um fato que fere a regra jurídica, à qual todos se encontram subordinados. Anota Jaime Santos Briz que ele nasce da violação genérica do princípio neminem laedere: qualquer fato do homem provocador de dano a outrem obriga o ressarcimento.36 O fato humano que o produz é antijurídico e revela contrariedade às normas específicas e aos princípios gerais do direito. Por sua vez, o ato humano consistente no inadimplemento de um dever gera o dano contratual.
32.4. PERDAS E DANOS DECORRENTES DO PAGAMENTO COM ATRASO

Importante ver as perdas e danos que advêm do pagamento com atraso, ou incompleto. A conclusão é de que o pagamento atrasado ou fora da forma devida redunda em perdas e danos se, durante o período de atraso, se prove que adviriam lucros, situação que constava expressamente contemplada no parágrafo único do art. 1.059 do Código anterior. É o que Maria Helena Diniz chama de “dano negativo” ou “lucro cessante ou frustrado”, referentemente à privação de um ganho pelo credor, ou ao lucro que ele, credor, deixou de auferir por causa do descumprimento da obrigação: “Para se computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugado às circunstâncias peculiares ao caso concreto”.37

A dificuldade está em comprovar o dano previsível, ou em demonstrar os lucros que seriam previsíveis. A previsibilidade é que está em questão. Agostinho Alvim, revelando preocupação quanto à demonstração, primeiro esboça o sentido de previsibilidade, e depois traz exemplos, inclusive tirados de Pothier: “A previsibilidade, pois, entende-se com a natureza das coisas, devendo o juiz admitir que o dano era previsível, sempre que ele estivesse na ordem natural dos fatos, considerado ao tempo da celebração do contrato... Assim, se alguém não me entrega o cavalo que comprei e por isso fui obrigado a adquirir outro por maior preço, essa diferença, que representa dano direto, é também dano previsível, porque, sendo certo que todas as mercadorias estão sujeitas a alteração de preço, a elevação, em tal caso, não é senão um fato ordinário (cf. Pothier, Oeuvres, vol. II, nº 101).

Do mesmo modo, se arrendei minha casa, e, no decurso do contrato, sofro evicção, vindo o locatário a perdê-la, devo indenizá-lo pelo dano que isto lhe causar.

Ao contratar eu podia, suposta a possibilidade da evicção, antever o dano consequente...

Se o locatário estabeleceu comércio na casa alugada, e vem a perder seus empregados, por causa da rescisão, consequente à evicção, tal dano já não se considera previsível para o locador”.38

Não basta a alegação dos prejuízos. Não se admitem os lucros imaginários, ou os supostamente alcançáveis. É como se decide: “A existência dos danos an debeatur deve ser apurada no curso da instrução e não na liquidação, que se destina à aferição do valor dos danos quantum debeatur. Destarte, havendo prejuízos a apurar, com pedido nesse sentido, não é dado ao juiz julgar antecipadamente a lide para acolher o pedido principal, pena de cerceamento e vulneração da lei federal”.39

Deixando de receber um produto que seria comercializado, os lucros cessantes englobam a diferença entre o preço pago e o alcançado na venda que se realizaria, abatidos os custos nesta intermediação. Oportunas, ainda, as observações de Carvalho Santos:

“Os lucros cessantes, para serem indenizáveis, devem ser fundados em bases seguras, de modo a não compreender os lucros imaginários ou fantásticos. Nesse sentido é que se deve entender a expressão: ‘razoavelmente deixou de lucrar’.

A simples alegação de um lucro que poderá ser obtido com os proventos esperados do contrato que não foi executado não pode ser objeto de indenização, por isso que se trata de uma impossibilidade ou expectativa, em que predomina o arbítrio ou o capricho do reclamante”.40

No que se encontra amparo na jurisprudência, ao não admitir “o hipotético lucro” que alguém teria se vencesse uma licitação, mas não demonstrando-o, “na medida em que o art. 1.059 do CC supõe dano efetivo ou frustração de lucro que razoavelmente se poderia esperar – circunstâncias inexistentes na espécie, em razão da incerteza acerca de quem venceria a licitação, se realizada”. Acontece que, “salvo as exceções legais, não se pode falar em indenização se não se está diante de desfalque patrimonial efetivo ou de frustração de um lucro, que razoavelmente se podia esperar”.41 Recorda-se que o art. 1.059, referido acima, equivale ao art. 402 do atual diploma civil.
32.5. PERDAS E DANOS NAS OBRIGAÇÕES EM DINHEIRO

Quando o devedor deve entregar uma quantia em dinheiro, e verificada a inadimplência, as perdas e danos resolvem-se em pagar os juros de mora, as despesas exigidas no recebimento, a multa convencional, tudo corrigidamente, e outros consectários. Esta a previsão do art. 404 da lei civil: “As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”.

Se os juros de mora não bastam para cobrir os prejuízos, assegura-se o direito a uma indenização suplementar, conforme garante o parágrafo único do art. 404: “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.

Essa previsão não constava no Código Civil anterior, ensejando a omissão severas críticas. Propiciava o então art. 1.061, frente às demais formas de indenização, um tratamento injusto. Ignorava aquele dispositivo as consequências que poderia trazer o valor do crédito, se pago no momento oportuno. Evidente que ao credor se oferecia e se oferece um leque de oportunidades, como a expansão de uma atividade, ou o investimento da quantia na aquisição de fundos e letras financeiras junto a instituições bancárias, e até no proveito para a própria subsistência. Isso sem contar os prejuízos que trazia e traz a mora, com a falta do numerário.

Para melhor compreensão do assunto, conveniente transcrever o texto do art. 1.061 do Código de 1916: “As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.”

Agostinho Alvim advertia para a injustiça da lei civil anterior, ao apontar para o seguinte exemplo: “Suponha-se que alguém, confiado em que certo pagamento será feito, planeja uma viagem, faz gastos, recusa serviços, e, no dia do recebimento do dinheiro, o devedor falha. Só paga com atraso. As perdas e danos, ou seja, os juros calculados a seis por cento ao ano não cobrem aqueles prejuízos”.42

Realmente, se obrigações pendessem contra o credor, e, em vista da falta de atendimento no prazo quanto ao crédito que tinha para receber, via-se coagido a contrair empréstimo ou financiamento bancário, levando a se conceder o direito de indenização por tais encargos. Daí pregava Arnaldo Marmitt: “Não convém dogmatizar em assunto de tamanha instabilidade. A reposição de simples juros de mora pode ocasionar flagrantes iniquidades, que não merece a chancela de ninguém. Na sua função criadora do direito, à jurisprudência competirá recorrer aos princípios gerais, para aplicar judiciosamente a lei positiva, sem frustrações e sem tolhimento da justiça”.43

Com a previsão da regra do parágrafo único, ficou sanada a dificuldade que se deparava o aplicador do direito no regime anterior.

Quanto aos juros, ainda, observa-se a regra do art. 405, ordenando a sua contagem a partir da citação inicial, matéria que virá examinada no capítulo sobre os juros.

A pena convencional é admitida, não se confundindo com os juros de mora, tanto que estabelecida nos 409 e seguintes como instituto autônomo.
32.6. PERDAS E DANOS E CULPA

Como é pacífico, o descumprimento da obrigação importa em indenização pelas perdas e danos. O sujeito passivo sujeita-se ao dever de prestar ou indenizar, enquanto ao sujeito ativo abre-se a faculdade de exigir a indenização. No entanto, indispensável a presença da culpa naquele que não se desincumbe da obrigação. Caio Mário da Silva Pereira colocava a questão claramente, mostrando-se em consonância com o Código em vigor a lição: “O descumprimento que sujeita o devedor às perdas e danos é o originário de uma ‘falta’ sua, entendida a expressão em senso largo, abrangente de qualquer infração de um dever legal ou contratual. Mas, na sua objetividade, a falta do devedor pode percorrer toda uma gama de intensidade, desde a infração intencional e voluntária, dirigida ao propósito de causar o mal, até a que provém de uma ausência de cuidados especiais a seu cargo”.44

A infração decorre de dolo ou de culpa. Não importa o grau de culpa, ou a conduta eivada de dolo ou culpa. O art. 403 não coloca uma diretriz para diferenciar a indenização: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Nem se aumentam as perdas e danos pelo fato de proceder com culpa ou dolo o devedor. Muito menos se tem em conta tanto a culpa contratual ou a extracontratual, eis que qualquer uma delas, na explicação de G. P. Chironi, tem sempre sua razão de ser “nella negligenza (negligentia, imprudentia, ingiuria) imputabile all’agente”. Ou seja, “il principio generatore è uno; il fattore della colpa è identico così nella contrattuale como nell’extra-contrattuale”.45

Há, é verdade, hipóteses baseadas na diferença do grau de culpa. Todavia, desde que expressas na lei. Assim no art. 392: “Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e só por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa”. Não havendo proveito para aquele que cumpre, requer-se a presença de dolo. Algo semelhante no art. 295: “Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”. Nota-se que a existência de má-fé revela-se como condição nas cessões feitas a título gratuito. Já o art. 443 aumenta a penalização, na alienação de coisa com vício redibitório, se o alienante conhecia os vícios. Todavia, normalmente não se funda o peso da indenização no grau de culpa. Serpa Lopes demonstrava a nenhuma repercussão do ressarcimento diante do grau de culpa, permanecendo válida a doutrina, em vista de mantido o tratamento da matéria pelo Código vigente: “Se, do ponto de vista moral, sensível é a diferença entre aquele que age dolosamente e o que procede com absoluta negligência, entretanto, em relação aos efeitos, são de gravidade idêntica, em razão do que muito natural a exigência de uma idêntica repressão civil”.46

