O direito se revela na história. Por meio dela
é que se entende que variados fenômenos foram chamados por direito, nos tempos
mais diversos, podendo a partir daí estabelecer as semelhanças e diferenças
entre eles. Ao mesmo tempo, a história é a manifestação das relações de poder,
dominação, exploração, ordem, ideologias, valores e lutas que dão sentido ao
direito. O direito é também um dos constituintes da história, mas é a história
que permite entender o direito.
Se analisarmos o direito historicamente, veremos, no passado, estruturas que são chamadas por jurídicas e que são bastante diferentes das nossas atuais. Basta pensarmos num grande exemplo. O Direito Romano, o mais destacado do passado, é, em grande medida, um direito muito peculiar, numa organização política que não é igual aos Estados modernos, e onde a força impera acima das leis, e não só por meio delas. Do mesmo modo, o feudalismo tem estruturas políticas, sociais e jurídicas bastante diversas das nossas. O modelo de direito atual só vai se formar a partir da Idade Moderna, com o surgimento dos Estados modernos, com a estruturação de uma sociedade capitalista, que se assenta em formas sociais específicas. Por isso, as sociedades que são pré-capitalistas têm outras formas de direito, que organizam relações diversas das nossas atuais, podendo-se até dizer que, em geral, essas sociedades sequer conheceram o direito, no sentido moderno da palavra.
Se analisarmos o direito historicamente, veremos, no passado, estruturas que são chamadas por jurídicas e que são bastante diferentes das nossas atuais. Basta pensarmos num grande exemplo. O Direito Romano, o mais destacado do passado, é, em grande medida, um direito muito peculiar, numa organização política que não é igual aos Estados modernos, e onde a força impera acima das leis, e não só por meio delas. Do mesmo modo, o feudalismo tem estruturas políticas, sociais e jurídicas bastante diversas das nossas. O modelo de direito atual só vai se formar a partir da Idade Moderna, com o surgimento dos Estados modernos, com a estruturação de uma sociedade capitalista, que se assenta em formas sociais específicas. Por isso, as sociedades que são pré-capitalistas têm outras formas de direito, que organizam relações diversas das nossas atuais, podendo-se até dizer que, em geral, essas sociedades sequer conheceram o direito, no sentido moderno da palavra.
As
origens históricas do direito
O mundo moderno inaugura uma nova forma de organização econômica social e institucional que persiste até a atualidade, o capitalismo. O direito em sociedades pré-modernas tem características bem distintas das nossas. Ainda que alguns povos tenham se estruturado comercialmente, não chegaram a uma estrutura plenamente capitalista.
A estrutura social da antiguidade faz com que o seu direito seja, na verdade, uma forma de dominação direta. A escravidão é um vínculo de domínio direto do senhor em relação ao escravo. Se pensarmos no poder do paterfamilias, ele tem a característica de um poder absoluto. Vale dizer, o paterfamilias não tem regras estatais que limitem seu poder sobre seus subordinados. Nas mais antigas sociedades, os vínculos de parentesco ou de comunidade excluem o diverso, o estranho, o estrangeiro, o mais fraco, subjugando-os, escravizando-os. Essa relação é de domínio físico, envolve a brutalidade e não regras jurídicas, sendo determinada muitas vezes pela posse da terra ou pela capacidade de guerrear.
As ordens sociais primitivas não têm, portanto, semelhança com as formas de dominação modernas. A dominação antiga tem um caráter direto, exercendo-se pela força ou pela posse direta da terra. Poderíamos ilustrar essas relações com a seguinte regra de dominação: senhor — escravo; ou, então: senhor — servo. Um domina diretamente o outro. Quando perde o domínio, acaba a relação de exploração. No passado, ninguém conserva o direito de ser senhor quando sua força termina.
Mas, no escravagismo, o mando direto do senhor sobre o servo podia-se construir também junto com uma justificativa edulcorada, que não revelava a verdade de suas causas sociais. Em alguns povos, dizia-se que o senhor manda no escravo porque Deus o quis. As explicações míticas ou religiosas serviram, muitas vezes, como legitimação da ordem de dominação. Por isso, pode-se ver na Bíblia, por exemplo, Javé fazendo uma aliança com o povo hebreu, dando-lhe favoritismo, e o povo hebreu dizendo que era seu direito fazer a guerra contra o estrangeiro para garantir seu território sagrado, ou então que tinha o direito de esperar os favores de Javé.