Sem culpa, não incidem as perdas e danos, excetuadas as previsões legais que estabelecem a responsabilidade objetiva. O incumprimento decorrente do caso fortuito ou de força maior, da lesão no direito, na onerosidade excessiva, dentre outras excludentes, afasta a indenização por perdas e danos. Há um impedimento em satisfazer alheio à vontade do sujeito passivo, como reconheceu o STJ, neste exemplo: “Reconhecendo, expressamente, o Acórdão, examinando a prova dos autos, que o evento danoso decorreu de caso fortuito, não tem cabimento algum a condenação da empresa ré, se dolo ou culpa não lhe pesa. É insuficiente o suporte de ser o trabalho considerado perigoso ao alvedrio do julgador, eis que o órgão próprio como tal não configura o serviço de medição topográfica exercido pelo menor”.47

Antônio Chaves falava na impossibilidade absoluta da prestação, verificada “quando, por causa não imputável ao contratante-devedor, a prestação (de entregar, de fazer, de não fazer), de possível que era, torna-se impossível – o contratante devedor, embora inadimplente, fica liberado, por se extinguir a sua obrigação. Quando, por uma causa imprevisível ou inevitável, surge a impossibilidade de cumprir a prestação devida, apaga-se a obrigação, sem responsabilidade para o devedor”.48 Chironi, para ensejar a responsabilidade ou a indenização por perdas e danos, coloca dois elementos ou pressupostos, que são o prejuízo e a culpa: “ingiuria e colpa, oggettivo il primo, soggettivo l’altro”.49

No entanto, mesmo que ausente a culpa, e com mais ênfase o dolo, há situações em que persiste a indenização. Quando alguém é impelido a agir em estado de necessidade, não se arreda o dever de ressarcir, de acordo com a inteligência dada ao art. 930. Para o seu entendimento, insta se transcreva o art. 160, inciso II, do mesmo estatuto: “Não constituem atos ilícitos: (...) II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”. Já o art. 929 prescreve que assiste ao dono da coisa a indenização pelo prejuízo sofrido, se não foi culpado do perigo. Pelo art. 930, garante-se ao autor do dano o direito de regresso contra o terceiro provocador do mal, para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Se preservado o direito de regresso, tal ocorre porque admitida a demanda contra o causador. A jurisprudência50 e a doutrina51 mais antigas já tornavam pacífica tal exegese.

Quanto à legítima defesa e ao exercício regular de um direito reconhecido, o tratamento é o mesmo, em razão do parágrafo único do art. 930: “A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)”.

Insta anotar que o art. 188, inc. I não considera atos ilícitos “os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. No regime do Código revogado, a situação era diferente quanto à legítima defesa, em face de seu art. 160, inciso I, que tinha por não ilícitos os atos praticados naquele estado de legítima defesa. Completava o art. 1.540, não mantida a regra no Código vigente: “As disposições precedentes aplicam-se ainda ao caso em que a morte, ou lesão, resulte de ato considerado crime justificável, se não for perpetrado pelo ofensor em repulsa de agressão do ofendido”. Percebe-se a ressalva que vinha contida, isto é, ficava fora do dever de reparar se perpetrado o ato em repulsa de agressão do ofendido. As disposições precedentes referidas no artigo eram as regras jurídicas estabelecidas nos arts. 1.537 a 1.539 do Código de 1916.

Reconhecida a legítima defesa pela sentença penal que transitou em julgado, em face das disposições acima, não era possível, no sistema do Código de 1916, reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, no âmbito civil. O juiz civil aceitava aquilo que ficou reconhecido no juízo penal.

Presentemente, não se impede a ação indenizatória, ficando reconhecido o direito regressivo contra o terceiro.

Quanto ao estrito cumprimento do dever legal, embora reconhecida naquele regime a causa de exclusão pela justiça criminal, com força de coisa julgada, não se impedia ao juízo cível conhecer do fato, para que se medisse a extensão da agressão ou da conduta lesiva, e se avaliasse o grau de culpa com que o ato tenha sido praticado. De Hélio Tornaghi vinha o ensinamento: “É absolutamente irrelevante no juízo cível que no criminal se haja decidido ter sido o ato danoso praticado no estrito cumprimento do dever legal. Tal circunstância exclui a ilicitude penal, mas não a civil. Nem do art. 159, nem do art. 160 do CC se infere a licitude civil do ato praticado no estrito cumprimento do dever legal. Ao contrário, o que é justo e razoável é que o dano seja ressarcido ou reparado”.52 Recorda-se que os artigos 159 e 169 mencionados correspondem aos arts. 186 e 388 do atual Código Civil.
32.7. INTERESSES POSITIVOS E INTERESSES NEGATIVOS

Dois dispositivos do Código Civil redundam em grande importância prática: o art. 389, firmando que, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários advocatícios; e o art. 402, ordenando que, salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente se deixou de lucrar.

Constituem disposições que se exteriorizam nas perdas e danos emergentes e no lucro cessante, matéria já observada. Os danos emergentes correspondem à efetiva diminuição patrimonial. Os cessantes equivalem ao lucro que deixou de agregar-se ao patrimônio do lesado. No primeiro caso, temos as perdas e danos negativas, ou interesses negativos, enquanto no segundo situam-se as perdas e danos positivas, ou interesses positivos.

Negativos os danos porque há um desfalque do patrimônio existente. No contrato, deriva do não ingresso da prestação prometida, como no financiamento; do desfalque do patrimônio em vista do incumprimento ou da lesão ao patrimônio; das despesas que acarreta para o credor a mora. Já se consideram positivos se deixou de aumentar o capital, anotando Ruy Rosado Aguiar Júnior: “O interesse positivo é o interesse de cumprimento; corresponde ao aumento que o patrimônio do credor teria experimentado se o contrato tivesse sido cumprido. É o acréscimo que o contratante, caso fosse cumprido, auferiria com o valor da prestação, descontado o valor da contraprestação, e mais a vantagem decorrente da disponibilidade desse acréscimo, desde o dia previsto para o cumprimento até o da indenização. O que o contraente ou pré-contraente deixou de ganhar também é indenizado. Toma-se por base, por exemplo, o que valeria no momento da prestação da indenização, o bem a ser prestado”.53

Esta segunda modalidade de perdas e danos envolve uma dimensão vasta. Sob outra ótica, mas aplicável à espécie, Araken de Assis aponta exemplos: “A egrégia 7ª Câmara Cível do TARGS, na Ap. Cív. nº 192081966, julgada em 10.06.1992, de que foi Relator o eminente juiz Dall’Agnol Júnior, assentou que a indenização abrange interesses positivos, ‘entre esses situando-se a eventual valorização do imóvel entre a data do negócio e a em que se deveria cumprir a prestação’, ou seja, como a Câmara esclareceu na Ap. Cív. nº 192138121, de 16.12.1992, em que foi Relator o eminente juiz Flávio Pâncaro da Silva, ‘a diferença entre o que se pagou, devolvido com correção, e a valorização real do imóvel’. Em outra oportunidade, a mesma Câmara concedeu o ‘aumento do patrimônio do lesado, se tivesse ocorrido o cumprimento’ (Ap. Cív. nº 192.111.615, 01.07.1992, Rel. juiz Dall’Agnol Júnior)”.54

Aspectos esses de suma importância. Os bens, no curso do tempo, adquirem uma mais-valia, ou valorizam em vista de várias circunstâncias. Efetuando-se o pagamento de um imóvel representado em uma quota ideal de uma incorporação imobiliária, adquirido, como se diz, na planta, e inviabilizando-se a construção, não resta o adquirente apenas com a restituição do dinheiro que pagou. Procura-se ver a estimativa da fração adquirida no mercado. A restituição terá em conta o valor do imóvel no mercado. Proporcional ou percentualmente ao montante pago, sobre a estimativa do imóvel pronto, é que se indenizará pelo incumprimento. Numa representação comercial, a simples resolução antes do prazo importa em indenizar o que deixara de ganhar o representante. Assim foi decidido: “A paralisação de atividade da empresa representada, resultando em rescisão unilateral do contrato de representação comercial, enseja ao representante direito à indenização, por não configurar motivo de força maior capaz de justificar o descumprimento”.55

Mora

Resolução

30.1. JUSTIFICAÇÕES

Certo de que o Código Civil disciplina a resolução dos contratos dentro do Capítulo II do Título V, Livro I da Parte Especial (vinha no Capítulo II do Título IV, Livro III, da Parte Especial do Código anterior), e, assim, em seção correspondente aos contratos. A matéria, pois, não condiz com a sua posição ou colocação no assunto que desenvolve as obrigações. Há, todavia, forte pertinência entre o inadimplemento ou não cumprimento e a resolução. Normalmente, a falta de execução ou inadimplemento conduz não apenas a consequências indenizatórias, mas também à resolução, que se alça como um direito reconhecido ao contraente cuja prestação não é satisfeita. Pondera Mário Júlio de Almeida Costa: “As várias causas do não cumprimento produzem diferentes consequências jurídicas: enquanto que umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras constituem o devedor em responsabilidade indenizatória e conduzem à realização coativa da prestação; e outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do devedor, podendo até verificar-se um direito de indenização deste contra o credor”.1

Procura-se enfocar a resolução no campo das obrigações bilaterais, porquanto o Código Civil – arts. 475 e 472 – se atém aos contratos bilaterais. Ninguém desconhece que os contratos propriamente ditos vêm depois das obrigações consideradas de modo geral, mas nada mais são que obrigações definidas em categorias materializadas. O que são eles senão um feixe de direitos e obrigações setorizados em determinados campos das atividades e dos bens? De modo geral, todas as pessoas lesadas pelo inadimplemento estão autorizadas a pedir a resolução. Em face do inadimplemento das obrigações, autoriza-se o pedido da indenização por perdas e danos. Envolvendo a omissão no cumprimento uma obrigação bilateral, consubstanciada em um contrato, como de compra e venda, de entrega de mercadorias, de confecção de um produto, e depois de decorrido o prazo para o cumprimento, com a devida constituição em mora se for o caso, admite-se o simples desfazimento da avença, solução esta que não subtrai a faculdade de reclamar o competente ressarcimento pelos danos.