Mas conforme a organização social do mundo antigo vai se tornando complexa, o direito começa a aparecer como um fenômeno próprio no meio de tantos outros fenômenos sociais, O direito deixa de ser um produto resultante da moral, da religião ou dos mitos, e passa a ser uma estrutura própria de explicações e legitimações do domínio. Nas sociedades antigas que foram mais estruturadas, como a grega e a romana, buscou-se em geral compreender o direito como uma esfera própria, com suas regras e princípios, a partir dos quais fosse possível uma organização social.
Os gregos
antigos já especulavam, racionalmente, a respeito do que seria o justo,
produzindo então uma filosofia sobre
o tema. Os romanos, que nem tanto especulavam sobre O que seria o justo,
buscaram diretrizes jurídicas para a decisão dos problemas práticos que se lhes
apresentavam. Daí um caráter mais concreto e menos especulativo do direito
romano, que buscava se adaptar às necessidades dos conflitos na prática.
No entanto, mesmo o direito romano, que tinha uma estrutura voltada à resol ução prática dos conflitos concretos entre os seus cidadãos, não apresenta um direito como nós o conhecemos modernamente. As regras do direito romano não operam a partir das figuras jurídicas modernas, como sujeito de direito e direito subjetivo, e não são estatais, isto é, perpassadas por um poder político apartado do domínio econômico e físico direto das partes. Pelo contrário, elas se vinculam a uma série de rituais míticos, sagrados, e mesmo aquilo que pareceria representar uma intervenção estatal, como a atividade dos pretores, é uma maneira artesanal de resolver conflitos. Não se trata de uma aplicação automática e impessoalizada de regras estatais, mas sim de uma resolução arbitrária de cada caso tendo em vista suas peculiaridades e seus reclames. O poder do julgador é variável conforme a própria afirmação dos senhores. Na verdade, não há um Estado romano como há um Estado moderno. O pretor pode ser alguém da confiança das partes, em geral uma pessoa mais velha, mais sábia. Alguém poderia dizer que o pretor se parece com um juiz moderno, mas outros poderiam dizer também que ele se parece com um pai resolvendo uma briga de dois filhos, ou com um líder religioso que resolvesse uma questão entre seus fiéis. Tal dificuldade de identificação da figura do julgador do passado se dá porque o Estado, como algo isolado da família e da religião, não existiu na antiguidade.
Por não haver uma instancia jurídica separada do resto da sociedade antiga, dizia o jurista Celso, definindo o direito no Digesto, quejus est ars boni et aequi (o direito é a arte do bem e da equidade). Os romanos entenderiam a sua atividade muito mais como arte do que como técnica, ao contrário da estrutura moderna do direito. E importa ressaltar ainda, no caso do Direito Romano, que não havia uma teoria geral sobre as técnicas jurídicas. Por sobre qualquer técnica reiterada, há o acaso do poder que se sustenta pela força.
O Direito Romano tomou o vulto que teve no mundo antigo devido às peculiar idades da sociedade romana, um império com alto grau de exploração de outros povos e sociedades, sustentado numa rica economia escravagista. O comércio, que possibilitava a troca de produtos dos cidadãos romanos, passou a ensejar uma série de relações jurídicas que outros povos não conheceram. Por isso, comparada a outras sociedades antigas, Roma conheceu mais figuras incipientes de transações jurídicas que as demais. Mas, mesmo essas figuras tipicamente romanas, como os seus contratos, não são estruturadas do mesmo modo que as relações jurídicas do direito moderno. Nelas ainda reside um caráter parcial, faltando-lhe formas estruturais como a subjetividade portadora de direitos ou uma universalidade da reprodução de procedimentos, que surgirá apenas como correlata da própria universalidade da reprodução do capital.
No mundo medieval também não houve uma organização jurídica autônoma e relativamente independente do próprio mando do senhor feudal. A sociedade feudal muito pouco dependeu de tipos jurídicos para sua organização. A dominação dos senhores feudais dava-se, muito mais, com base na pura vontade senhorial que se impunha em face da vassalagem, na tradição, no domínio exclusivo e hereditário da terra. O vínculo de exploração feudal se valia, ainda, de argumentos religiosos, como o da vontade de Deus de que o senhor e o servo assim se mantivessem, e, num plano geral, o que se queira chamar por direito medieval acabava por ser, então, uma forma de raciocínio religioso a benefício dessa dominação.
O mundo antigo e o mundo medieval não conheceram estruturas jurídicas como as modernas. Não havia elementos como o Estado, a circulação mercantil, a exploração do trabalho de maneira assalariada, que distinguem e formam o direito moderno. Pelo contrário, em sociedades de economia escravagista ou feudal o que mais se verifica é o domínio direto, de senhor para escravo, de senhor para servo, do chefe da tribo ou do grupo em relação aos seus. A força física, a violência bruta, a guerra, a tradição, a religião, os mitos, a posse direta da terra, são eles que fazem o papel daquilo que modernamente chamamos por direito.
No entanto, mesmo o direito romano, que tinha uma estrutura voltada à resol ução prática dos conflitos concretos entre os seus cidadãos, não apresenta um direito como nós o conhecemos modernamente. As regras do direito romano não operam a partir das figuras jurídicas modernas, como sujeito de direito e direito subjetivo, e não são estatais, isto é, perpassadas por um poder político apartado do domínio econômico e físico direto das partes. Pelo contrário, elas se vinculam a uma série de rituais míticos, sagrados, e mesmo aquilo que pareceria representar uma intervenção estatal, como a atividade dos pretores, é uma maneira artesanal de resolver conflitos. Não se trata de uma aplicação automática e impessoalizada de regras estatais, mas sim de uma resolução arbitrária de cada caso tendo em vista suas peculiaridades e seus reclames. O poder do julgador é variável conforme a própria afirmação dos senhores. Na verdade, não há um Estado romano como há um Estado moderno. O pretor pode ser alguém da confiança das partes, em geral uma pessoa mais velha, mais sábia. Alguém poderia dizer que o pretor se parece com um juiz moderno, mas outros poderiam dizer também que ele se parece com um pai resolvendo uma briga de dois filhos, ou com um líder religioso que resolvesse uma questão entre seus fiéis. Tal dificuldade de identificação da figura do julgador do passado se dá porque o Estado, como algo isolado da família e da religião, não existiu na antiguidade.
Por não haver uma instancia jurídica separada do resto da sociedade antiga, dizia o jurista Celso, definindo o direito no Digesto, quejus est ars boni et aequi (o direito é a arte do bem e da equidade). Os romanos entenderiam a sua atividade muito mais como arte do que como técnica, ao contrário da estrutura moderna do direito. E importa ressaltar ainda, no caso do Direito Romano, que não havia uma teoria geral sobre as técnicas jurídicas. Por sobre qualquer técnica reiterada, há o acaso do poder que se sustenta pela força.
O Direito Romano tomou o vulto que teve no mundo antigo devido às peculiar idades da sociedade romana, um império com alto grau de exploração de outros povos e sociedades, sustentado numa rica economia escravagista. O comércio, que possibilitava a troca de produtos dos cidadãos romanos, passou a ensejar uma série de relações jurídicas que outros povos não conheceram. Por isso, comparada a outras sociedades antigas, Roma conheceu mais figuras incipientes de transações jurídicas que as demais. Mas, mesmo essas figuras tipicamente romanas, como os seus contratos, não são estruturadas do mesmo modo que as relações jurídicas do direito moderno. Nelas ainda reside um caráter parcial, faltando-lhe formas estruturais como a subjetividade portadora de direitos ou uma universalidade da reprodução de procedimentos, que surgirá apenas como correlata da própria universalidade da reprodução do capital.
No mundo medieval também não houve uma organização jurídica autônoma e relativamente independente do próprio mando do senhor feudal. A sociedade feudal muito pouco dependeu de tipos jurídicos para sua organização. A dominação dos senhores feudais dava-se, muito mais, com base na pura vontade senhorial que se impunha em face da vassalagem, na tradição, no domínio exclusivo e hereditário da terra. O vínculo de exploração feudal se valia, ainda, de argumentos religiosos, como o da vontade de Deus de que o senhor e o servo assim se mantivessem, e, num plano geral, o que se queira chamar por direito medieval acabava por ser, então, uma forma de raciocínio religioso a benefício dessa dominação.
O mundo antigo e o mundo medieval não conheceram estruturas jurídicas como as modernas. Não havia elementos como o Estado, a circulação mercantil, a exploração do trabalho de maneira assalariada, que distinguem e formam o direito moderno. Pelo contrário, em sociedades de economia escravagista ou feudal o que mais se verifica é o domínio direto, de senhor para escravo, de senhor para servo, do chefe da tribo ou do grupo em relação aos seus. A força física, a violência bruta, a guerra, a tradição, a religião, os mitos, a posse direta da terra, são eles que fazem o papel daquilo que modernamente chamamos por direito.
O direito moderno
Na Idade Moderna surge, pela primeira vez, uma organização jurídica do tipo que conhecemos até a atualidade. Na verdade, com o fim do feudalismo, vai acabando o mando direto do senhor sobre o servo e entram em seu lugar as atividades tipicamente burguesas, como a compra e venda. Dá-se início, então, a uma estrutura econômica de tipo capitalista.