Ao invés, pois, de se estudar a extinção das obrigações, e destacadas as consequências do inadimplemento, procura-se delinear os caminhos para a resolução da relação obrigacional ou contratual.

O normal é o cumprimento das obrigações. Cria-se uma relação entre dois seres humanos, a qual se formaliza mediante um instrumento, onde se descrevem o objeto e os direitos e obrigações. Esta relação, chegando ao fim, e dando-se a sua plena satisfação, se extingue, eis que não tem mais razão de ser. A mesma relação está sujeita a percalços e frustrações. Submete-se à sua não realização plena. Surge um fato superveniente que a impede de atingir seu escopo último. Tem-se a resolução. Dentre vários outros fatores que derruem seu aperfeiçoamento, alguns constituem as causas que invalidam o ato, como a incapacidade do agente ou ilicitude, a impossibilidade e a indeterminabilidade do objeto, a par de outras, discriminadas nos arts. 166 e 167. O negócio fica nulo. Declarase a nulidade. Mas há aqueles que permitem a anulação, dependendo da ação da parte prejudicada. Estão aí os vícios do consentimento, discriminados no art. 171. Mas não se fica só nessas classes. Comum que a obrigação não chegue ao seu desiderato, que é o cumprimento, em razão da falta da comutatividade, da alteração das circunstâncias quando da celebração, da excessividade da prestação. Sempre se encontra um motivo para recompor-se a situação vigente antes. Frequente, outrossim, que haja o simples inadimplemento, levando às perdas e danos ou à resolução.

Centra-se o objeto do presente estudo a separar a viabilidade da resolução. Não se tem o escopo de desenvolver uma teoria de nulidades, das resoluções e das rescisões. Pois, como ensinam os doutos, vários os caminhos em torno do inadimplemento, e dentre eles está a resolução. Salienta José Mélich-Orsini: “Para evitar al acreedor que el deudor pueda privarle de la prestación, la ley le concede la acción de cumplimiento (la llamada ‘ejecución forzosa en forma específica’), y si ello no es posible, por haberse consumado ya esa privación, le concede la acción de responsabilidad civil (la denominada ‘ejecución por equivalente’). Por lo que respecta, en cambio, al daño que hemos caracterizado en último lugar, susceptible, según dijimos, de presentarse solo cuando hay un contrato bilateral..., nuestro ordenamiento positivo ha proveído con una nueva especie de acción: la acción de resolución del contrato”.2
30.2. RESOLUÇÃO E FIGURAS AFINS

Possível extinguir o vínculo contratual por motivo que apareceu depois da formação. Normalmente, tal motivo consiste no inadimplemento. Está aí a “resolução”, considerada um instituto que leva à desconstituição da obrigação, em face de fato superveniente, ou que surge depois de celebrada a mesma, e acarretando a extinção da relação bilateral. Percebe-se a nota que a distingue de outras figuras: o desfazimento do negócio, em virtude de causa superveniente à formação do vínculo.3

Não se confunde com a “rescisão”, que também compreende o desfazimento do negócio jurídico, mas por defeito anterior à sua formação. Encontra-se, aqui, um vício do objeto, antecedente ao consenso.

Há também a “resilição”, palavra utilizada para significar a desconstituição de um negócio ante permissão prevista expressamente na lei, como quando autoriza a retratação, ou a denúncia, e assim no comodato, ou na locação por prazo indeterminado. Assim denomina-se na extinção por fato natural, como a morte, ou o perecimento do objeto. A previsão está no art. 473 do Código Civil: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.

Em certas situações, quando houve razoáveis ou vultosos investimentos, apenas depois de ocorrido considerável lapso de tempo autoriza-se a resilição, conforme contempla o parágrafo único: “Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.

Já a “revogação” abrange o desfazimento do contrato mediante a declaração das partes ou do autor do contrato unilateral, tal acontecendo no testamento, na doação, no mandato.

A “nulidade” advém da falta de requisito ou elemento essencial no contrato, como do preço na compra e venda.

A “anulabilidade” pressupõe igualmente um vício anterior ao ato, ou congênito, vigorando, porém, o mesmo até que o juiz o declare, e dependente sempre da iniciativa da parte.

O “distrato” revela-se como um negócio pelo qual as partes, de comum acordo, extinguem um contrato anteriormente celebrado, consoante o art. 472.

Conhece-se, ainda, a “denúncia”, própria “nas obrigações que se desenvolvem continuamente”,4 espécie de ato em que a pessoa manifesta a alguém com o qual mantém uma relação de direitos e obrigações o desiderato de extingui-la, de não continuá-la (naquelas relações duradouras), sem depender, para a validade, do consentimento do mesmo; o “arrependimento”, previsto em cláusula autorizando que seja desfeito o negócio, como nas arras penitenciais; a “redibição”, a qual extingue o contrato de compra e venda por vício ou defeito oculto quando da celebração; a “prescrição”, que é o efeito do tempo sobre a pretensão; a “decadência”, quanto aos direitos que deixam de ser exercidos; a “renúncia”, manifestada, em geral, por um ato unilateral de vontade dirigido a abdicar do cumprimento.
30.3. RESOLUÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO

Há as causas “extintivas” do contrato ou da relação obrigacional contemporâneas à sua formação ou nascimento, que nascem com o germe que desencadeará a extinção, e assim, v.g., os vícios de consentimento; e as causas “supervenientes”, que aparecem no seu curso, na sua vida, desconstituindo-o, isto é, resolvendo-o. Não chega ao seu final, completando o ciclo normal de vida, que se alcançaria com o adimplemento integral da prestação. A execução corresponde à sua realização plena, com a satisfação dos direitos e deveres contemplados no seu conteúdo ou objeto. Equivale à solutio, ou ao pagamento, ficando plenamente atingida a finalidade, já que atendidas as partes nas estipulações em que convieram. Com o recebimento do valor contratado, ou da entrega do bem, da obra, passa-se a quitação, consistente no ato ou termo que atesta ou prova o cumprimento.

No caso em exame, não se opera o adimplemento. Mais propriamente, não se extingue pela execução concretizada com o pagamento. Nem se observará a sua não conclusão em face de circunstâncias ou causas anteriores ou contemporâneas à formação, verificadas na nulidade, na anulabilidade, na ineficácia por ausência de algum elemento constitutivo, como do bem na doação. Fixa-se o incumprimento em razão de fato superveniente ou posterior. Estuda-se a resolução da relação firmada por força da superveniência mais do não cumprimento da obrigação, o que leva, também, à extinção. Extinção, porém, por não satisfação dos interesses convencionados, não se afastando, porém, a decorrente da estipulação das partes.5 Embora não afetada, em sua origem, por deficiências ou vícios, a relação obrigacional se frustra, fracassa, morrendo no caminho.

A resolução por inadimplência voluntária ou involuntária da obrigação encontra fulcro no art. 475, assim redigido: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. O termo ‘rescisão’, pelas observações já feitas sobre o sentido do termo, é inapropriado, porquanto se adapta ao desfazimento do negócio em razão de vício do objeto ou do consentimento, em momento anterior ou concomitante à formação do vínculo. Como se trata da desconstituição advinda do inadimplemento, que se torna postulável a partir da declaração de vontade dos figurantes, a palavra correta é “resolução”.

Outrossim, a regra acima se restringe aos contratos bilaterais, envolvendo duas declarações volitivas. Isto mesmo quando uma vontade apenas declara ou assume obrigações (doação, comodato), mas a outra revela concordância, mantendo-se, pois, a existência de dois lados ou de uma relação. Neste tipo de contrato, cada um dos parceiros se compromete em emprestar para o outro, o qual lhe contrapresta, ou também cumpre uma obrigação. Carvalho Santos conceituava nesta espécie “aquele em que fica assegurada a reciprocidade de prestações”, diferenciando-se dos unilaterais, nos quais “não há essa reciprocidade de prestações, porque só uma das partes se obriga à prestação”.6

Na dicção do dispositivo, tem-se a inadimplência voluntária, ou não causada por uma impossibilidade material. Como decorre do art. 389, o cumprimento deve operar-se na integridade, nos termos da contratação. Daí ressaltarem-se algumas regras para verificar se ocorre na plenitude, como o modo de se cumprir, seguindo as condições, o lugar da prestação, as suas qualidades e as características, a pontualidade, ou no tempo devido, em vista do que emana também do art. 394, que atribui a mora a quem não efetua o pagamento “no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”; a integralidade, envolvendo a obrigação principal e a acessória, ou abrangendo a própria coisa e os frutos e rendimentos.

Uma vez não atendida a prestação na forma convencionada, ocorrem dois inconvenientes ao credor, segundo expõe Ruy Rosado Aguiar Júnior: “Priva-o de receber a prestação esperada, com os prejuízos daí decorrentes; expõe-no ao risco de perder a contraprestação por ele antecipada. Há a diminuição imediata de seu patrimônio e a frustração da vantagem que adviria com o cumprimento pelo devedor, o que significa sofrer dupla perda”.7
30.4. ESPÉCIES DE INCUMPRIMENTO

Podem-se classificar algumas espécies de incumprimento.

Em primeiro lugar está aquele “voluntário”, ou por culpa do devedor. Este o contemplado no art. 475, e que acarreta a indenização por perdas e danos, seja nas obrigações de dar, de fazer ou não fazer. No pertinente ao “involuntário”, também se resolve a obrigação, podendo ocorrer por vários fatores, todos alheios à vontade do devedor, como a superveniência de caso fortuito ou força maior, da impossibilidade de cumprimento em face do surgimento de uma situação imprevisível, da quebra da base objetiva existente quando da contratação, da onerosidade excessiva, dentre outros estados impeditivos. Unicamente isenta-se o devedor do ressarcimento das perdas e danos. Não se afasta a consequência de se compelir à restituição da prestação recebida. Mesmo que haja a ocorrência de um fator de impedimento de se cumprir o estipulado, não deixa de resolver-se o contrato, isto é, de desconstituir-se, retornando as partes à situação anterior, e restituindo-se aquilo que foi recebido. Mas encontrando-se o devedor em mora no cumprimento, não se isenta das perdas e danos.

Há o inadimplemento “imputável” ou “não imputável” ao devedor, que se resume no voluntário ou involuntário, mas observando-se que o primeiro advém de decisão do devedor e o segundo pode decorrer não somente de circunstâncias fáticas externas, como caso fortuito e força maior, e sim também de conduta do credor que não quer cumprir a sua parte da obrigação – aplicando-se, então, o art. 476, ou de ato de terceiro.

Costuma-se distinguir o inadimplemento “definitivo” do “não definitivo” – aquele se consuma com a falta de atendimento, e daí fica irrecuperável, tornando imprestável a prestação depois de determinada época, como a não entrega de um produto para uma data impostergável, ou o não comparecimento de um artista em uma festa para a qual se comprometera; e o segundo trazendo prejuízos ao credor, como o restrito a algumas qualidades dos produtos encomendados, ou a realização parcial de uma tarefa, possibilitando-se, ainda, a sua complementação, isto é, ressalta a possibilidade de se cumprir a parte faltante.

O inadimplemento pode ser “total” ou “parcial”. O total, que alguns denominam absoluto, e que também se confunde com o perfeito, considera-se aquele não mais recuperável, ou que diz com a essência da prestação. Avençando-se a entrega de um bem, o mesmo é destruído por culpa do vendedor. Já o parcial vem indicado pela própria palavra, pois expressa que em parte foi atendido o dever firmado. Ao invés de concluir uma pintura em uma obra, entrega-se somente uma parcela da obra já pronta. Nesta subdivisão pode-se incluir o adimplemento imperfeito, de uso frequente, e grande incidência, como quando alguém entrega até a data aventada uma parcela da mercadoria a que se comprometera. Impossível enjeitar a totalidade da obrigação.

Apontam os doutrinadores a falta de atendimento da obrigação “principal”, ou da “acessória”, conforme se relacione ao seu próprio objeto, ou a aspectos secundários, isto é, aos frutos, aos rendimentos.

Finalmente, tem-se o que se convencionou denominar “a quebra positiva do contrato”, modalidade que vem suscitada no direito ultimamente, e no Brasil desenvolvida, dentre outros (Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Clóvis do Couto e Silva) pelo juiz gaúcho Ubirajara Mach de Oliveira, em excelente trabalho publicado na Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Diz-se ‘positiva’ a quebra porque não se realiza um ato que cumpria fosse praticado.

Conceitua-se esta espécie como o descumprimento na realização de um ato, de um dever e não propriamente ante uma omissão de algo especificado na avença. Abrange atos positivos, ou que deveriam ser praticados, inerentes ao pacto, e atos de cumprimento defeituoso, causadores de danos. Tem pertinência mais ao não cumprimento de um dever legal, no sentido de que o devedor desatende algo que lhe cabia cumprir, adjetamente à obrigação principal. Suscitada a figura pelo advogado alemão Hermann Staub, traz Ubirajara Mach de Oliveira esta ideia: “Define-se a infração contratual positiva, genericamente visualizada, como uma lesão culposa da obrigação, que não tenha como fundamento a impossibilidade ou a mora. Consoante o Restatement (Second) of Contracts, a quebra positiva do contrato é o não cumprimento de um dever legal, quando exigível em face de um contrato...

Numa visão dogmática atualizada, tem-se a violação positiva do contrato como um conceito descritivo a obter pela negativa. Abarca as hipóteses de cumprimento defeituoso da prestação principal, de incumprimento ou impossibilitação de prestações secundárias e de violação de deveres acessórios. A esses casos são aplicáveis as seguintes regras: direito à indenização pelos danos, a possibilidade de recusar legalmente a prestação e a de mover a exceção do contrato não cumprido”.8

Para bem separar este campo de incumprimento comum, necessário lembrar que o dever principal é aquele objeto máximo da obrigação. Na compra e venda, certamente será o pagamento relativamente ao comprador, e a entrega da coisa de parte do vendedor. O secundário ou acessório acompanha o principal, exemplificando-se como na entrega do bem dentro das regras do bom transporte, na conservação da coisa locada, no pagamento dos juros convencionados em contrato de mútuo. Pois bem, ao lado dos deveres principais e secundários, existem os laterais, ou anexos, como os denomina Ubirajara Mach de Oliveira, também na classe dos acessórios, pois se apresentam como instrumento para que se atinja a plena satisfação dos interesses contratuais. Eis algumas espécies indicadas pelo mesmo autor: “deveres de cuidado, previdência e segurança, deveres de aviso e informação, deveres de notificação, deveres de cooperação, deveres de proteção e cuidado relativos à pessoa e ao patrimônio”. Uma outra hipótese, colhida da obra Direito das Obrigações (6ª ed., Coimbra, Almedina, 1994, p. 60) de Mário Júlio de Almeida Costa: “O dever lateral do locatário, de avisar prontamente ao locador, sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa, ou saiba de algum perigo que a ameaça ou ainda que terceiros se arroguem direitos sobre ela, quando o fato seja ignorado pelo locador; o operário, além do dever principal da perfeita realização da tarefa definida no contrato de trabalho, tem o dever lateral de velar pela boa conservação do maquinário”.9 Cuida-se sempre de algo que se tem de fazer.

Em uma cirurgia médica, a obrigação não se resume em realizar a intervenção no organismo, mas também em avisar o paciente das consequências e as probabilidades de cura. No contrato de seguro, insta que a companhia seguradora esclareça ao segurado da inutilidade em fixar um valor de seguro superior ao preço do bem garantido. Numa empreitada, embora o objeto do contrato centre-se na construção, há a inerente obrigação de conservação, de modo a não trazer prejuízos. Em um contrato de publicidade, resta subentendido que, além do painel sobre certo produto, exige-se a colocação em local adequado à sua visão e divulgação.

Esta espécie de causa, no entanto, pode incluir-se dentro do adimplemento imperfeito, assunto a ser abordado adiante.

Resta evidente que a omissão em realizar os atos, ou a efetivação de atos contrários ao pactuado, enseja a resolução, ou a indenização pelos danos resultantes.10
30.5. RESOLUÇÃO DE OBRIGAÇÕES CONTEMPLADA EM LEI

Normalmente, a resolução do contrato opera-se pelo não cumprimento voluntário. Trata-se da forma mais comum de desconstituição, em que o credor não recebe a prestação a que tinha direito. Verificando-se o incumprimento da obrigação principal, desencadeia-se plenamente o mecanismo para invocar o art. 475 do Código Civil, isto é, para desmanchar o negócio.

Entrementes, o Código Civil em vigor, como fazia o anterior, aponta ou programa uma relação de hipóteses de resolução, indo além do mero inadimplemento. Amplia ou acrescenta novas situações para a resolução. Contempla casos explícitos que levam a não finalizar o contrato. Algumas previsões confundem-se com as nulidades, mas sem perder a especialidade de superveniência. No art. 166, inciso II estão a ilicitude, a impossibilidade e a indeterminabilidade do objeto. No andamento do contrato, verifica-se a ilicitude, ou a impossibilidade, ou que não pode ser determinado o objeto. Igualmente quanto ao inciso III do mesmo artigo, ao se apurar, em momento posterior à celebração, que o motivo determinante da avença, comum a ambas as partes, é ilícito. A constatação não acontece quando do nascimento do negócio.

De outro lado, o art. 127 indica a convenção resolutória, ao tratar da condição resolutiva. Advindo a mesma, fica desmanchado o negócio – “enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico”. Perdura, v.g., a doação até que o donatário atenda a condição, ou até que preste a assistência a que se comprometeu.

No regime do Código de 1916, havia o pacto comissório, caracterizado mais uma situação – art. 1.163: “Ajustando que se desfaça a venda, não se pagando até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço”.