Constituem-se, nesta época, vários fenômenos sociais que estão intimamente relacionados. Para que se realize a atividade mercantil e se desenvolva a nascente classe burguesa, é preciso que haja territórios livres e unificados que facilitem o comércio, além da necessidade de existir um ente que garanta as relações comerciais dos burgueses. Surge então a figura do Estado moderno, que unifica os territórios feudais e começa a criar legislações, chamando a si o poder de decidir sobre os conflitos sociais.
A atividade mercantil começa a criar mecanismos novos para seu desenvolvimento. As suas ferramentas institucionais serão à base do moderno direito. Basta lembrar, como exemplo, que o comércio dos burgueses italianos fez surgir os títulos de crédito, como as letras de câmbio. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se as modalidades dos Contratos, possibilitando o surgimento de um direito privado.
Vai se notar, desde o princípio, uma diferença fundamental entre a atividade capitalista e a atividade feudal ou escravagista. Enquanto essas últimas são explorações diretas, que dependem da força, da violência, da religião ou da tradição, a atividade capitalista, pelo contrário, é sempre uma exploração indireta. Para que os negócios sejam feitos é preciso a existência de um terceiro, que não seja nem o comprador e nem o vendedor, e que garanta que o produto seja entregue de um para outro e Seja pago o valor devido. Ora, este terceiro, que não é nenhuma das partes, mas que garantirá o capital e o lucro que venha do contrato é o Estado institucionalizado juridicamente, entrelaçado à forma jurídica que faz de cada qual um sujeito de direito. Ele estaria acima de qualquer particular, teria poder sobre os indivíduos, obrigaria a todos e executaria os contratos que não foram cumpridos.
Claro está que o Estado moderno surge porque as relações mercantis capitalistas demandam uma série de aparatos técnicos, institucionais e formais que estão diretamente relacionados a um ente político e jurídico distinto dos próprios burgueses. O Estado, no capitalismo, não é um terceiro qualquer entre duas partes:
é o Estado, institucionalizado juridicamente, que faz de cada qual um sujeito de direito, que lhe dá, formalmente, direitos e deveres. Assim sendo, ainda que tenha havido instâncias políticas no passado que pudessem ser parecidas com o Estado moderno, elas não se assentavam, no entanto, na esfera da circulação mercantil capitalista, e, por isso, eram terceiros que funcionavam como intermediários entre partes sem lhes emprestar uma lógica autônoma. No passado, o que se queria chamar de Estado mandava diretamente, por conta própria, nos particulares, ou então nem mandava soberanamente, dado que sua força adviria de uma concessão dos senhores. No capitalismo, o Estado moderno se estrutura a partir da própria lógica mercantil, que faz de toda pessoa um sujeito de direito, a vender-se no mercado sob as garantias da chancela estatal. A forma política estatal se apresenta entrelaçada à forma jurídica, e ambas as formas são específicas do capitalismo.
Por isso, desde o início, onde há capitalismo há também a necessidade do Estado, como elemento intermediador das suas atividades econômicas, garantindo suas transações. Não bastasse o comércio, o Estado é fundamental também para a exploração do trabalho. No capitalismo, o trabalhador não é levado ao trabalho como no feudalismo ou no escravagismo, pela impossibilidade de outros meios ou pela força. Não é a coação física que o obriga, mas o contrato de trabalho. Devido às suas necessidades e a sua condição proletária, o trabalhador vende sua força de trabalho ao capital, mas o faz assumindo uma obrigação, um contrato de trabalho, que, ao contrário da escravidão, não se impôs pela coerção física, mas sim por meio de sua deliberação pessoal. Será o contrato de trabalho que assegurara este vínculo, O direito, portanto, é essencial tanto ao comércio quanto à exploração do trabalho, os dois alicerces fundamentais do capitalismo.
Ao contrário das dominações pré-capitalistas, a dominação capitalista é feita sempre por um intermediário, o direito. É por meio de suas formas que as relações sociais do capital se estabelecem. Vejamos as suas modalidades principais, a mercantil e a produtiva. Na exploração mercantil: vendedor —‘ contrato mercantil assegurado pelo direito estatal —. comprador. Na exploração produtiva: capitalista
contrato de trabalho assegurado pelo direito estatal -. trabalhador. Nessas duas típicas modalidades da exploração capitalista, só é possível a dominação porque o direito assegura suas relações e a propriedade privada, além de ter estabelecido a forma de sujeito de direito às partes.
Quanto mais forte o Estado, mais ele tem condições de se sobrepor a cada um dos burgueses e fazer cumprir, pois, os contratos entre os próprios burgueses. Se o Estado tem um grande território, isto possibilita a um burguês fazer negócio em qualquer parte desse espaço porque em qualquer local o Estado o garantirá. Por isso, o Estado, sustentando o direito, ainda que faça algumas normas contra determinados interesses burgueses, é sempre uma organização que satisfaz aos interesses da lógica geral da burguesia.
No início da Idade Moderna, com o Absolutismo, o Estado era dominado pela nobreza e pelo monarca de modo incontrastável. Nesse primeiro momento do capitalismo, embora o Estado já funcionasse como garantidor dos contratos, porque já se impunha como poder soberano, não buscava ainda respeitar e executar todas as regras contratuais burguesas, mas, fundamentalmente, garantir privilégios para a nobreza, que então se opunha aos burgueses. Por isso as revoluções burguesas, como a Revolução Francesa, lutaram pelo fim do Absolutismo, para, em seu lugar, declarar os direitos universais do homem e do cidadão. Quando o Estado passasse a respeitar direitos iguais a todos, ele não mais privilegiaria os nobres e, a partir daí, tratando igualmente a todos, estaria na prática privilegiando a burguesia, porque todos estariam igualmente obrigados a respeitar os contratos e um horizonte econômico, cultural e político de uma classe agora dominante.
Esse Estado que não age de acordo com os mandamentos do rei, e que imponha regras que teoricamente valeriam para todos, “universais”, é chamado costumeiramente de Estado de Direito, porque ele legisla e julga, ou seja, faz o direito, mas ele, Estado, também se submete ao seu próprio direito. Neste caso, diz-se que os governantes do Estado não são absolutistas, mas se encontram sob as leis. Essa ideia de um Estado de Direito — no qual as leis governam os homens e não o contrário — começa a se expressar na filosofia do direito a partir do século XVIII, no Iluminismo, em autores como Montesquieu. Essa teoria é de fundamental importância para o tipo de organização social desejada pela burguesia.
O pano de fundo para que o direito se
sobreponha à vontade dos reis e senhores feudais é a própria chegada do
mundo moderno ao circuito universal das trocas, quando a própria exploração do
trabalho passa a ser contratual. Nesse momento, os trabalhadores passam a
estruturar suas relações sociais sob forma contratual, tornando-se, então,
sujeitos de direito. A chegada ao vínculo contratual nas relações de produção estabelece a plenitude
do circuito das relações sociais capitalistas, dando-lhe sua forma e
figuras fundamentais.
A partir do momento em que a burguesia toma o poder nos Estados europeus, como na França do final do século XVIII em diante, o Estado será então, definitivamente, o elemento garantidor dos interesses capitalistas. Se todos respeitarem as leis, os contratos serão cumpridos e o Estado executará os que não os cumprirem. Para que os particulares se obriguem plenamente uns aos outros nos contratos, o Estado burguês passa a legislar a respeito dos vínculos contratuais, determinando suas formas, seus procedimentos. É no início do século XIX que surgem as primeiras grandes legislações a respeito dos contratos e do direito privado, sob a forma de códigos, principalmente o Código Civil, que trata de assuntos de interesse burguês. O Código Civil francês, promulgado por Napoleão, é de 1804, e, desde lá, outros Estados também promulgaram suas leis, garantindo e regulamentando os contratos.
As legislações do século XIX refletem o estabelecimento de sociedades que se fundam nas relações de produção contratuais e na mercadoria como seu esteio. A forma jurídica contratual e da individualidade portadora de direitos é correlata à forma mercantil. No entanto, como no século XIX tais formas jurídicas passam a ser anunciadas tecnicamente, o jurista passa a tratar do direito na sua face imediata, olvidando-se de que o surgimento da técnica corresponde a determinadas estruturas das relações sociais.
A partir do século XIX, o Estado, dominado pela burguesia, começa a regulamentar exaustivamente, por meio das suas leis, o interesse burguês e as formas de exploração capitalistas. Por isso que desde o século XIX começa a haver, no pensamento jurídico uma insistente proposta de se entender o direito apenas como um conjunto de normas postas pelo Estado, chamando-se este movimento de compreensão do direito de positivismo jurídico ou juspositivismo.