Na obrigação de dar coisa certa, e vigorando condição suspensiva, enquanto não acontecida, perdendo-se a coisa sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação para ambas as partes, segundo o art. 234. Também na obrigação de restituir coisa certa, vindo a mesma a perder-se sem culpa do devedor antes da tradição, fatalmente termina o contrato, sofrendo o credor a perda, como assegura o art. 238. Assim, igualmente versando a avença de obrigação de fazer, se esta se tornar impossível, sem culpa do devedor, na previsão do art. 248, como quando inviabilizar-se a confecção de uma obra, dada a proibição súbita da importação de um material, embora tipificar-se aí mais o caso fortuito ou de força maior.

O art. 395, parágrafo único, autoriza a enjeitar o cumprimento serôdio, se apresentar-se inútil.

Nas obrigações alternativas, malgrado firmadas validamente, e tornando-se todas elas inexequíveis, sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação. Nas arras, estipuladas para fins de arrependimento, resta pacífico o direito de não implementar a prestação definitiva.

Na promessa de compra e venda de imóvel loteado, interrompidos os pagamentos, assegura-se o cancelamento do contrato, depois das providências constitutivas da mora (art. 32 e § 1º da Lei nº 6.766, de 1979). Naquelas de imóveis não loteados, o mesmo direito aparece assegurado, após a competente notificação formadora da mora (art. 1º do Decreto-Lei nº 745, de 1969, alterado pela Lei nº 13.097/2015). E assim vários regramentos especiais, que regulam contratos em setores, citando-se o Decreto-Lei nº 911, de 1969, na redação que trouxe ao art. 66 da Lei nº 4.728, de 1965; a Lei nº 5.741, de 1971, art. 1º, inciso IV, ao exigir a comunicação prévia da dívida ao devedor antes da execução, o que representa uma forma de comunicar a resolução do contrato.
30.6. CAMINHOS OFERECIDOS AO CREDOR FRENTE AO INADIMPLEMENTO

Verificado o inadimplemento, não apenas a resolução oferece-se ao credor. Esta, sem dúvida, constitui a via comum e normal para recompor a sua posição, que é retornar à situação anterior, ou que existia antes do contrato. Ninguém aceita que perdure um contrato se o mesmo está sendo descumprido. Ingressa-se com o pedido para resolver, ou desfazer o negócio, de modo a conseguir a restituição do bem que foi entregue antes.

No entanto, considera-se a resolução uma faculdade da pessoa que não recebeu a prestação prometida. Não se apresenta como uma consequência cogente ou necessária. A resolução é apenas uma alternativa, como deixa entrever José Mélich-Orsini: “Cuando el deudor por su culpa ha hecho ya imposible el cumplimiento en especie de la obligación a cargo suyo, es en efecto lógico que, dentro de los principios enunciados, se le conceda a su acreedor no solo la acción para pedir el llamado ‘cumplimiento por equivalente’ (los daños y perjuicios compensatorios), sino también la acción de resolución del contrato que le preserva contra el riesgo de que, no pudiendo él obtener ya la conducta que le había prometido su deudor, en la eventualidad de que este resulte todavía insolvente, vaya a perder también lo que él mismo había dado o se había obligado a dar”.11 Pode postular o credor a execução da prestação, de modo que venha a ser satisfeita, ou permite-se que peça o ressarcimento, isto é, a indenização pelas perdas e danos decorrentes do não cumprimento. Bem-postas esta e outras alternativas por Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

“Pode promover a ação de cumprimento, para obter a prestação específica convencionada, mais as perdas e danos decorrentes da violação contratual; propor a ação de adimplemento, para receber o equivalente, se impossibilitada a prestação específica, com perdas e danos (art. 879); ou resolver a obrigação, através do exercício do seu direito formativo, extrajudicialmente, nos casos permitidos em lei, ou pela via judicial, como é a regra prevista no sistema para os contratos bilaterais; manter o contrato, reduzindo o preço, com perdas e danos (art. 867), ou sem elas (art. 866); receber a coisa restituída, com ou sem direito à indenização (art. 871); ou mandar executar ou desfazer, à custa do devedor (arts. 881 e 883). Poderá também aguardar a iniciativa da contraparte, retendo a sua prestação (art. 1.092)”.12 Os referidos artigos 879, 867, 866, 871, 881, 883 e 1.092 equivalem, respectivamente, aos arts. 248, 236, 235, 240, 249, 251 e 476 do atual Código Civil.

A falta de pagamento, na locação, desencadeia, normalmente, a resolução do contrato, por meio da ação de despejo, como decorre do art. 9º, inciso III, da Lei nº 8.245, de 1991. Todavia, não se proíbe que o locador ajuíze simplesmente a ação de cobrança, optando por manter o contrato. Assim também em alguns contratos especiais, como na venda com reserva de domínio, na alienação fiduciária, no arrendamento mercantil, optando a parte inadimplida por manter o contrato, e cobrar simplesmente as quantias devidas. A opção entre a ação de cumprimento e de resolução restringe-se ao credor. Não se permite que o devedor se oponha à hipótese escolhida, e exija o exercício de outra viabilidade, até porque seria abrir ensanchas para protelações estéreis, como quando não apresenta segurança para a execução da dívida.

De outro lado, não se pense que a resolução por falta de cumprimento impede o ressarcimento pelas perdas e danos. Uma vez inadimplido o contrato, e decorrendo prejuízos ao credor, perfeitamente viável a ação de resolução com a de cobrança do valor devido a título de prejuízos. Assegura-se que ingresse com a resolução subsidiariamente ao pedido de cumprimento, ou como alternativa para o caso de não logrado êxito no cumprimento, por representar maior importância a execução da obrigação.
30.7. CUMPRIMENTO IMPERFEITO E A RESOLUÇÃO

Situação das mais intrincadas tem se apresentado quando cumprida em parte, ou razoavelmente, a prestação. A matéria já foi lembrada em Capítulo anterior. Não se cuida tanto do adimplemento parcial, ou em parte, no sentido de abranger a quantidade, e sim a qualidade, ou a perfeição. O art. 394 Código Civil tem como completo o pagamento quando efetuado no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. Já o art. 389 assinala para as perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado, se não cumprida a obrigação.

Karl Larenz orienta como se realizará a prestação: “El deudor no sólo está obligado simplemente a cumplir la prestación, sino que ha de realizarlo diligentemente, es decir, como cabe esperar de un ‘ordenado’ comerciante, artesano, empresario o comisionista de transportes, etc. Pero si la cumple de modo negligente y su descuido origina daños adicionales o suplementarios al acreedor (prescindiendo de que de esa forma puede o no plenamente satisfecho su interés en la prestación) el deudor responderá igualmente de ellos. Su prestación no se torna así imposible, ya que es realizable, y el daño producido no se debe al retraso en el cumplimiento, pues si así fuera bastarían los preceptos sobre la mora para su regulación”.13

Depreende-se, da explanação acima, a consequência, que é indenizar os danos pelo cumprimento insatisfatório, ou ruim, ou deficitário.

Araken de Assis concebe a indenização se aceita a prestação embora insuficiente: “Logo exsurge curial que, porventura aceita a prestação, embora deficitária, a controvérsia ulterior limitar-se-á à perquirição do dano e da sua indenizabilidade. Neste sentido, incensurável se mostra o aresto da 6ª Câmara Cível do TJ-RS, repelindo o desfazimento de contrato, porque o fornecedor de certo equipamento faltou à prestação de assistência técnica, já extintas, no demais, as obrigações recíprocas, e remeteu o queixoso ao pleito autônomo de perdas e danos (6ª Câm. Cív. TJ-RS, 21.04.87, JCCTJRS, v. 2, t. 7, pp. 274-281)”.14

No REsp nº 191.802/SP, da Quarta Turma, j. em 02.02.1999, p. no DJU de 28.02.2000, o então Min. Ruy Rosado de Aguiar bem sintetizou esse rumo de solução:

“O cumprimento imperfeito do contrato de construção, atrasando a proprietária da obra o pagamento de algumas prestações, pode não caracterizar causa suficiente para a extinção do contrato, considerada a grandiosidade do empreendimento e o valor das prestações, cabendo apenas indenização pelo dano daí decorrente. Atraso na execução do cronograma e paralisação indevida da obra, razões consideradas suficientes para extinção do contrato a pedido da proprietária.

Ação proposta pela contratada julgada parcialmente procedente, para ser indenizada pelos atrasos, e procedência parcial da reconvenção oferecida pela contratante, com resolução do contrato por culpa da construtora.

Compensação judicial. Possibilidade”.

Unicamente se inútil a prestação viabiliza-se a solução resolutória. Não se a satisfação não foi plena, na qualidade combinada, mas trouxe alguma utilidade. Consoante antevia Pontes de Miranda, “basta que o adimplemento ruim seja tal que se cancele o interesse do credor em torná-lo bom, ou que retire poder confiar-se no adimplemento posterior”.15 Por outras palavras, não serve para o credor, não atende seus interesses, não preenche a lacuna da necessidade. Vem em abono a esta exegese o parágrafo único do art. 395, apesar de restritamente à mora: “Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.

Também Mário Júlio de Almeida Costa segue esta trilha, já entrando na pouca importância da prestação faltante,16 a qual é vista no lado quantitativo e no qualitativo. Cumprida uma obrigação de fazer, mede-se a utilidade, ou se trouxe algum resultado, ou se algo pode ser aproveitado.

Assume relevância a matéria se apenas obrigações acessórias ficaram para trás, ou não realizadas, ou algumas parcelas frente ao total que era para atender. Aqui se está diante da incumprimento mínimo, longamente ressaltado por Ruy Rosado Aguiar Júnior,17 ilustrando com o exame da legislação comparada, como o art. 1.455 do Código Civil italiano: “O contrato não pode ser resolvido se a inexecução de uma das partes tiver escassa importância, levando em consideração o interesse da outra”. Totalmente injusto resolver-se uma promessa de compra e venda por ficarem sem pagamento algumas prestações de um grande número, ou admitir-se a execução hipotecária, com a adjudicação do bem, num contrato de financiamento da casa própria, também pelo não pagamento de algumas parcelas. Assim em qualquer negócio especialmente de compra e venda.

Inclusive no arrendamento mercantil o STJ tem aplicado a teoria, se poucas prestações faltarem para o adimplemento total:

“1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual ‘[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos’.

2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.

3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: ‘31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido’. O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença.

4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título”.18
30.8. DEFESAS DO INADIMPLENTE

Pode não interessar à parte obrigada a resolução; é possível que se lhe ofereçam não propriamente evasivas, mas motivações suficientes que levem a manter o negócio, ou a resolvê-lo, mas sem as perdas e danos. Na maioria das vezes, o inadimplemento não se caracteriza propriamente como um inadimplemento, mas advém de fatores não afetos à vontade das partes, segundo colocação de Maria Helena Diniz: “A total inexecução contratual pode advir, algumas vezes, de fatos alheios à vontade dos contratantes, que impossibilitam o cumprimento da obrigação que incumbe a um deles, operando-se de pleno direito, então, a resolução do contrato, sem ressarcimento das perdas e danos, por ser esta uma sanção aplicada a quem agiu culposamente, e sem intervenção judicial, exonerando-se o devedor do liame obrigacional”.19

Em primeiro lugar, sempre quando não verificada a culpa, afasta-se a indenização por perdas e danos, o que é importante para o devedor. Revela-se decisivo o ensinamento de Carvalho Santos, que se mantém atual: “O inadimplemento do contrato, por parte de um dos contratantes, dá ao outro o direito de promover em juízo a sua rescisão. Bem entendido: se o inadimplemento for culposo, pois, de outra forma, se a prestação se tornou impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação, não havendo perdas e danos a reclamar”.20

Possível estabelecer alguns elementos para ensejar a resolução com perdas e danos, ou a resolução culposa: o inadimplemento do contrato, a verificação de culpa daquele que não cumpre, e a decorrência de prejuízos. Uma vez não verificados, há a simples resolução, ou o retorno à situação anterior, com a restituição do que recebeu cada parte.

Como primeiro passo, e constitui o lugar comum, é alegável a exceção do não cumprimento pela outra parte, isto é, a exceptio non adimpleti contractus. Incumbia, antes, ao credor cumprir, como está convencionado. E a falta de cumprimento foi causada pela mora do credor, que se recusou ao recebimento da prestação. São duas as defesas, sob a mesma exceção. Mas não representa este meio um caminho para afastar o direito do credor em receber o seu crédito. Daí parece normal lançar o veredicto de o réu cumprir tão logo tenha o credor satisfeito a sua obrigação. Na verdade, nem se garante o direito de o credor buscar algo se está em mora quanto à sua obrigação. Nesta parte, conveniente seguir a orientação da seguinte ementa: “A exceptio non adimpleti contractus só pode ser alegada com propriedade quando as prestações são contemporâneas (trait pour trait). Quando as prestações são sucessivas, não é lícito invocá-la, em seu prol, a parte a quem incumbia dar o primeiro passo”.21 Acontece que, justificam Colin e Capitant, “si los contratantes no han determinado la orden de cumplimiento de sus obligaciones, este cumplimiento debe ser recíproco y simultáneo”.22

Frequente também alegar a impossibilidade, verificável em vários ângulos. Sustenta-se a nulidade, com amparo nos casos do art. 166 Código Civil. A título de demonstração: compra de um bem que já pertence ao adquirente, ou um negócio envolvendo um objeto proibido. Mário Júlio de Almeida Costa fala na impossibilidade legal ou jurídica, que se afigura “quando a prestação debitória consiste em algo que a lei de todo obstaculiza a que se produza designadamente a celebração de um negócio proibido e considerado nulo caso se realize. Exemplifique-se com o contrato através do qual uma pessoa se obriga a vender uma coisa do domínio público..., ou a vender uma coisa imóvel por simples escrito particular”.23

Em estudo anterior, foram apresentadas as causas que isentam das perdas e danos, ou que justificam o inadimplemento, ou inexecução, nome este que imperava no Código anterior. Assim o caso fortuito ou força maior, a teoria da imprevisão ou da rebus sic stantibus, a quebra da base objetiva vigorante quando do contrato, a lesão enorme, o estado de perigo, a onerosidade excessiva. Há também os vícios de consentimento, no elenco do art. 171.

Toda série de justificações admite-se, desde que combine cada uma com a verdade e a lei. Assim, acontece com a existência de condição suspensiva, o cumprimento integral já verificado, o adimplemento substancial, a impossibilidade temporária, a mora antecedente do credor, a prescrição. Acrescenta Antônio Chaves: “Mas a verdade é que numerosas causas ou circunstâncias podem incidir sobre o cumprimento das obrigações avençadas, desviando-as do seu cumprimento normal: acontecimentos alheios à vontade dos contratantes, e imprevisíveis, como a incapacidade superveniente, a falência, a morte de um dos contratantes, ou decorrentes de seu próprio assentimento mútuo em desfazer o combinado, ou ainda em decorrência de uma expressa disposição de lei etc.”24

Se ambas as partes encontram-se inadimplentes, faltando ao mesmo tempo com a obrigação, levando a verificar-se a mora simultânea, o mais correto é decretar-se a resolução do contrato por culpa de ambas, e não concedendo as perdas e danos. Nestas circunstâncias, eliminam-se ambas as moras. Em princípio, porém, não cabe olvidar o exame do inadimplemento quantitativo, ou da maior carga da inadimplência, com repercussão nas perdas e danos. Apenas aquele a quem se tornou inútil a prestação está autorizado a pedir a dissolução da relação contratual. De outro lado, ainda quanto à mora simultânea, àquele a quem se exige o cumprimento em primeiro lugar, não se garante o direito de pedir a resolução por incumprimento do outro. Entendimento que se encontra na jurisprudência: “O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isto mesmo, nenhuma delas, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A ideia predominante aqui é a da interdependência das prestações. Assim, havendo rescisão tácita do contrato firmado, aquele que adiantou serviços e despesas pode perfeitamente postular indenização por perdas e danos, considerado o disposto no art. 1.092, parágrafo único, do CC”.25 Corresponde o parágrafo único do art. 1.099 ao art. 475 do vigente diploma civil.
30.9. EFEITOS DA RESOLUÇÃO

Verificado o inadimplemento, e operando-se a resolução, alguns efeitos emergem. As partes retornam à situação anterior, como se não tivesse existido o contrato. É desfeita a relação contratual. Na compra e venda, volta o bem para o vendedor. Ficam os contratantes, ainda, liberados ou desonerados das prestações pendentes. Extingue-se a obrigação, devendo ser restituídas as prestações já efetivadas. Estes os efeitos primordiais. Existem outros, quanto ao alcance da resolução.

A extinção do contrato se opera retroativamente, ou desde o momento inicial, se cumprido em um único momento. As consequências jurídicas que se formaram ficam extintas, ou desaparecem. Na falta de pagamento, a resolução remonta ao início. Restituem-se as prestações recebidas. Devolve-se o bem objeto da avença. Há o efeito ex tunc, como numa compra e venda, retornando a propriedade ao primitivo dono. Dá-se o retorno como se nunca tivesse existindo o contrato, ou seja, de forma integral, com todos os acessórios, com os frutos e rendimentos, incidindo as perdas e danos no caso de deteriorações ou perecimento. Reconstitui-se ou reimplanta-se o statu quo ante.

Todavia, nos contratos com pagamento continuado, o atraso não importa sempre em se restituir as prestações, passando o efeito a revelar-se ex nunc, ou a partir da resolução, sem repercutir para o passado. Em vários contratos inicia o efeito a contar deste momento, como na locação, no arrendamento mercantil, no próprio arrendamento rural. Consuma-se a resolução em vista do inadimplemento, levando a posse à condição de precária.

Quanto aos terceiros, ficam resguardados se adquiriram os direitos ou os bens entre o negócio e a resolução. Uma vez envolvida numa compra e venda a propriedade, e esta, depois, é transferida para terceiro, não se desconstitui. Respeita-se o direito de terceiro. Ilustra Ruy Rosado Aguiar Júnior: “A alienação de bem móvel, anterior à restituição, feita por quem recebera a coisa em cumprimento da obrigação, é válida e eficaz, ficando o terceiro subadquirente protegido contra a resolução. Ao consumidor que compra vestuário ou eletrodoméstico nas lojas de departamentos, não interessa saber se a mercadoria está paga ou pende ação de resolução”.26

Haveria alguma dificuldade frente ao art. 1.359, nestes termos: “Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha”. Entrementes, para que tal ocorra, isto é, a resolução dos direitos reais concedidos ou transferidos durante a pendência do contrato, impende que seu adquirente tenha tido conhecimento da cláusula resolutiva, ou que, pelo menos, constasse cláusula prevendo a condição de resolução. Sem a previsão relativamente ao subadquirente, tem incidência o art. 1.360, onde se consagra a consolidação da propriedade ao terceiro.