A ideologia do positivismo jurídico é sempre muito interessante às classes dominantes, porque apregoa o cumprimento da ordem imposta pelo Estado sem contestações estruturais. As classes burguesas controlam o Estado e estipulam por meio das normas estatais os seus interesses. Por isso a ideologia das classes dominantes começa a apregoar que todas as regras a serem seguidas pela sociedade deverão ser apenas as regras postas pelo Estado. Essa ideologia, chamada de positivismo (a palavra positivismo vem de “posto”, ou seja, a lei imposta pelo Estado), não dá margem à contestação da ordem, sendo eminentemente Conservadora e, portanto, favorável aos interesses burgueses.
Com o surgimento dos grandes códigos que tratam dos interesses burgue5 como os códigos civis, a partir do século XIX, o mundo ocidental começa a trabalhar com o direito de maneira peculiar. O direito não será mais entendido Como uma especulação sobre o que é mais justo, nem como uma arte de resolver conflitos concretos, mas, sim, como um conjunto de instituições e normas (que então já são até códigos, dadas sua complexidade) posto pelo Estado e garantido por ele. Assim, para o jurista trabalhar com o direito, não seria mais necessário um questionamento sobre o que seria o justo ou qual a arte mais correta para a aplicação das leis. Bastaria, a partir daí, a técnica de manejar as leis estatais, sabendo entendê-las umas relacionadas com as outras. O direito moderno acaba reduzido, então, a uma técnica.
O mundo contemporâneo irá acentuar esse tipo de organização do direito. Sendo tomado apenas no seu aspecto positivo (posto pelo Estado), o direito fica reduzido a um mero entendimento técnico a respeito de como operacionalizar essas normas estatais. Quando Hans Kelsen, no século XX, escreve uma marcante e famosa obra, a Teoria pura do Direito, estará propondo estudar o direito sem nenhuma interferência de dados sociais, históricos, valorativos, ideológicos, restando, apenas, uma análise das normas estatais. Essa sua teoria leva ao máximo todo um movimento histórico que fez do direito uma mera técnica, em beneficio da ordem e da dominação.
A partir do momento em que a burguesia toma o poder nos Estados europeus, como na França do final do século XVIII em diante, o Estado será então, definitivamente, o elemento garantidor dos interesses capitalistas. Se todos respeitarem as leis, os contratos serão cumpridos e o Estado executará os que não os cumprirem. Para que os particulares se obriguem plenamente uns aos outros nos contratos, o Estado burguês passa a legislar a respeito dos vínculos contratuais, determinando suas formas, seus procedimentos. É no início do século XIX que surgem as primeiras grandes legislações a respeito dos contratos e do direito privado, sob a forma de códigos, principalmente o Código Civil, que trata de assuntos de interesse burguês. O Código Civil francês, promulgado por Napoleão, é de 1804, e, desde lá, outros Estados também promulgaram suas leis, garantindo e regulamentando os contratos.
As legislações do século XIX refletem o estabelecimento de sociedades que se fundam nas relações de produção contratuais e na mercadoria como seu esteio. A forma jurídica contratual e da individualidade portadora de direitos é correlata à forma mercantil. No entanto, como no século XIX tais formas jurídicas passam a ser anunciadas tecnicamente, o jurista passa a tratar do direito na sua face imediata, olvidando-se de que o surgimento da técnica corresponde a determinadas estruturas das relações sociais.
A partir do século XIX, o Estado, dominado pela burguesia, começa a regulamentar exaustivamente, por meio das suas leis, o interesse burguês e as formas de exploração capitalistas. Por isso que desde o século XIX começa a haver, no pensamento jurídico uma insistente proposta de se entender o direito apenas como um conjunto de normas postas pelo Estado, chamando-se este movimento de compreensão do direito de positivismo jurídico ou juspositivismo.
A ideologia do positivismo jurídico é sempre muito interessante às classes dominantes, porque apregoa o cumprimento da ordem imposta pelo Estado sem contestações estruturais. As classes burguesas controlam o Estado e estipulam por meio das normas estatais os seus interesses. Por isso a ideologia das classes dominantes começa a apregoar que todas as regras a serem seguidas pela sociedade deverão ser apenas as regras postas pelo Estado. Essa ideologia, chamada de positivismo (a palavra positivismo vem de “posto”, ou seja, a lei imposta pelo Estado), não dá margem à contestação da ordem, sendo eminentemente Conservadora e, portanto, favorável aos interesses burgueses.