Um outro efeito consiste na indenização, ou no ressarcimento em vista das perdas e danos, decorrência normal que flui do art. 475, ensinando Maria Helena Diniz, em lição que acompanha o direito atual: “Sujeita o inadimplemento ao ressarcimento das perdas e danos, abrangendo o dano emergente e o lucro cessante; assim, o lesado pelo inadimplemento culposo da obrigação poderá exigir indenização pelos prejuízos causados, cumulativamente com a resolução. Se os contraentes convencionaram cláusula penal para a hipótese de total descumprimento da obrigação, esta se converterá em alternativa a benefício do credor. Se, no entanto, for estipulada para o caso de mora, o credor terá o direito de exigir a satisfação da pena cominada, justamente com o adimplemento da obrigação principal”.27 Resta claro que circunscreve-se esta consequência à resolução voluntária, sem abranger a involuntária, ou aquela onde há a impossibilidade de cumprimento por fatos alheios à vontade. Restringe-se a resolução a compelir o contratante a restituir aquilo que recebeu.
30.10. RESOLUÇÃO BILATERAL E UNILATERAL

Procura-se distinguir, aqui, a resolução de comum acordo entre ambas as partes, e aquela permitida por um dos contratantes.

Na primeira, existe o mútuo consenso, ou a deliberação de ambos os contraentes. Trata-se do distrato, que se confunde com um contrato, verificada a presença da vontade dos contratantes na resolução daquilo que haviam estabelecido antes. Retorna-se à situação anterior ao que foi estabelecido. Tem-se um contrato jurídico, bilateral, consensual, sinalagmático, comutativo, e assim com outras características comuns a todos os contratos bilaterais, objetivando a extinção de outro contrato, ou desconstituir aquilo que havia sido convencionado. Daí dois requisitos fundamentais: a existência de anterior contrato, ou estipulação de vontades, e uma nova formulação de vontades, dirigida para extinguir o anterior contrato. Resta evidente a função liberatória. E se há esta função, é porque ainda perduram obrigações. Portanto, o distrato é cabível quando ainda perdura o anterior consenso exteriorizado numa relação. A partir de sua formalização é que passa a vigorar. Os anteriores efeitos perduram e consideram-se válidos. Sua eficácia será ex nunc, máxime no tocante aos direitos de terceiros.

A previsão está no art. 472: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.

Aduz-se, no que difere substancialmente da resolução, que o distrato não tem a largueza da resolução, esta considerada o caminho para a desconstituição de qualquer relação ante o simples incumprimento de suas cláusulas, enquanto aquele não prescinde do consenso de ambas as partes, e nem sempre tendo como pressuposto o inadimplemento.

Por último, pode-se convir que todo o contrato resolvido por mútuo consentimento corresponde ao distrato.

Há, também, a resolução unilateral. Não no sentido de que apenas uma das partes resolve descumprir o contrato, isto é, unilateralmente, ou prescindindo do consenso da outra parte, mas na compreensão de se restringir aos contratos unilaterais. Conforme já observado, há contratos unilaterais, quando, nos efeitos, unicamente a um dos contraentes atinge a obrigação. Assim na doação pura e simples, no comodato, no mandato, no depósito. Nesses contratos, exceto quanto à doação modal ou por ingratidão, basta a simples declaração de vontade de uma das partes para a dissolução. Realmente, como no caso do mandato, não se vislumbram exigências para a resolução. Nem quanto ao depósito, a menos que tenham sido assumidas obrigações mútuas, e inclusive um determinado prazo. Igualmente nos contratos de execução contínua, como os de fornecimento de mercadorias, ou o de comodato sem prazo, o de locação prorrogado por prazo indeterminado. Para a resolução, requer-se unicamente uma comunicação, dando ciência de um prazo findo o qual se encerra a relação. Esta comunicação constitui a denúncia, que se revela num mero aviso de não continuar o contrato, ou de encerrar-se uma relação que antes vigorava. Confunde-se na revogação unilateral, que é a extinção de um ato de vontade que estabelecia obrigações unilaterais, ou sem a correspondente contraprestação. Presente a contraprestação, a revogação confunde-se com o distrato, posto que necessário o mútuo consenso.
30.11. CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA

Por esta cláusula, já vem prevista no contrato a plena resolução no caso de inadimplemento, sem necessidade de prévia interpelação constitutiva da mora. Uma vez verificada a inadimplência, dá-se de pleno direito o vencimento, ou a resolução do contrato. Diga-se, de início, a possibilidade da inserção em contratos de execução diferida, ou a prazo, nos quais se realiza o pagamento através de prestações. Mais apropriadamente, nas avenças de cumprimento não imediato. Às vezes, a própria lei contempla hipóteses de resolução expressa. Aqui, porém, restringe-se o estudo à previsão feita pelas partes da resolução diante do não cumprimento, encontrando apoio no art. 397 Código Civil. Trata-se, no dizer de José Mélich-Orsini, da situação em que “el acreedor de la obligación incumplida pueda fundar su pretensión en un derecho potestativo que se hubiere reservado en el mismo contrato de cuya resolución se trate”.28

Distinta é a cláusula resolutiva tácita, quando nada prevê o contrato sobre a resolução, e dependente sempre da interpelação constitutiva da mora. Verifica-se quando a parte deixa de cumprir o contrato. Todavia, está inserida no art. 475, pois assinala para a resolução qualquer hipótese de incumprimento, anotando Maria Helena Diniz que a mesma (condição resolutiva tácita) “está subentendida em todos os contratos bilaterais ou sinalagmáticos, para o caso em que um dos contraentes não cumpra a sua obrigação”.29 É que em todos os contratos implícita ou tacitamente os contratantes deixam entender que o incumprimento pode levar à resolução. De modo que não é necessário que venha prevista a cláusula de resolução, conforme se depreende deste julgado: “Ainda que inexistente, no contrato, cláusula resolutiva expressa em favor do compromitente-comprador, isso não obsta o ajuizamento direto da ação rescisória, porque ínsita a todo pacto bilateral a cláusula resolutiva tácita. E a cláusula contratual de irrevogabilidade, como natural, diz respeito a arrependimento ou desistência, não à faculdade de requerimento de rescisão por falta contratual da parte contrária, assegurada no art. 1.092, parágrafo único, do CC”.30 O art. 1.092, parágrafo único, retro apontado, equivale ao art. 475 do vigente diploma civil.

O art. 474 da lei substantiva contempla as duas cláusulas: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.

A cláusula resolutiva expressa assemelha-se com a cláusula de arrependimento, pela qual é permitido, a qualquer tempo, nos contratos que se completam no futuro, enquanto não concluídos, o desfazimento da relação mediante a mera manifestação de uma das partes contrariamente ao seu prosseguimento. Cuidava o Código Civil de 1916 da espécie no art. 1.088, sendo que não veio contemplada no Código Civil de 2002: “Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097”. A diferença estava em que a previsão de arrependimento não dependia da mora. Suficiente que se expressasse a vontade da parte para o arrependimento. Na estipulação resolutória, admitida pelo vigente Código, ao contrário, impera a obrigatoriedade do incumprimento ou da mora. Pela simples inadimplência insere-se a automática resolução. Na maior parte dos contratos insere-se esta previsibilidade.

Presentemente, dado o avanço do direito e o realce do caráter social que vai dominando, ambas as modalidades perderam força.

Quanto à possibilidade de arrependimento, desde há tempo não mais prepondera se iniciado o cumprimento. Pontes de Miranda bem representava a inteligência que passou a dominar: “O direito de arrependimento supõe contrato em que não houve começo de pagamento. Porque, tendo havido começo de pagamento, nenhum dos contratantes tem direito de se arrepender, pela contradição que se estabeleceria entre firmeza e infirmeza de contrato”.31 Mesmo havendo arras, mas já iniciado o pagamento, não é permitido o arrependimento, segundo já acrescentava o mestre: “Se as arras constituem começo de pagamento, não há arras propriamente ditas, não há arras a serem devolvidas. A restituição do que foi recebido, em começo de pagamento, teria outra causa, e. g., condição ou termo resolutivo...”.32 Iniciado o pagamento, o avençado há de ser cumprido, pois o sinal integra a obrigação.

Relativamente à cláusula resolutória, embora não drástica na dimensão daquela que assinala o arrependimento, realiza-se com a previsão, em um dos itens do contrato, que o atraso de parcelas acarretará a plena resolução, com as mais diversas consequências. Em geral, acerta-se que desconstitui o negócio o atraso em três ou mais prestações. Não que seja proibida, ou se coloque algum óbice à sua previsão, desde que dentro dos limites do direito.