Com o surgimento dos grandes códigos que tratam dos interesses burgue5 como os códigos civis, a partir do século XIX, o mundo ocidental começa a trabalhar com o direito de maneira peculiar. O direito não será mais entendido Como uma especulação sobre o que é mais justo, nem como uma arte de resolver conflitos concretos, mas, sim, como um conjunto de instituições e normas (que então já são até códigos, dadas sua complexidade) posto pelo Estado e garantido por ele. Assim, para o jurista trabalhar com o direito, não seria mais necessário um questionamento sobre o que seria o justo ou qual a arte mais correta para a aplicação das leis. Bastaria, a partir daí, a técnica de manejar as leis estatais, sabendo entendê-las umas relacionadas com as outras. O direito moderno acaba reduzido, então, a uma técnica.
O mundo contemporâneo irá acentuar esse tipo de organização do direito. Sendo tomado apenas no seu aspecto positivo (posto pelo Estado), o direito fica reduzido a um mero entendimento técnico a respeito de como operacionalizar essas normas estatais. Quando Hans Kelsen, no século XX, escreve uma marcante e famosa obra, a Teoria pura do Direito, estará propondo estudar o direito sem nenhuma interferência de dados sociais, históricos, valorativos, ideológicos, restando, apenas, uma análise das normas estatais. Essa sua teoria leva ao máximo todo um movimento histórico que fez do direito uma mera técnica, em beneficio da ordem e da dominação.
A
reconfiguração histórica do fenômeno jurídico
O estudo da história contribui para observar que, a depender das estruturas sociais, coisas distintas foram chamadas por direito. A técnica jurídica moderna é o nosso direito. Mas o mundo do passado considerava o direito algo próximo de uma sabedoria religiosa, O futuro, para além do capitalismo, pode considerar por jurídicos outros fenômenos que não os nossos técnicos. Não há o fenômeno jurídico em si, fora da história; há manifestações que foram consideradas jurídicas de modo distinto, ao variar da história.
As sociedades pré-capitalistas não conseguem separar uma forma jurídica da dominação direta dos senhores. As eventuais diretrizes ou os julgamentos que se façam sem a vontade direta do senhorio, no passado, são ocasionais, dependentes de valores religiosos ou morais. As relações sociais de produção do passado não passam por vínculos de direito, mas sim por vínculos de força ou vassalagem.
Daí que a reflexão sobre o direito antigo o torna geograficamente vo1atil. Para a proposição dos filósofos, o direito ocuparia um local próximo a uma reflexão ideal sobre a distribuição dos bens. Para os religiosos, o direito seria a emanação da vontade dos deuses.
Num dos maiores clássicos do pensamento jurídico de toda a história, a Ética a Nicômaco, Aristóteles, chamado a situar o campo do direito e da justiça, identificou esse campo com a regra de dar a cada qual o que é seu. Não na norma nem em Deus, mas na distribuição dos bens sociais, buscava Aristóteles situar o problema do direito e da justiça. Para essa tradição clássica — que perpassou o Direito Romano e que na Idade Media foi ate vista de algum modo, por exemplo, no pensamento de São Tomás de Aquino — o direito e a justiça tratavam diretamente das coisas, de dar, ou seja, a geografia do direito dizia respeito à distribuição dos bens.
A noção do direito como a justeza nas coisas foi a proposição de Aristóteles numa sociedade pré-capitalista. Hoje, podemos dizer que Aristóteles, por falar de uma sociedade em modo de produção escravista, como era o caso da sociedade grega, não tenha alcançado uma boa medida naquilo que imaginava fosse uma justa distribuição dos bens entre os atenienses. Os escravos ficavam de fora dessa distribuição. Mas, ainda que discordemos do conteúdo do que sena dado como justo, resta o fato de que a questão do direito antigo girava em tomo desse ato de dar, de distribuir, falando diretamente das coisas e das pessoas, e não das normas jurídicas ou dos direitos subjetivos, como será o caso das sociedades atuais.
No capitalismo, a partir da modernidade, o problema se inverteu. A regra de ouro de Aristóteles, em vez de ser lida como um problema de distribuição dos bens, falando diretamente das coisas, das pessoas e das situações, passou a ser lida como se fosse uma mera norma, referenciada em direitos subjetivos. Assim sendo, não importando o conteúdo nem o procedimento, até mesmo a regra de ouro aristotélica perdeu sentido e passou a ser entendida apenas como uma norma que, tecnicamente, determina por ela mesma o sentido para a justiça. Ou seja, mais do que o mérito do ato de dar ou distribuir, o direito passou a ser identificado apenas como a norma que estipula tais atos e os direitos subjetivos correspondentes.