Ocorre que, na sua grande maioria, as figuras contratuais especiais preveem a constituição antecedente da mora. Não importa que venha prevista a decorrência do incumprimento. Depende sempre da prévia interpelação, ou de outro ato constitutivo da mora. Nas promessas de compra e venda de imóveis loteados, o art. 32 e seus parágrafos da Lei nº 6.766, de 1979, constando ou não a resolução, não se dispensa a intimação para saldar as prestações em atraso no prazo de trinta dias. Nas promessas do mesmo tipo, mas de imóveis não loteados, igualmente interpela-se, concedendo-se o prazo de quinze dias para colocar-se em dia, na forma do Decreto-Lei nº 745/1969, com as alterações da Lei nº 13.096/2015. Embora o só fato da mora resolva o contrato, considera-se o ocupante do imóvel esbulhador, assinala Adroaldo Furtado Fabrício, “desde que notificado na forma do Decreto-Lei nº 745, de 1969, segundo julgou a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em 20 de agosto de 1977, in Rev. Trim. de Jurispr., nº 83, p. 401”. No sentido de que a citação substitui a notificação, com a oportunidade de saldar o valor devido no prazo de defesa, segue o autor: “Aliás, ganha cada vez mais corpo a tese segundo a qual a própria interpelação prévia é substituível pela citação e, portanto, dispensável, como julgou a mesma 2ª Turma recentemente (in Diário da Justiça da União, de 16.10.1978, p. 8.021)”.33

Na alienação fiduciária, é indispensável o protesto ou aviso (Decreto-Lei nº 911, de 1969). E assim constava na venda com reserva de domínio (art. 1.071 do CPC/1973, dispositivo que não foi reproduzido no CPC/2015), no arrendamento mercantil (por construção jurisprudencial), dentre outros casos.

A resolução expressa decorre da mora ex re, pela qual se dá a mora pelo simples vencimento do termo previsto no contrato. No entanto, mais para efeitos da incidência de juros, e para fins de permitir a interpelação constitutiva.

No caso do arrendamento mercantil, existe a Súmula nº 369 do STJ: “No contrato de arrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora”.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), contém regra específica a respeito, no § 2º do 54: “Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior”. Ou seja, desde que prevista a possibilidade de escolher a parte em mora uma alternativa diferente que a resolução, como o pagamento. Assinala a jurisprudência: “No contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, é nula a cláusula que permite ao credor fiduciário considerar unilateralmente rescindido o contrato em caso de mora do devedor fiduciante, pois este tem sempre o direito de purgar a mora, independentemente de ter pagado 40% ou menos do valor financiado, pois tal cláusula, mesmo que embasada nos termos do Decreto-Lei nº 911/69, esbarra na vedação do art. 54, § 2º, do CDC”.34

No entanto, há casos em que o inadimplemento não tem outra solução senão resolver o negócio. A omissão em cumprir permite a medida extrema de desfazer a relação. Assim o contrato de transporte, ou de confecção de uma obra. São aqueles contratos em que as leis não impõem a notificação antecedente; os que o adimplemento não se prolonga, como nas promessas; as avenças de prestação de serviços ou de entrega de uma coisa; os de confecção de obras. “Uma vez estipulado, no contrato, o dia certo do vencimento da obrigação, e não cumprida esta, caracterizada está a mora do devedor, conforme o art. 960 do Código Civil”.35 O art. 960 referido corresponde ao art. 397 da lei civil em vigor.
30.12. CLÁUSULA DE DECAIMENTO

Não raramente, acompanha a cláusula resolutória expressa a cláusula de decaimento, prevendo a perda pura e simples das parcelas entregues. Pontes de Miranda já a combatia, coimando-a de nula, vez que a perda completa das prestações pagas pode consistir em infração ao limite que a lei marcou para a cláusula penal convencional, constando, no art. 412 do Código Civil, proibição para que ela ultrapasse a obrigação principal inserida no ajuste.36 Em imóveis loteados, na previsão do art. 35 da Lei nº 6.766, de 1979, é obrigatória a restituição do montante pago, desde que as prestações satisfeitas atingiram um terço ou mais do preço total. Da importância recebida, permite-se unicamente o desconto da multa de 10%, se os atrasos ultrapassaram a três meses. Princípio aplicável, por analogia e em consonância com o art. 413, aos imóveis não loteados.

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 53, além de em outros dispositivos, é categórico em estabelecer a nulidade. Dispõe o citado cânone: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis, mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabelecem a perda total das prestações pagas em benefício do credor e que, em razão do inadimplemento, pleiteia a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.

Como se observa, a própria norma do Código de Defesa do Consumidor aproxima o regime dos contratos de consórcio e das promessas de compra e venda de imóveis, no que se refere à abusividade de referidas cláusulas.

A norma geral do art. 51, IV, do mesmo Código de Defesa do Consumidor esclarece o motivo de tal nulidade e da reação negativa do direito. Considera abusivas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

O § 1º do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor fornece ajuda para que se verifique, no caso concreto, o exagero da desvantagem.

Efetivamente, a cláusula de decaimento assegura uma vantagem exagerada a uma das partes. Condena o contratante que rescinde o contrato, com causa ou sem causa, não a suportar os prejuízos que eventualmente causou, mas simplesmente condenao à perda total, a renunciar a todas as expectativas legítimas ligadas ao contrato, assegurando ao outro contratante o direito de receber duas vezes pelo mesmo fato. Ponderou o STJ sobre o assunto:

“O direito à devolução das prestações pagas decorre da força integrativa do princípio geral de direito privado ‘favor debitoris’ (corolário, no Direito das Obrigações, do ‘favor libertatis’).

O promissário-comprador inadimplente que não usufrui do imóvel tem legitimidade ativa ‘ad causam’ para postular nulidade da cláusula que estabelece o decaimento de metade das prestações pagas.

A devolução das prestações pagas, mediante retenção de 30% (trinta por cento) do valor pago pela promissária-compradora, objetiva evitar o enriquecimento sem causa do vendedor, bem como o reembolso das despesas do negócio e a indenização pela rescisão contratual.

Recurso especial a que se dá provimento”.37
30.13. MODOS DE RESOLUÇÃO

Há o modo extrajudicial e o judicial. Mas não se dispensando, na maioria das vezes, de se ingressar em juízo em quaisquer dos modos.

Por extrajudicial entende-se quando prevista alguma conduta para resolver o contrato, sem qualquer ato formador da mora de parte do credor, e tal ocorrendo no pacto comissório, ou com alguma medida anterior, mas, em ambos os casos, sem o ingresso em juízo; ou quando exigida determinada medida antes do ajuizamento para dissolver a relação. De modo geral, no entanto, o direito vai afirmando cada vez mais a necessidade de se providenciar a comunicação da vontade de resolver, assegurando ao descumpridor um prazo para colocar-se em dia a obrigação, em todas as situações. Tal ato infunde certeza do propósito de resolução. Do contrário, até não receber a comunicação, observam Planiol e Ripert, “al deudor... podrá haber creído que éste no necesitada el cumplimiento inmediato, aún cuando se hubiese pactado un plazo para ello. Su silencio equivale, a este respecto, a la prórroga tácita del plazo”.38

Nas promessas de compra e venda de imóveis loteados, o art. 32 e seus parágrafos da Lei nº 6.766, de 1979, preveem que fica resilido o contrato trinta dias depois de constituído em mora o devedor. Lavra-se o cancelamento no registro imobiliário. Nas incorporações imobiliárias, regidas pela Lei nº 4.591, de 1964, de igual modo, seu art. 63 estabelece a permissão para incluir no contrato cláusula que, por falta de pagamento de três ou mais prestações, implique na resilição do contrato, se não feito o pagamento no prazo de dez dias contado da intimação. Não se submete o cancelamento à decisão do juiz.

Já quando é necessária a intervenção judicial para a resolução, antecedendo primeiramente a interpelação ou notificação constitutiva da mora, a lei também é expressa, consignando as hipóteses. Veja-se, a respeito, quanto aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados, impondo o Decreto-Lei nº 745/1969, alterado pela Lei nº 13.097/2015, a antecedente notificação. Uma vez levada a termo, e passado o prazo para a purgação, não se prescinde da competente ação judicial para fins de resolução. Na alienação fiduciária, na venda com reserva de domínio, há necessidade expressa de aviso ou interpelação, dentre outras hipóteses. Todavia, depois de consumada a medida, é imprescindível o ingresso com a ação resolutória cabível. Em suma, embora o ato posterior de solução judicial, é indispensável uma medida antecedente. E considera-se extrajudicial pela razão de que não se revela estritamente necessário o ingresso com uma ação em juízo. Ocorre que a parte inadimplente pode concordar com o ato notificatório, e devolver espontaneamente o bem. O que constitui razão para desfazer o contrato é o ato do inadimplemento, revelado na mora, e comprovado pela interpelação sem o correspondente pagamento. A intervenção judicial não é para declarar a resolução, posto que tal verifica-se com o decurso do prazo concedido na notificação.

Como judicial classifica-se a resolução sempre que se fundar no art. 475 do Código Civil. Não basta a mera notificação. Prevista a mora, e consignada no contrato quando se verifica, ingressa-se em juízo. De certa forma, abrange a resolução antecedida pela providência da notificação ou interpelação. E mesmo que acompanhada de tal ato, impõe-se a prova de determinada conduta de incumprimento, não consistente apenas na mora, mas também no adimplemento ruim, imperfeito ou imprestável. Deve-se obter uma declaração sentencial, afirmando o inadimplemento. Na ação, é atribuída à parte alguma conduta que vulnera o contrato. Precisa-se da manifestação judicial não apenas para declarar a ofensa, mas também para a sua afirmação, com a verificação da ocorrência ou não. Diferencia-se da simples resolução extrajudicial precedida da interpelação porque vai além da mora, envolvendo outras modalidades de ofensa ao contrato.