A questão do direito, para Aristóteles e para os filósofos clássicos, mas também para os juristas do Direito Romano e do direito medieval, não se encontrava meramente nas normas, mas sim nas coisas. Daí que, para eles, a justiça era uma atitude de encontrar a natureza das coisas, e, descobrindo essa natureza, o jurista deveria agir no sentido de conformar as pessoas, OS bens, os fatos e as situações a tal natureza, do que resultaria então o justo.
Tomemos para isso um exemplo a partir da visão antiga do pensamento Jurídico. A enxada pode servir, nas mãos de um trabalhador, para lavrar a terra. E da natureza da enxada tal uso. Mas se alguém se vale da enxada para golpear a cabeça de outrem, ferindo-o de morte, diríamos que o justo uso da enxada foi perdido. Tal ato é injusto, e deve ser corrigido. Ora, o problema do direito estaria tanto na atitude de quem desferiu o golpe quanto na situação que se deu, na injustiça de se golpear alguém. O direito e a justiça estariam sendo observados na atitude da pessoa e na situação ocorrida, não necessariamente numa norma.
Dizia-se no passado, por isso, que seria preciso que o bom jurista fosse artista do direito, para bem entender cada situação concreta, sua justeza a natureza das coisas ali envolvidas. A norma era importante para alcançar essa justeza, mas não apenas ela. A equidade que é a arte de entender cada caso Concreto, superior, para Aristóteles, à própria lei.
Ora, na antiguidade, nos modos de produção pré-capitalistas, nos quais a única ainda não estava totalmente assentada, o direito estava visível muito mais nas coisas e nas situações do que propriamente nas normas. O fenômeno jurfdjc0 de fato, era considerado muito maior que a sua mera normatividade.
Já no capitalismo, o direito é identificado de modo distinto. A exploração dos trabalhadores pelo capital se faz de modo mercantil. O vínculo entre ambos se apresenta como uma troca de direitos subjetivos entre sujeitos livres e iguais. À forma de mercadoria corresponde a forma de sujeito de direito. Além disso, constitui-se uma instância política na sociedade formalmente apartada das classes e dos indivíduos, o Estado. As formas do direito, as normas estatais e todos seus correlatos técnicos — ordenamento jurídico, sujeito de direito, validade, vigência, obrigação, dever e direito subjetivo — passam a ser o campo no qual se identifica o assunto jurídico. Isso se deve, de modo claro, às necessidades prementes da exploração capitalista, sejam mercantis, sejam produtivas. E porque se explora o trabalho assalariado por meio de uma vontade do trabalhador em se dispor mediante paga que se criam os institutos do sujeito de direito e da autonomia da vontade, garantidos não pelo explorador burguês, mas sim por essa instância que se vende como “imparcial”, o Estado.
Ora, se o fenômeno jurídico antigo se media em determinadas coisas, o fenômeno jurídico moderno se mede em outras. A sabedoria em deslindar os fatos era uma espécie de virtude jurídica do passado. O conhecimento técnico normativo é a virtude do jurista moderno. Um velho sábio que soubesse captar a verdade por detrás das falsas discussões de uma briga seria um homem justo no passado. Mas um jovem sem virtudes que decorou leis é o grande jurista da modernidade capitalista. O tradicional fenômeno jurídico, de dar, de distribuir, de corrigir e educar, que em muito se confundia com a religião, a moral, a ética e os costumes, esse artesanato da justiça do passado pré-capitalista ficou totalmente deslocado em relação ao direito moderno. Para nós, direito é técnica, não arte. As relações sociais do capitalismo impõem formas necessárias ao próprio direito.
Do direito pré-capitalista para o direito capitalista, mudam as formas de relação social. Se o fenômeno jurídico na antiguidade tratava de tudo diretamente, porque, no mando imediato ou artesanalmente a tudo se pode ponderar a sua natureza justa, o direito moderno tratará de tudo por meio das formas sociais e jurídicas do capitalismo: subjetividade jurídica, direito, dever, autonomia da vontade, vínculo, obrigação etc. Nessas formas, o direito tratará daquilo que as normas jurídicas e os institutos jurídicos estatais tratarem.
A totalidade de que trata o direito no capitalismo quer dizer: tudo somente será jurídico mediante as formas da própria sociabilidade jurídica capitalista e, também, se as normas assim o quiserem OU não o quiserem. No passado, no direito pré-capitalistas é o contrário: tudo pode ser justo ou injusto por si mesmo ou pela livre e artesanal apreciação do jurista ou dos brutos poderes. Na verdade, a universalidade do fenômeno jurídico moderno não está na cobertura de todos os temas, mas sim nas formas e nas técnicas que se reputam universais.
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